Sino fundido em 1717 pesa cerca de 300 quilos

Memória Fotos: Édison Hüttner

Sinos missioneiros resgatados

Objetos do século 18 foram identificados em São Martinho da Serra, no interior do RS

Dois sinos missioneiros do século 18, encontrados na torre da Igreja de São Martinho da Serra, na região Central do RS, tiveram sua identidade confirmada pelo professor da Escola de Humanidades Édison Hüttner, coordenador do projeto de Arte Sacra-Jesuítico-Guarani. O pesquisador percorre o Estado em busca de fragmentos das antigas Missões – fortificações construídas antes da fundação oficial do RS, em 1737, e hoje em ruínas. A mais famosa é a de São Miguel. Os sinos, fundidos em 1717 e 1743, não estavam em uso.

Hüttner chegou até o local depois de realizar pesquisas que indicavam a presença dos artefatos no templo. A descoberta reforça a tese de que a zona de Santa Maria foi um dos principais destinos desses símbolos jesuítas. Segundo ele, diversas características identificam os objetos missioneiros, entre as quais a presença de gravações, como uma cruz formada por losangos, e o estilo de letras fundidas em caixa alta e baixa, além de badalo e listras em alto-relevo. Os dois são feitos de bronze, conforme análise do Laboratório Central de Microscopia e Microanálise da PUCRS.

RECHEIO DE OURO?

O sino de 1717 tem 98 cm de altura, 97 cm de largura e pesa cerca de 300 quilos com o ano gravado em números romanos e a frase em latim Ora pro nobis S. Francisco Xavier, que significa Rogai por nós, São Francisco Xavier. Ainda mantém o badalo, permitindo que possa ser soado. Já o outro, de 1743, tem 53 cm de altura e 48 cm largura, com estimativa de 25 quilos. Na parte de cima, há a inscrição do ano, e na parte de baixo, Ora pro nobis. Neste há um corte na base, no local em que haveria o nome de um santo, não sendo possível identificar.

Hüttner observa que o corte foi feito porque, no passado, acreditava-se que os sinos escondiam ouro. Mas a parte retirada revelou não haver o “recheio” do metal nobre. O badalo está pendurado ao lado do sino menor. A fabricação dos sinos missioneiros foi feita em forjas, que utilizavam mão de obra de índios.

A origem dos instrumentos

Os objetos missioneiros teriam origem em saques feitos por militares portugueses nas antigas reduções jesuíticas espanholas, no período de 1812 a 1818. Édison Hüttner conta que, na época, acreditava-se que os sinos eram feitos de ouro e, por isso, muito visados. “Aos poucos, eles foram transportados para as capelas que os portugueses estavam construindo em cidades como Caçapava do Sul, Santa Maria e São Martinho”, revela.

Segundo o pesquisador, Padre Fidêncio José Ortiz trabalhou na capela de São Martinho em 1848 e, provavelmente, tenha levado os dois sinos para a cidade, trazidos do posto militar em São Borja. “Neste município da Fronteira Oeste, estavam muitos sinos saqueados da margem direita do Rio Uruguai onde haviam reduções, hoje território da Argentina e do Paraguai”, lembra. A pesquisa também contou com a colaboração do pesquisador Éder Abreu Hüttner.

Muitos párocos gaúchos protegeram os sinos missioneiros e os esconderam, pois o objetivo é que fossem fundidos para se transformarem em canhões usados na Guerra do Paraguai. “Eram valiosos pelo bronze e não pela sua história”, observa Hüttner, lembrando que, em 1945, um sino das ruínas de São Miguel conseguiu ser resgatado de um trem rumo a São Paulo, onde iria ser fundido. Em 2017, Édison Hüttner já havia identificado também a origem de dois sinos missioneiros encontrados em Caçapava do Sul.

Missões, valor histórico e cultural

As missões foram povoados indígenas criados eadministrados por padres jesuítas no Brasil Colônia, entre os séculos 16 e 18. Os religiosos catequizavam os índios guaranis visando criar uma sociedade com os benefícios e as qualidades cristãs europeias. Na América, os aldeamentos indígenas organizados e administrados pelos jesuítas, de cunho civilizador e evangelizador, também eram chamados de reduções. Os religiosos desenvolveram técnicas de contato e atração dos índios. Os nativos foram ensinados a criar arte, às vezes com elevado grau de sofisticação, mas sempre em moldes europeus.

As ruínas de São Miguel das Missões, na região Noroeste do RS, constituem o conjunto de remanescentes da antiga redução jesuítica de São Miguel Arcanjo, integrante dos chamados Sete Povos das Missões. Pelo seu valor histórico, arquitetônico e cultural, o sítio arqueológico foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1938, e declarado Patrimônio Mundial pela Unesco, em 1983.