Confira a explicação de Ana Duarte, farmacêutica e professora da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUCRS
As vacinas são a forma mais eficiente de prevenir doenças infecciosas. O pioneiro no desenvolvimento das vacinas foi Edward Jenner, um médico britânico que desenvolveu o imunizante contra a varíola, a qual foi declarada erradicada em 1979 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – devido à grande eficácia do método.
Apesar de não ser uma ferramenta nova de combate a doenças, em meio à corrida para a produção e disponibilização de vacinas contra a Covid-19, também surgem muitas dúvidas por parte da população. Entre as preocupações e as curiosidades estão as orientações para quem pode receber os imunizantes contra a Gripe (Influenza) e o coronavírus, além de como funciona o processo para a produção de uma vacina.
Pensando nisso, a professora Ana Duarte, da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUCRS, preparou explicações úteis sobre as etapas que envolvem a elaboração de um imunizante. Como pesquisadora, Ana trabalha com temas relacionados a vacinas, imunologia viral, terapias antivirais e antitumorais e respostas de diferentes tipos de células.
As vacinas funcionam educando o sistema imune. Elas induzem a chamada “resposta de memória específica”, onde células T e células B (produtoras de anticorpos) são ativadas. Quando o corpo entra em contato com o patógeno (organismo que transmite alguma doença), essa resposta irá proteger o sistema, impedindo que a doença se manifeste de forma grave. Deste modo, o corpo fica imune.
É importante lembrar que a vacina não pode ser considerada somente como um meio de proteção individual, e sim coletivo, para que seja atingida a imunidade em grande escala e a redução da circulação do patógeno na população.
Para induzir a resposta imune especifica é necessário um antígeno (componente essencial que causa a produção de anticorpos). O antígeno pode ser o patógeno morto ou atenuado, ou uma parte dele. As estratégias de vacinas mais modernas, como de RNAm e Vetores virais recombinantes, funcionam como uma plataforma para produzir o antígeno. Ou seja, parte do patógeno, no individuo vacinado.
Algumas vacinas ainda possuem adjuvantes (matéria prima que, quando adicionada à fórmula do medicamento, ajuda na sua ação) que são importantes para melhorar a resposta imune. Outros componentes comuns das vacinas são conservantes, para impedir que a vacina seja contaminada depois de aberta, e estabilizantes, para prevenir reações químicas na vacina. Alguns imunizantes precisam de um líquido diluente para deixar a vacina na concentração correta imediatamente antes do seu uso.
O desenvolvimento de uma vacina é semelhante ao desenvolvimento de um medicamento. No total, são quatro etapas: pré-clínica e fases 1, 2 e 3:
Durante os ensaios de fase 3 é recomendado que o grupo voluntário e a equipe de cientistas não saibam quem recebeu a vacina ou o placebo, garantindo que os resultados da eficácia não sejam influenciados por quem está avaliando. Essa etapa costuma ser desenvolvida em diferentes países para analisar a resposta em diferentes populações.
Esse é um processo que costuma ser caro, podendo custar milhões de reais e durar anos até o cumprimento de todas as etapas. Quando a última fase está completa, os resultados são submetidos às avaliações das agências reguladoras de cada país.
Vale ressaltar que as vacinas para prevenção da Covid-19 foram obtidas em tempo recorde. Essa grande conquista científica foi possível devido aos conhecimentos prévios obtidos a partir de outros tipos de coronavírus e um esforço coletivo de muitos cientistas de todo o mundo, com sobreposição das fases clínicas. Ou seja, para acelerar o processo, a organização da fase 3 foi iniciada antes do término da fase 2.
Não é necessário se preocupar, pois as vacinas continuam sendo monitoradas após a aprovação, garantindo a segurança e a saúde das pessoas imunizadas.
Produzir uma vacina não é um processo fácil e varia de acordo com o seu tipo. Um dos principais processos é a produção do ingrediente farmacêutico ativo. Para vacinas que utilizam como antígeno o vírus atenuado ou inativado, o processo consiste na replicação celular a partir de uma cepa de referência (uma variante com construção diferente e propriedades físicas distintas) e posterior purificação e inativação, se necessário. Já as vacinas bacterianas são produzidas por um processo de fermentação.
As vacinas mais recentes de RNAm utilizam a tecnologia do DNA recombinante (clonagem molecular). Para a vacina contra a Covid- 19, por exemplo, a sequência que codifica a proteína Spike (importante para a sobrevivência viral) do vírus SARS-COV-2 é clonada em um plasmídeo (DNA circular bacteriano). Esse plasmídeo é propagado em bactérias para aumentar a sua quantidade.
Posteriormente, a sequência de DNA que codifica a proteína é retirada do plasmídeo e esse DNA servirá de molde para síntese de RNAm in vitro utilizando enzimas especificas (proteínas que regulam reações químicas do organismo). Esse RNAm é o princípio ativo das vacinas e será envolto em lipídeos para facilitar sua entrada nas células de pessoas vacinadas, que irão produzir a proteína Spike que servirá como antígeno e irá induzir a resposta imune.
Para certificar a qualidade esperada dos lotes de vacinas, são realizados testes em cada etapa da cadeia de produção:
E então a vacina está pronta para ser embalada e distribuída para população.
A maioria das vacinas requer refrigeração entre 2°C e 8°C para o armazenamento e transporte. Outras precisam de temperaturas ainda mais baixas, de -20°C a -70°C. Para isso é necessário que haja um planejamento para a distribuição dos imunizantes, com cadeia, infraestrutura e equipes da área de saúde treinadas.
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