Tecnologia

Soluções beneficiam pacientes

Sistemas a serem implantados em hospitais visam reduzir falhas nas prescrições de medicamentos e evitar a reinternação antes de 30 dias

Por Ana Paula Acauan

Os médicos do Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre, fazem em torno de mil prescrições por dia, cada uma com dez medicamentos em média. Todas passam pela avaliação exaustiva de farmacêuticos. Um sistema desenvolvido pelo Grupo de Inteligência Artificial (IA) na Saúde, da Escola Politécnica, estabelece uma ordem de prioridade para análise. A iniciativa, que está em implantação na instituição, coincide com o Desafio Global de Segurança do Paciente, da Organização Mundial da Saúde, que pretende reduzir em 50% os erros de medicações entre 2017 e 2020. “Esse problema gera um gasto de US$ 42 bilhões no mundo por ano”, destaca o doutorando em Ciência da Computação Henrique Dias, que desenvolve tese sobre detecção de eventos adversos nos prontuários eletrônicos, orientado pela professora Renata Vieira. Os profissionais terão sinalizações para identificarem os casos que exigem mais atenção. O vermelho indicará receitas fora do padrão em relação à dose e à frequência; o amarelo apontará as que estão em parte diferentes dos modelos de referência; e o branco mostrará as usuais.

Também será lançada outra solução de grande interesse para auxiliar na avaliação da reinternação precoce, quando o paciente tem alta e retorna em menos de 30 dias. Hoje, a equipe do Escritório de Gestão de Altas do Hospital Conceição verifica manualmente as informações. Utilizando a inteligência artificial, o grupo da PUCRS vai criar um sistema baseado no conteúdo dos prontuários (evolução, exames e prescrições).

Parceria produtiva: André Wajner (E), Ana Helena Ulbrich e Henrique Dias

FOTO: BRUNO TODESCHINI

189Tecnologia(eventos()189Tecnologia(reintern)SISTEMA INTELIGENTE

O coordenador do Escritório, médico André Wajner, está entusiasmado. “Existem milhares de eventos adversos nos hospitais no mundo. Não temos a capacidade de identificar todos os riscos. Só um sistema inteligente pode mostrar quais são os preditores para identificar esses eventos.” Se tudo der certo, há a chance de o projeto ser replicado nos outros três hospitais, 12 postos de saúde e uma unidade de pronto-atendimento do GHC. Wajner projeta a implantação em menos de dois anos.

Mesmo sem esses recursos, o setor, criado em setembro de 2017, conseguiu reduzir o tempo de internação, permitindo, em um ano, que o Conceição recebesse mil pacientes a mais somente na Medicina Interna, um aumento de 25% nas admissões. Com a análise automática, a ideia é provocar uma transformação na assistência.

A partir da definição do perfil com maior risco de voltar ao hospital em menos de um mês, o Escritório poderá prestar orientações. Esse tipo de serviço está sendo feito vinculando-os à sua unidade básica de saúde. “Estamos preocupados com essa transição do cuidado, especialmente com os doentes sob maior risco de reinternação”, afirma Wajner. A farmacêutica Ana Helena Ulbrich, que atua no Escritório, diz que isso permitirá foco no paciente certo, que precisa de atenção redobrada.

CÓDIGO ABERTO

“A decisão é do profissional da saúde. Essas ferramentas funcionam como suporte para agilizar seu trabalho”, adverte o professor da Escola Politécnica Rafael Bordini, que integra o Núcleo de IA, do qual o Grupo de IA na Saúde, fundado em 2018, faz parte. O docente sublinha a prática da Universidade de compartilhar o conhecimento como software de código aberto. Não só o GHC e o Hospital São Lucas, principais parceiros do Grupo, poderão se beneficiar das vantagens desses sistemas. Estão se integrando Ernesto Dornelles, Santa Casa, Mãe de Deus e Moinhos de Vento, na capital gaúcha, e Sírio Libanês, em São Paulo. Há ainda parceria com a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e o Programa de Pós-Graduação em Gerontologia Biomédica da PUCRS.

Henrique Dias sonha em expandir o projeto para todo o País. Ao abrir mão de vantagens financeiras com a iniciativa, busca atingir o maior número de pacientes. “O impacto será grande. Em vez de procurar uma agulha em um palheiro, os sistemas priorizam o trabalho dos profissionais e dão apoio às decisões, contribuindo para a humanização da assistência”, aposta.

Parceria entre irmãos

Ana Helena exerce papel fundamental no projeto. Irmã de Henrique, ela o advertiu sobre o impacto social do tema, o que o fez redirecionar a tese de doutorado. Em casa, sempre tiveram o costume de apresentar e discutir seus trabalhos. O pai os incentivava desde pequenos a usarem o computador. Henrique e o irmão seguiram a área da informática. Ana foi para a saúde, mas está cada vez mais familiarizada com a linguagem dos programadores, chegando a fazer sugestões na hora de criar os softwares. E foi a ponte para que a iniciativa se concretizasse dentro do Conceição.

Premiações

O projeto sobre detecção de eventos adversos em prontuários eletrônicos foi reconhecido. Henrique Dias chegou ao terceiro lugar no Prêmio Empreenda Saúde, promovido pela Fundação Everis com o Hospital Sírio-Libanês. De 200 projetos, seis foram selecionados para a final. Também esteve entre os vencedores da 6ª edição do Lara – Latin America Research Awards, do Google, em 2018. A empresa distribuiu R$ 2 milhões a 26 pesquisas da América Latina que usam a tecnologia para resolver problemas da região.

Do reconhecimento facial à descrição para cegos

Imagine um óculos que dá a descrição do ambiente para cegos ou pessoas com baixa visão. Ainda um desafio tecnológico, essa ideia não está tão longe de se concretizar. O doutorando em Ciência da Computação Jônatas Wehrmann calcula de dez a 15 anos, apesar de reconhecer a dificuldade de abranger todos os casos da vida real. Por enquanto, trabalha em algoritmos baseados em redes neurais artificiais capazes de processar milhares de informações por segundo e têm o potencial, por exemplo, de fazer reconhecimento facial e descrição automática de um vídeo. Esta última ferramenta poderia ser aplicada a pessoas com deficiência visual.

Vencedor de três edições do Lara – Latin America Research Awards, do Google, Jônatas partiu de um banco de dados com 100 mil imagens e 500 mil textos para “treinar” a rede neural, buscando a imagem correta dentre milhares a partir de uma descrição detalhada escrita por um usuário. “Funciona como o aprendizado humano, que se dá a partir de uma resposta supervisionada dos pais sobre os significados das coisas.” Leve, pode ser usado em dispositivos móveis e computadores. Desenvolvido em inglês, adapta-se a qualquer idioma.

A diferença de outros buscadores é que o sistema consegue compreender informações detalhadas. O Google, por exemplo, se baseia no conteúdo do site em que está a imagem ou nas tags para recuperar o conteúdo solicitado.

Em breve, o sistema poderá resolver tarefas mais complexas que podem gerar, nos computadores, a capacidade de responder a questões. A pessoa poderia, de forma remota, perguntar se há alguém na sua casa ou quais itens existem na sua geladeira.

TEIA LABS

O primeiro destaque pelo Google, em 2016, resultou na passagem de Jônatas para o doutorado. Na volta da premiação, defendeu a dissertação de mestrado em três meses e mergulhou na tese. Com o orientador Rodrigo Barros e os colegas Christian Quevedo e Douglas Souza, que conheceu na Escola Politécnica, abriu a Teia Labs, startup do Tecnopuc. Venceram um programa de aceleração da Samsung, realizado com a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores, que contemplou 15 startups brasileiras. Fizeram um sistema para reconhecimento facial, visando evitar fraudes no ensino a distância. “Além de permitir a realização de provas online, é possível fazer um mapa da turma, dando feedback ao professor sobre as questões que os alunos consideraram mais difíceis, a partir da identificação de suas emoções”, comenta Jônatas.

A Teia Labs também fornece ferramentas à Shell para o processo de extração de petróleo. Outro sistema de interesse das empresas analisa em tempo real as opiniões dos consumidores sobre produtos exibidas em redes sociais e sites de comércio eletrônico.

“A IA está em grande crescimento, com muita pesquisa e pouca aplicação no mundo real. Podemos utilizar esses sistemas para realizar tarefas impossíveis ao ser humano ou automatizar trabalhos burocráticos e tediantes”, afirma.

 

Imagens encontradas a partir de descrições completas*

 

* FOTOS: MS COCO/PUBLICADAS EM ARTIGO PELA EDITORA ELSEVIER