O mistério dos fenômenos inexplicáveis
POR ANA PAULA ACAUANO psicólogo Wellington Zangari ministra uma disciplina eletiva de graduação na Universidade de São Paulo (USP) que registrou 800 manifestações de interesse neste semestre. Introdução à Psicologia da Religião tem 90 alunos dos mais diversos cursos; além de Psicologia, atraiu acadêmicos da Física, Engenharia Naval, Biologia e Medicina. O professor acredita que metade quer compreender as próprias experiências anômalas e religiosas, enquanto a outra parte também se interessa por isso e pensa em estudar o tema. Ainda pouco exploradas por pesquisadores do Brasil, essas vivências de telepatia, saída do corpo, sonhos premonitórios, contatos com alienígenas e mediunidade são relatadas por grande parte da população. Pesquisas apontam que representam de 80% a 100% das amostras investigadas. Menos de 20% apresentam transtornos mentais.
Professor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da USP, Zangari acredita que o assunto não pode ser simplificado. “Se a experiência não é esperada em uma determinada proposição teórica, acabará rotulada como patológica. Ou, se cai nas tramas do outro extremo, rapidamente se tornará um sinal de desenvolvimento, quando, em alguns casos, se tratará de um transtorno mental.” O Laboratório de Psicologia Anomalística e Processos Psicossociais do Instituto de Psicologia, fundado e coordenado por ele com Fátima Machado, tem inspirado a reunião de outros pesquisadores pelo País.
Mestre em Ciências da Religião, doutor em Psicologia Social e com estágio pós-doutoral na USP e na Universidade de Virgínia, Zangari dará conferência no 11º Seminário Internacional Psicologia & Senso Religioso, de 21 a 23 de novembro, na PUCRS. Em entrevista à Revista PUCRS, o professor fala sobre a formação de profissionais e os desafios da área.
Os psicólogos estão preparados para lidar com experiências anômalas de seus pacientes?
Certamente não, o que é um risco para a saúde social ou mental das pessoas que passam pelas experiências. Na graduação, conheço apenas duas ou três instituições que, de modo consistente, têm preparado seus alunos nessa área. Outras duas ou três oferecem alguma disciplina de pós-graduação. A própria PUCRS promove, como uma de suas atividades de extensão, a preparação de profissionais de saúde mental. É uma das poucas oportunidades. Sem essa formação, o que farão os psicólogos diante dessas experiências? Tenderão a reduzi-las ao que suas correntes de adesão, por exemplo, a psicanálise, a psicologia comportamental ou a fenomenologia vão oferecer como ferramentas teóricas e práticas. O risco é que algumas dessas abordagens tragam uma visão muito limitada, classificando-as como distúrbios mentais. Não necessariamente uma experiência religiosa tem alguma relação com transtorno. Outras vão endeusar esses fenômenos, compreendendo-os como uma evolução. Nem sempre representarão uma forma de desenvolvimento da personalidade.
Como identificar se a experiência é patológica ou não?
Precisamos saber se a experiência anômala foi provocada por um contexto religioso ou emergiu de modo individual para a compreendermos de forma mais abrangente. A mediunidade, por exemplo, é esperada na umbanda ou religião kardecista. O contexto social oferece não apenas a prática da experiência, com a participação em reuniões do desenvolvimento da mediunidade, mas também um conjunto de explicações que lhe dá sentido doutrinário ou religioso. Alguém de fora não confere uma significação à experiência dentro de sua experiência individual. Para fazer o diagnóstico, utilizamos questionários que oferecem indicadores de saúde mental e realizamos entrevistas. Além do sofrimento, que pode levar a quadros de ansiedade e depressão, avaliamos se o paciente tem um distúrbio mental. Investigamos se o transtorno ocorreu independentemente das experiências anômalas ou religiosas ou as sucedeu.
“Nenhuma visão extrema é adequada. Como qualquer outra experiência humana, é necessário fazer um diagnóstico sobre o que ela significa para uma determinada pessoa, no seu contexto e em um momento específico da vida.”
Caso identifique que não é uma situação patológica, de que forma o profissional pode contribuir para que o evento ajude no desenvolvimento da pessoa?
A psicologia tem dado importância ao quanto as pessoas conferem sentido à própria vida; como cada uma das ações, vivências, atitudes e valores têm relação com a organização do mundo subjetivo. Quando se sentem confusas e buscam ajuda, o profissional pode oferecer a informação de que a experiência não se relaciona com maluquice. Quando ela aparece, se torna um gatilho para o início de uma autocompreensão.
Essas experiências podem expressar algum tipo de fragilidade/autoengano? Ou demonstrariam uma ampliação da consciência?
Alguém que sente seu corpo paralisado durante a noite, com incapacidade de ação muscular, muitas vezes relata fenômenos alucinógenos. Pode ser aterrorizador. Nesse período em que está numa alteração de consciência, acordando ou tentando dormir, interpreta que um ser o levou para outro lugar. Em alguns casos, o tratamento do distúrbio do sono pode tornar o sujeito livre dessas experiências. A teoria dos grandes números nos permite dizer que, se somos 7 bilhões e temos cinco sonhos por noite, lembraremos de um. É impossível que não haja coincidência com fatos reais, estatisticamente. Alguns se alegam paranormais para auferir recursos às custas da fragilidade alheia. Temos que lançar mão de experimentos muito fincados no rigor metodológico para avaliar se de fato existem esses fenômenos. Quando o sujeito oferece uma série de dados sobre fatos futuros, a coincidência é a pior explicação. Às vezes narrou para muitas pessoas antes do fato acontecer. Isso nos obrigaria a admitir pelo menos a necessidade de se estudar mais a fundo. Pode ser o estopim para o desenvolvimento da compreensão sobre o ser humano, a natureza e a interação entre as pessoas e com o meio ambiente.
“Nem tudo é fraude, coincidência, loucura ou desenvolvimento da consciência. Do ponto de vista científico, precisamos oferecer as explicações mais simples para os fenômenos. Até que sejam suficientes.”
O senhor conduz pesquisa com pessoas do Vale do Ribeira (entre São Paulo e Paraná). Como essas experiências contribuem com o imaginário social e coletivo?
Coletamos experiências de indígenas e caiçaras. Não diferem das vividas em São Paulo. O que muda é a significação. As experiências brotam da teia do tecido cultural. Acontecem com pessoas que exercem um status social superior nas suas comunidades e compreendem as vivências à luz de suas tradições. Nas metrópoles, há uma multiplicidade de ofertas de discursos totalizadores, grande quantidade de religiões, e o sujeito, muitas vezes, como Zygmunt Bauman poderia dizer, se vê meio perdido na complexidade cultural. Se não está aderido a um desses discursos, pode se sentir num caos. O problema está mais ligado à perda de raízes, ao desligamento do sujeito a uma tradição ou sistema simbólico que o integre. Não estou dizendo que é melhor ser religioso. As pesquisas indicam que devemos ter algum tipo de rede de significação, que vou chamar de espiritualidade. O sujeito pode ser ateu e ter espiritualidade, dar sentido para a vida. Há outras formas de expressão, como trabalho ecológico, social ou político e a família.
Existem correntes distintas de cientistas?
Há grupos interessados em uma visão fenomenológica e outros focados em pesquisas ontológicas. A primeira perspectiva se preocupa com o impacto das experiências no sujeito. A segunda está centrada na avaliação da realidade última do que é alegado. Querem saber se há alienígenas que abduzem as pessoas, se alguma coisa sai do corpo. Dentre esses, existe divisão. Alguns consideram que os processos talvez sejam reais, mas não exatamente como alegados, e outros estão convencidos da existência. O primeiro é mais neutro e fiel ao método científico, e o segundo adere à interpretação da pessoa. Um terceiro grupo oferece tratamentos alternativos e pouco ortodoxos. Não fazem ciência, mas proselitismo religioso. Os parapsicólogos, sobretudo fora do Brasil, com perspectiva mais neutra, utilizam método científico. Muitos acreditam nos fenômenos porque consideram que os resultados de suas pesquisas oferecem indícios. Eu ainda espero conclusões melhores. Os céticos de carteirinha negam, de modo apriorístico.