Uma educação Marista para o nosso tempo
Artigo do vice-reitor, Ir. Manuir José Mentges, em nome da Comissão Internacional da Missão Marista
Vivemos um tempo de profundas transformações, de intensa velocidade e interdependência nas relações. Este início de século tem, no avanço das tecnologias digitais e da comunicação, as marcas da hiperconexão, acompanhadas de mudanças sociais, econômicas, políticas e ambientais cada vez mais complexas.
Inovar, nessas circunstâncias dinâmicas em que a vida se apresenta, não é mais uma opção, mas uma necessidade. O Instituto Marista, em seus mais de 200 anos de história, sempre buscou atuar à luz das necessidades exigidas para cada tempo e seu contexto. Assim tem sido desde Marcelino Champagnat, desde quando o fundador intuiu que a pedagogia praticada nos cantões da França pós-revolução não atendiam à realidade.
Nesse mesmo espírito, as inquietações da contemporaneidade nos fazem refletir sobre como os aprendizados da trajetória marista nos habilitam a seguir a missão em busca das melhores respostas para nossas crianças, nossos jovens e adultos. Crescemos e nos consolidamos em uma era para a qual nos dedicamos a desenvolver conceitos e metodologias orientados à qualidade e à excelência; a desenhar processos detalhados, voltados a garantir a melhor entrega, sistematizar boas práticas, medir resultados, reduzir riscos, identificar e corrigir erros. Aprendemos também sobre melhoria contínua na qual erros e oportunidades reorientam processos.
Nesse período, instituições no mundo todo voltadas à educação dedicaram-se à busca da excelência pela construção de propostas pedagógicas de qualidade, alinhadas a seu tempo e pautadas por processos consistentes. Porém, o desafio que perdurou foi o de proporcionar acesso de diferentes comunidades e realidades sociais aos novos modelos educacionais.
Atenta aos desafios da educação inclusiva, a missão Marista tem encarado com a mesma responsabilidade primordial a busca pela promoção de uma sociedade mais justa e fraterna. O compromisso com a entrega de qualidade, associada aos valores essenciais, posicionaram as iniciativas maristas no mais elevado padrão de excelência técnica e relevância social. Contudo, as possibilidades tecnológicas emergentes, os novos modos de ensinar e aprender, bem como a efemeridade das soluções encontradas nos colocam diante do desafio de renovarmos recursos, inovarmos metodologias e ampliarmos a inclusão em diferentes dimensões.
Realidade contemporânea
Chegamos à sociedade do conhecimento e da comunicação com importantes aprendizados, porém, também com instabilidades características de uma mudança de era. O acrônimo VUCA (volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade) parece descrever os desafios da última década. No entanto, dado o sentido de urgência que nos foi imposto pela pandemia, o termo BANI (frágil, ansioso, não linear e incompreensível) passou a ser considerado mais adequado para caracterizar o momento. Nesse contexto, prever como o futuro será desenhado, a partir do modelo linear que exercitamos nas décadas passadas, passa a ser uma tarefa quase impossível.
O legado da pedagogia marista, marcada pela excelência e pelo compromisso com a promoção de um mundo melhor, é valioso para o desenvolvimento de pessoas com consciência crítica sobre si mesmas e seu papel nesse novo mundo. Porém, o mundo BANI tem nos dado sinais claros de que podemos (e precisamos!) avançar. Champagnat nos inspirou a agir com ousadia e a estar preparados para dar respostas com pioneirismo. A instabilidade dos novos tempos nos traz desafios, por outro lado, também é repleta de oportunidades para aqueles que têm audácia para inovar.
O que é inovação?
Para além de um termo “da moda”, largamente disseminado, o que de fato significa inovar? De origem no latim “innovare” tem o sentido de “renovar, mudar”. A inovação, por vezes confundida com invenção, vai além da criação de algo novo. Inovar significa promover a mudança da forma de pensar e agir, com o objetivo de desenvolver soluções fora de um padrão já conhecido. O gatilho para a inovação é a identificação e exploração de desafios que, quando solucionados, geram impacto positivo expressivo.
Se observarmos atentamente esse conceito, veremos quão inovadora foi a proposta educativa marista quando de seu surgimento. Champagnat não criou nenhuma pedagogia. Soube, isto sim, reagrupar técnicas e métodos sob um novo prisma e finalidade: a educação com afeto e mais próxima do Evangelho. Ao longo do tempo, essa proposta pedagógica ganhou rigor teórico alicerçado em novas formas de pensar e agir, o que hoje caracterizaríamos como inovadora.
A inovação pode ser considerada radical ou incremental a partir da transformação que é capaz de gerar. A inovação radical está associada à disrupção, a uma mudança que provoca a descontinuidade da solução anterior, gerando novas relações entre as pessoas. Já a inovação incremental não traz uma mudança na essência da solução ou nas relações entre as partes. Ela está direcionada à melhoria e à otimização de funções ou da forma como entregas são realizadas, porém, não deve ser confundida com a melhoria contínua, pois ela gera impacto e promove transformação.
A inovação como abordamos hoje teve sua origem associada à ciência e à indústria no século XIX, no contexto da Revolução Industrial, vinculada a um processo linear de desenvolvimento de novos produtos. O conceito evoluiu. Não é mais possível inovar de forma linear. É preciso incorporar a influência do contexto, o risco de um ambiente de incertezas e a complexidade de realidades interconectadas. Independentemente do grau de impacto ou do contexto em que se insere, a inovação de sucesso estará sempre associada a um processo colaborativo, centrado na criatividade e na coragem das pessoas para agir. E hoje, ao nos reconhecermos como família carismática global, nós, Maristas de Champagnat, somos convidados, à luz do XXII capítulo geral, a atuar de forma colaborativa, interdependente e em rede. “A interdependência, mais que o isolamento ou a independência, deve ser a nova normalidade para nós.” (INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS, 2017, p. 7).
Agora é a hora de arriscar
A dinâmica intensa da inovação nos leva, então, a refletir: como podemos promover movimentos de mudança em um mundo cada vez mais complexo? Como nossa proposta pedagógica pode provocar a formação das pessoas em nossos espaços de missão?
A pandemia deu maior visibilidade aos complexos problemas sociais/ educacionais nos diversos países e em diferentes realidades onde estamos engajados enquanto missão marista. Ao mesmo tempo, a pandemia colocou uma lente de aumento nas relações e evidenciou a capacidade de resiliência da sociedade, assim como da comunidade educacional. Nos afastamos, entretanto rapidamente conseguimos nos reconectar. À medida que retornamos à presencialidade, oportunidades que pareciam distantes passam a ser tratadas com prioridade. Esse é o melhor momento para inovar!
Já vimos que inovar não se restringe simplesmente a fazer diferente, tampouco à simples adoção de novas tecnologias. O próprio avanço das tecnologias digitais e o acesso quase ilimitado à informação desestabilizou os modelos tradicionais de ensino, fazendo emergir inúmeros desafios e habilitando, por outro lado, uma infinidade de novas oportunidades.
Ação colaborativa
Estimular o desenvolvimento do pensamento crítico, provocar soluções por caminhos não óbvios e preparar pessoas para agir em cenários complexos passam a ser competências centrais a serem perseguidas. O que não muda no novo mundo é o valor que o estabelecimento de vínculo representa no processo de educação. Manter a comunidade envolvida e engajada em um processo exploratório de aprendizado passa pela construção de ambiente de confiança onde a ousadia abra espaço também para que incertezas possam ser debatidas, erros possam ser cometidos e corrigidos, questionamento e hipóteses possam ser levantados.
A ação colaborativa é indiscutivelmente essencial à identificação de problemas relevantes e, obviamente, para a geração de soluções inovadoras. Nossa presença em mais de 80 países, alinhada por valores convergentes, proporciona à missão Marista explorar a diversidade e riqueza de diferentes visões, o que amplia significativamente o potencial inovador para a geração de soluções de alto impacto.
Marcelino Champagnat nos ensinou a olharmos para o próximo, a estarmos atentos ao contexto que nos circunda e, com audácia e coragem, a direcionarmos nossas capacidades e energia para promover a transformação. A educação é o pilar que nos conecta e nos direciona em nossa missão Marista. A ação que nos propomos a empreender está, sim, pautada por processos sólidos na busca pela qualidade e excelência das nossas iniciativas e, também, estreitamente alinhada à dimensão da formação humana, que é complexa, exige pensamento sistematizado e, acima de tudo, demanda colaboração, sensibilidade e senso de humanidade. Tal senso é urgente como bem tem nos sinalizado o Papa Francisco em diferentes documentos. Em nossa área de missão, vale mergulharmos cada vez mais nas propostas do Pacto Educativo Global e respondermos com responsabilidade, esperança e ousadia.
A trajetória empreendedora da missão Marista nos aponta os elementos fundamentais para avançar em um processo de inovação consistente, capaz de dar continuidade à busca de um mundo mais justo e fraterno. Assim, a relevância da missão Marista e dos ensinamentos de Marcelino Champagnat seguirão vivos na promoção de um mundo melhor.
Ir. Manuir José Mentges
Em nome da Comissão Internacional da Missão Marista