Referência nas decisões judiciais
O coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito, Ingo Sarlet, se aposentou do cargo de desembargador em março, depois de 27 anos na magistratura, desde 2015 no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Está há mais de duas décadas na PUCRS. Sua carreira é marcada pela atuação como pesquisador, tornando-se referência em direitos fundamentais e direito constitucional. Ele é o único brasileiro entre os cinco autores de obras acadêmicas e filosóficas mais citados nas fundamentações das decisões jurídicas do País. O reconhecimento foi revelado pela Associação Brasileira de Magistrados.
Bolsista de Produtividade em Pesquisa nível 2 do CNPq (o máximo é 1A), Sarlet soma centenas de menções nos tribunais superiores, em especial Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, e mais de 16 mil entradas no Google Acadêmico. Nas teses e dissertações de todas as áreas do Direito, está em primeiro lugar em citações, segundo o Conselho Nacional de Pesquisa em Direito.
“Esses reconhecimentos geram muita satisfação. De algum modo o que produzimos na academia tem impacto para pesquisadores, professores e discentes e a atividade profissional”, afirma. Com vários livros individuais e em coautoria, publicou em torno de 200 artigos e capítulos em periódicos nacionais e estrangeiros.
As obras campeãs são A eficácia dos direitos fundamentais (na 13ª edição) e Dignidade (da pessoa) humana e os direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988 (na 10ª). Com mais tempo livre, vêm aí novos estudos. Até o final do ano, deve lançar um livro sobre história constitucional da Alemanha. Pretende fazer um novo pós-doutorado (o primeiro realizou em 2005) e atuar com uma advocacia consultiva. “O diálogo com a práxis é fundamental no Direito”, sublinha.
VIVÊNCIA INTERNACIONAL
A Alemanha foi fundamental na sua trajetória. Atribui a escolha da linha de pesquisa às aulas na Universidade de Munique no doutorado, quando escreveu a tese sobre direitos fundamentais sociais no país europeu e no Brasil, publicada em alemão, em 1997. “Não existe área do direito e da vida que não seja de algum modo relacionado à conquista e mesmo, infelizmente, à violação dos direitos.” Nesse período, estudou com renomados professores. Curtiu muito a cena cultural de Munique, com ópera, teatros, bibliotecas, museus e “um entorno fantástico com os alpes e diversas cidades lindas, muitos lagos e a Itália, Suíça e Áustria a pouco tempo de distância”.
Esse ambiente teve impacto na sua vida pessoal e acadêmica. “Hoje mantenho – e por consequência o nosso pós-graduação – ativa interação com mais de uma dezena de IES alemãs e mais de três dezenas de docentes e pesquisadores.” Professor visitante da Universidade de Harvard (EUA, em 2008) e pesquisador visitante do Instituto Max Planck (Alemanha, 2017 e 2018), passou por outras importantes instituições estrangeiras. “Tenho a feliz oportunidade de palestrar, apresentar trabalhos e ministrar aulas e mesmo coorientar na Alemanha, Argentina, África do Sul, Bélgica, Chile, Espanha, EUA, Itália, Inglaterra, México, Peru e Portugal. Isso é extremamente enriquecedor, retroalimentando a própria produção intelectual”, resume.
Viajar está entre seus prazeres. Faz atividade física, pensando na saúde, frequenta teatros, concertos, cinema e, claro, lê muito. Desde o colégio, interessava- se por literatura policial, história e política. Chegou a dar aula de História no Ensino Médio. Acabou cursando Direito por influência de alguns profissionais. Tampouco suas filhas, Dariana e Halina, e a enteada Maria Julia seguiram-no. Duas cursam Arquitetura e Engenharia Civil na PUCRS e a outra faz Jogos Digitais. A esposa, Gabrielle, tem doutorado e pós-doutorado em Direito na Alemanha.
O HORROR DA GUERRA
Sarlet conviveu com línguas estrangeiras e muitos livros a vida toda, tendo sido alfabetizado em alemão e português e depois estudado francês e inglês. O pai, Ernest Sarlet, nasceu na Bélgica e veio com os pais e irmãs para o Brasil em 1947. Era poliglota e lecionou latim, inglês, francês, história, filosofia e pedagogia. Foi diretor da Instituição Evangélica de Novo Hamburgo, secretário municipal de Educação e Cultura em Novo Hamburgo e assessor especial da Azaleia para relações humanas, além de manter por mais de duas décadas um programa diário na rádio União FM. A mãe, Erica foi professora de alemão e bibliotecária e escreveu três livros. Nasceu no Brasil, mas tinha a dupla cidadania. Morou na Alemanha com a família entre 1938 e 1947.
“Meus pais experimentaram, crianças e adolescentes, as agruras da guerra, incluindo bombardeios, morte de familiares, fome e, no caso de minha mãe, mais de ano em campo de refugiados”, conta. O avô paterno perdeu os pais e seis dos sete irmãos pereceram durante o conflito.