Desenvolvida pela PUCRS, a iniciativa vai ser realizada em crianças com até três anos em Viamão
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), um bilhão de pessoas vivem com deficiências. Embora discussões científicas, políticas e sociais tenham crescido rapidamente em relação à inclusão desse público, poucos esforços têm sido direcionados às políticas públicas nessa área. Para ajudar a mudar esse panorama, está em andamento um projeto pioneiro no Estado, que visa investigar o processo de inclusão socioeducacional de crianças com até três anos com deficiência em Viamão, visando contribuir para o aprimoramento da política de inclusão nesta realidade. A pesquisa integra o Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) da Escola de Humanidades da PUCRS, sob coordenação geral da professora Marlene Rozek e coordenação executiva da professora Gabriela Dal Forno Martins.
A ideia surgiu a partir dos resultados encontrados em dois trabalhos realizados pelo Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Aprendizagem e Processos Inclusivos (Nepapi). As conclusões apontaram para a importância da primeira infância na inclusão social e escolar dos sujeitos com deficiência. Atualmente, não existem diretrizes oficiais no Rio Grande do Sul que levem em consideração, especificamente, essa faixa etária, deixando as famílias e os profissionais sem orientações claras sobre os passos que devem ser tomados para garantir melhores condições de desenvolvimento e aprendizagem para os pequenos. A partir dessa constatação, deu-se início a uma grande inciativa, com duração de três anos, que buscará estabelecer orientações para a inclusão socioeducacional desde o momento nascimento até os três anos de idade.
“Os estudos nos mostraram que a criança chega na escola aos seis ou sete anos com muitas perdas, que deveriam ter sido investigadas e trabalhadas muito antes. Ela chega aquém do seu potencial e em desvantagem em relação aos demais, o que torna o processo de inclusão muito mais difícil. Então, devemos investir em uma etapa anterior à escolarização. Mais do que pensar em ações dentro do próprio ambiente escolar, é importante focalizar a inclusão na sociedade como um todo. Para isso, precisamos de uma atuação interdisciplinar, que inclui a educação, a saúde e a assistência social”, explica Marlene.
Um dos produtos esperados da pesquisa é a elaboração de diretrizes para o atendimento dessas crianças. Nesses casos, a intervenção não se dá diretamente com o bebê, mas nos contextos em que ele regularmente vive, em especial na família e nos espaços educativos formais e não formais. Dessa forma, buscam-se qualificar as experiências de aprendizagem da criança nesses contextos, a partir de um investimento nos adultos que se ocupam dos cuidados e educação da criança.
“Essa não é uma assistência clínica. Tentamos fortalecer os laços da família. É o grupo familiar que vai assumir esse bebê e fazer a interlocução. Nossa proposta é a de criar redes de atendimento, mas com a família no centro”, conta.
O objetivo final da pesquisa é realizar uma experiência piloto de implementação de uma política de intervenção precoce como as que já existem em outros países. No Rio Grande do Sul, esse é um trabalho pioneiro, que abrirá portas para a conscientização da importância desse tipo de iniciativa. “Entre os europeus, essas ações são vistas como investimento. Quem recebe atenção desde o início do seu desenvolvimento, se torna um adulto muito mais autônomo e capaz. Quem nunca teve assistência, vai ter muitos prejuízos e talvez chegue na fase adulta até sem estar alfabetizado. O estado acaba tendo muito mais ônus em não investir na primeira infância do que apostar nessa faixa e propiciar um futuro mais promissor para esses sujeitos”, ressalta.
A escolha por Viamão surgiu após uma criteriosa avaliação. Além de contar com a colaboração das Secretarias Municipais de Educação, da Saúde e da Assistência Social, a equipe teve abertura para acessar os sistemas de dados dessas secretarias, capazes de fornecer diversas informações necessárias para compor a pesquisa.
Quinzenalmente, o grupo vai até o local para reuniões com representantes das três secretarias e de outras entidades locais. No âmbito desse grupo de trabalho, em 2018, está sendo desenvolvida a primeira etapa do projeto, voltada para o levantamento do número de nascimentos de crianças com deficiência em 2015, 2016 e 2017, suas condições de saúde e de vida. Esse diagnóstico permitirá também saber quem cuida diariamente e que tipos de atendimento atualmente existem no município, sejam nas Unidades Básicas de Saúde, nos hospitais, escolas e outras instituições. Em seguida, a equipe iniciará a segunda etapa, que envolverá a implementação de ações junto às famílias e profissionais, bem como a elaboração das diretrizes que subsidiarão a política, sempre com a presença e a participação da rede interdisciplinar formada em parceria com os demais setores da cidade.
“Vamos coletar esses dados e analisar junto com a professora Ana Serrano, da Universidade do Minho, em Portugal. Ela vai nos ajudar a implementar essa política durante o terceiro ano, inclusive vindo para cá para auxiliar no processo. Entre as ações previstas está a promoção de espaços de formação para os profissionais envolvidos, de modo a favorecer o aprimoramento e a disseminação da política. Nosso objetivo é trazer melhores condições de vida para essas crianças, favorecendo o processo de inclusão socioeducacional”, ressalta Marlene.