PUCRS prepara atlas hídrico do RS
POR VANESSA MELLOEla está presente no nosso dia a dia. Na higiene pessoal, na gastronomia, no jardim, no cuidado com os animais de estimação, nas férias e em inúmeras atividades econômicas de um país, da agropecuária à indústria. A água é um dos bens mais preciosos que a natureza oferece à humanidade e, no entanto, a necessidade de preservá-la passa despercebida muitas vezes. Com foco na mitigação da seca e na qualidade da água, o Grupo Interdisciplinar de Geofísica Aplicada da PUCRS desenvolve o projeto de pesquisa Mapeamento em subsuperfície do Aquífero Guarani. O estudo é realizado na depressão central do RS, abrangendo a zona de recarga, onde a água da chuva penetra no solo e alimenta o reservatório. Dentre as áreas visitadas, estão Santa Cruz, Quarta Colônia (Agudo, Faxinal do Soturno, Nova Palma e Dona Francisca), Alegrete e Candelária. “Se poluirmos essa região, depois de a água entrar no reservatório, será muito complicado despoluí-la”, ressalta o coordenador do grupo do curso de Física, Cássio Moura.
Iniciada em 2015, a pesquisa é uma das cinco selecionadas pelo edital Capes Pró-Alertas de 2017 e recebeu verba de R$ 1 milhão. A equipe é formada por estudantes de graduação, pós-graduação e professores de diferentes cursos, pelo Instituto do Petróleo e dos Recursos Naturais da PUCRS, além de ter consolidado uma parceria com a Unipampa, e contar com a participação da pesquisadora da Universidad de Los Andes (Venezuela), Sara Mata Sosa. Utilizando as técnicas de eletro-resistividade e sísmica, o grupo começou com análises geofísicas e químicas e, em 2018, com o edital Praias – Programa de Integração entre as Áreas da Universidade, agregou a vertente da Biologia, com a professora Renata Medina.
Com relação à seca, a proposta é indicar os poços adequados para cada uso: consumo humano, animal, agrícola e industrial. Aqueles com melhor qualidade devem ser destinados apenas para a população. A água que serve à agricultura não deve ir para as pessoas, a menos que passe por um tratamento de alto custo. No beneficiamento de carne, há grande aplicação na lavagem da gordura, o que não requer muita qualidade. Já o industrial, para lavagem ou resfriamento, normalmente não exige boas propriedades, então Estudantes de graduação, pós-graduação, professores e pesquisadores vão a campo a presença em excesso de algum mineral não é prejudicial.
“Um poço é perfurado e a água vai para várias famílias da comunidade. Elas podem estar usando uma água de altíssima qualidade para o gado e não para o consumo humano. Isso influencia na solução da seca, já que os poços têm nível hidrostático, que indica quantos metros abaixo da superfície está a água. A medida que é usada, esse nível tende a baixar. A ideia é fazer um planejamento de onde sai a água, para qual finalidade e quanto está disponível, otimizando o uso da água de subsuperfície.”
SERVIÇO PARA A SOCIEDADE
Um dos objetivos do projeto é prover as autoridades com informações de onde instalar potenciais poluidores. Parte da pesquisa avalia a vulnerabilidade dos poços para poluição, tendo a profundidade como um dos parâmetros. A equipe cria mapas com essas informações, entre outras, para compor o atlas hídrico do RS, que será entregue pelo grupo ao final do estudo.
“Esperamos que o governo analise esses mapas antes de autorizar novos locais para instalação de indústrias e leve em consideração se uma região é muito vulnerável à poluição”, aconselha Moura.
Resultados preliminares |
A pesquisa será finalizada em 2019, mas resultados preliminares podem ser compartilhados, como elementos encontrados, salinidade e potabilidade. Veja o que foi descoberto em algumas localidades:
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FONTES DE ÁGUA
O grupo realiza duas visitas a cada localidade em períodos diferentes, para comparar a sazonalidade com a qualidade da água, sendo uma época neutra e outra de aplicação de agroquímicos em plantações. A equipe analisa poços de variadas fontes, indicados pela Corsan, pela Emater (usados para atender famílias das comunidades próximas), pelas prefeituras locais e pelo governo do RS. “Muitos nunca receberam análise química ou biológica e essas pessoas passaram a vida bebendo água sem saber a sua qualidade. É um estudo caro e vamos entregá-lo sem custo para a sociedade, com aporte do governo federal”, comenta Moura.
Antes de iniciar as atividades de campo para coleta de amostras, a equipe analisou a cultura dessas regiões, como batata, arroz, feijão, soja e morango, e os principais agrotóxicos usados, que são 2,4-D, glifosato e imazetapir. Para o estudo bibliográfico, contaram com ajuda da Emater e da Associação Brasileira de Agroecologia. “Quando encontramos algum agente nocivo para a saúde humana, repetimos a análise utilizando outros instrumentos, parâmetros e técnicas para termos certeza de que realmente a água está contaminada”, esclarece.
As análises geofísicas verificam a estrutura morfológica e estrutural do aquífero próximo da superfície nessa região de recarga. São avaliadas questões como regiões interligadas, profundidade dos poços e tendência na trajetória da água subterrânea, entre outras. “Se contaminamos um poço, por baixo da terra a água migra lentamente e pode atingir outros locais, contaminando-os também.” Já a parte da biologia entra com estudo bacteriológico, na cultura de água para detecção e identificação de bactérias. “Poderemos indicar aos produtores de queijo, por exemplo, se há suspeita de contaminantes na água usada para a produção”, diz Moura.
Na química, é feito estudo de “quase toda a tabela periódica” para identificar que elementos estão presentes, levando em consideração as normas de valores adequados para cada item. “Encontramos flúor em excesso em alguns locais e abaixo do necessário em outros. Com isso, mostramos o que precisa ser feito, mas são entidades como a Corsan que cuidam desse equilíbrio. Por exemplo, se há pouco de um elemento, é preciso adicionar; se há muito, é interessante diluir”, explica.
Contribuição para o País
Ao final do projeto, o grupo apresentará um atlas hídrico completo da zona de recarga do Aquífero Guarani, com informações químicas, físicas e biológicas. Será de domínio público para consultas on-line. “É a aplicação direta da pesquisa na nossa sociedade com retorno para o País, a saúde e a economia”, planeja o coordenador Cássio Moura.
Segundo ele, a qualidade da água dos rios piorou muito desde a década de 1970 e hoje o rio dos Sinos é um dos mais poluídos, ganhando do Tietê, em São Paulo. “O atlas é algo pioneiro, um marco para uso da água em superfície, referência na região central sobre qualidade e localização dos poços. Espero que estudos assim se repitam em alguns anos e que a qualidade da água subterrânea não tenha piorado”, finaliza.