Vidas com aids
TEXTO: RODRIGO BRASIL/Aluno da Agência J de Reportagem do curso de JornalismoGina, 48 anos, é casada e mãe de dois filhos. Mora em Alvorada, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Há 12 deixou a função de corretora em um banco. Joyce, 55, é transexual, natural de Santa Cruz do Sul. Trabalha na ONG Igualdade, que presta apoio a transexuais e travestis na Capital. Yura é uma porto-alegrense de 24 anos. Atua como voluntária em um projeto social nas áreas carentes da Capital. As vidas de Gina, Joyce e Yura se cruzam na dor, no medo, na incerteza e na sobrevivência. Joyce soube que tinha Aids em 1994. Gina contraiu o vírus HIV em 2005. E Yura recebeu o diagnóstico de soropositiva em 2015.
De acordo com o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, o Rio Grande do Sul apresenta a segunda maior taxa de detecção de Aids no País, com 38,3 casos para cada 100 mil habitantes, quase o dobro da média nacional (19,7 casos por 100 mil). Em 2014, Porto Alegre foi a capital com a maior taxa de detecção: 94,2 casos por 100 mil habitantes, mais do que o dobro do índice gaúcho e quase cinco vezes superior à taxa brasileira.
A epidemia de Aids surgiu nos anos 1980, classificada como ameaça para a saúde pública pela ONU. Hoje, um total de 36,7 milhões de mulheres e homens no planeta são portadores do vírus HIV. Desde a sua descoberta, provocou 36 milhões de mortes. Segundo a UNAIDS, no Brasil há 830 mil pessoas vivendo com a doença. Em 2016, 14 mil morreram.
SEM PRESERVATIVO
Foi apenas mais uma transa para a mulher de 35 anos. Normal, com camisinha, mas que terminou de um modo inesperado. Durante a relação, o homem tirou o preservativo e continuou sem avisá-la. Um ano depois, Gina foi diagnosticada com Aids. Naquele ano de 2005, emagreceu 30 quilos. Doente e frágil, foi levada de cadeira de rodas para o Hospital São Lucas, onde descobriu que tinha o vírus. Mãe de dois filhos, um de 22 anos e uma de cinco, não suportou o impacto da notícia. Entrou numa depressão que afetou ainda mais sua imunidade.
Antes do diagnóstico, Gina trabalhava numa instituição bancária. Ao contrair o vírus, a doença progrediu rapidamente. Quando começou a emagrecer e a sentir fraqueza, foi demitida. Fragilizada, buscou apoio. Encontrou o Grupo de Apoio à Prevenção da Aids (Gapa). “Queria era encontrar gente viva com Aids, algum exemplo de superação.” No Gapa conheceu o seu atual marido. O casamento já dura 12 anos. “É uma ligação de almas. A gente cuida um do outro.”
Gina conseguiu tirar da doença boas doses de energia positiva. Começou a militar em prol dos direitos de acesso à saúde. Hoje, integra a Pastoral da Aids e dá palestras em eventos sobre a doença. “Conheci um novo mundo, eu realmente renasci. Inclusive na forma de pensar.”
SEXO E DROGAS
Aos 17 anos, Joyce percebeu ser homossexual. Foi trabalhar como garota de programa em Santa Cruz do Sul até conhecer uma amiga e se mudar para Passo Fundo, onde se prostituiu. Depois veio uma temporada com a avó em Rio Pardo, onde realizou um curso de cabeleireira.
Chegou a Porto Alegre em 1984, aos 21 anos. Trabalhava de dia num salão de beleza e à noite como garota de programa. Até que em 1994 sua vida mudou. Com infecção urinária, foi ao médico e descobriu estar com Aids. “A vida dá uma volta de 180 graus.”
Joyce buscou acompanhamento psicológico. No Gapa encontrou um suporte emocional, “Imaginei que ia morrer no outro dia… Fica aquele fantasma na cabeça.” Contraiu a doença numa relação com um cliente, o homem não contou que tinha Aids. Ela lembra que estava sob efeito de cocaína. “No momento que você está drogado, o cérebro não funciona. Na época, tudo era festa, uma irresponsabilidade.”
Aos 55 anos, Joyce é ativista da ONG Igualdade, onde presta apoio a transexuais e travestis. Está em um relacionamento há dez anos e admite que sua qualidade de vida é muito boa. Considera-se uma pessoa responsável. “Gostaria de ter a cabeça que tenho hoje em 1994.”
APOIO DA FAMÍLIA
Yura tem 24 anos e convive há dois com a Aids. Em janeiro de 2015, contraiu pneumonia. Cinco meses depois, com o corpo frágil e perda de cabelo, foi internada. Chegou ao hospital em uma cadeira de rodas e soube que estava com o HIV. Todo aquele ano foi marcado por internações e o medo permanente de não voltar mais. “Até me estabilizar, achava que ia morrer sempre que ia para o hospital.” Com o tempo, soube superar o peso na consciência logo depois do diagnóstico. “No primeiro momento vem aquela culpa de não ter se cuidado.”
Com o apoio da família, Yura leva uma vida normal. Recebeu carinho e motivação para focar na sua recuperação. “É muito importante o acolhimento das pessoas.” Ela trabalha em um projeto da Secretaria Municipal da Saúde, o Fique Sabendo Jovem, um ônibus móvel no qual são fornecidas informações sobre Aids e outras DSTs.