Perfil

Inquietude Inspiradora

Um dos criadores do Tecnopuc, Jorge Audy agora também busca soluções para melhorar Porto Alegre

por Ana Paula Acauan

Podem ser 7h, e o superintendente de Inovação e Desenvolvimento, Jorge Audy, estar em reunião na PUCRS ou passar das 22h e ainda não ter ido para casa. Nas férias é capaz de ficar horas no laptop. Em uma das últimas viagens, se dedicou à escrita de um livro num quiosque em frente ao mar de Bora Bora, na Polinésia Francesa, enquanto a mulher Rejane aproveitava a praia. Filho de comerciantes, ele estranha quando comentam seu lado workaholic. As lojas da família exigiam grande envolvimento. Até pensa que trabalha “de menos”. A questão é a paixão pelo que faz. “Acho engraçado quando as pessoas dizem que precisam ‘desligar’. A gente não se afasta do que gosta.”

Um dos mentores do Parque Científico e Tecnológico (Tecnopuc), inaugurado em 2003, segue um lema que vale como uma missão pessoal: tornar o conhecimento acessível à sociedade, dando significado às palavras inovação e desenvolvimento. Desde 2017, atua para reunir PUCRS, UFRGS e Unisinos na Aliança para Inovação em Porto Alegre. “Não tem jeito de melhorar a qualidade de vida das pessoas se não for pela inovação. É a única forma de gerar riqueza e transformar uma região.”

No Tecnopuc, que lhe trouxe reconhecimento em todo o País

FOTO: CAMILA CUNHA

Cita como desafios para o País diminuir a violência, qualificar a educação e gerar mais cooperação. “Só uma hiperelite chega à universidade no Brasil, menos de 15%. Isso é um drama para se alcançar o desenvolvimento.” Crescer junto e unir forças é o mote da Aliança. No final deste mês de março, começou a tomar forma o Pacto Alegre, iniciativa que reúne 75 entidades.

Cidadão emérito da Capital, um dos Líderes & Vencedores (prêmio promovido pela Federasul e Assembleia Legislativa) e agraciado com a Medalha Nacional do Mérito Científico na classe de Comendador (Presidência da República), para citar apenas os destaques mais recentes, a cada governo que entra, nos níveis federal, estadual e municipal, Audy é convidado a assumir um cargo público. “Isso tem a ver com o que representa o Tecnopuc. Transformar um quartel do Exército em algo do século 21, com tecnologias de primeiro mundo, gera um imaginário de que se pode transformar a cidade, o Estado ou o País.” Sempre recusa, entendendo que pode contribuir mais na Universidade. Tampouco acata o adjetivo visionário. Diz que o Parque é uma obra conjunta, com a liderança do Ir. Norberto Rauch e dos professores Urbano Zilles e Paulo Franco.

QUADRINHOS, LIVROS E LUNETAS

Duas mensagens no escritório de casa, na Zona Sul, não poderiam ser mais precisas do perfil de Audy: “Long life learning”, em mandarim, lembrança do período do pós-doc na China, em 2016, e “Creativity is intelligence having fun”, de Albert Einstein, que foi ideia da secretária Cristiane Dombrowski e concretizada pela arquiteta Eliane Salvi.

A leitura atual é Servant leadership, de Robert F. Greenleaf

FOTO: BRUNO TODESCHINI

Seu espaço é um mundo à parte. Quadros, relógios, peças e miniaturas de personagens estão por todo lado. A lista é longa: Jornada e Guerra nas Estrelas, Flintstones, Branca de Neve e os Sete Anões, Ultraman, Toy Story, Harry Potter e O Senhor dos Anéis (e muito mais, fora o que está encaixotado e vai para a decoração de tempos em tempos). Da infância, guarda trenzinhos e carrinhos. Canecas do Internacional e da Starbucks preenchem outro canto. Até uma máquina de bolinhas (aquelas de um real) pode ser vista ao lado do móvel com discos de vinil, a começar por Mercedes Sosa. A biblioteca que iniciou quando estudante do Colégio Marista Rosário reúne relíquias. Tem as primeiras edições do Fantasma e as coleções completas de TimTim, Asterix e Mortadelo e Salaminho.

Da poltrona vermelha – escolhida pelo torcedor colorado –, confere um pouco da vista do condomínio e se dedica às leituras técnicas e de ficção. O livro do momento é Servant leadership – a journey into the nature of legitimate power & greatness, de Robert F. Greenleaf. O ambiente se completa com duas lunetas.

Também se pode notar gatos por tudo. No subir da escada, há uma estante cheia dos bichinhos. Na comemoração dos 20 anos de casamento, Rejane ganhou o persa Cookie. Lilás, da mesma raça, veio há pouco tempo. O casal completou três décadas de união. “Rejane é única e maravilhosa. Tive a sorte e a felicidade de conhecê-la durante a minha graduação na PUCRS.” Com o envolvimento profissional deles, acabaram decidindo não ter filhos.

Por pouco não seguiu o negócio da família, sobretudo por ser o primogênito. Quando criança sabia quantos novelos de lã eram necessários para fazer um blusão ou casaco. Nenhum dos quatro irmãos manteve a empresa, na Avenida Azenha. Aliás, dois deles seguiram o mais velho, ao optarem por Análise de Sistemas.

Com a esposa Rejane diante de uma cratera de um vulcão extinto na Ilha de Páscoa

FOTO: ARQUIVO PESSOAL

A influência de uma professora de Química do Colégio Marista Rosário o fez escolher uma área ainda pouco explorada naquela época. Durante o Ensino Médio, cursou o profissionalizante de Processamento de Dados na PUCRS.

A família curtia as férias na Argentina visitando os parentes em Buenos Aires, Paso de Los Libres e San Martin de Los Andes, em Neuquén, na Patagônia, onde até hoje ele e a mulher gostam de esquiar. “Lá tem uma estação maravilhosa chamada Chapelco e é uma das regiões mais lindas do mundo em plena Cordilheira de Los Andes.” Os pais Jorge Horácio e Isabel deixaram o país ao se casarem.

Dele aprendeu “o valor do estudo de qualidade e do trabalho duro e honesto na formação das pessoas”. Com a mãe, que perdeu no final de 2018, soube “o significado do amor pleno e incondicional”. O pai morreu em 2010.

Valores maristas

Audy convive com os Maristas desde o jardim de infância. “Devo aos meus pais a visão de futuro que eles tiveram ao colocar eu e meus três irmãos no Rosário, colégio que propiciou amigos de toda a vida, valores católicos e maristas que viriam a balizar toda a minha vida pessoal e profissional. Aprendi com os Irmãos desde cedo a importância da educação e de uma formação por valores que transformam a vida das pessoas, como a espiritualidade, a presença, a simplicidade e o amor pelo trabalho e pela vida. E o respeito ao passado e a audácia para construir o futuro.”

Estudou na Universidade com bolsa de estudo que o avô comprou quando nasceu, em 1962, mesmo tendo passado na UFRGS. Os cheques remontam à época do reitor Ir. José Otão. Os valores foram usados para construir o Campus.

No dia da formatura, recebeu o convite para dar aula na Universidade, em 1984. “Nunca saí da PUCRS. É meu único emprego.” Mestre e doutor em Administração pela UFRGS, fez parte da tese na Universidade de Kentucky (EUA), onde atuou no parque tecnológico. Em 2000, voltou para Porto Alegre e foi convidado para dirigir a recém-criada Agência de Gestão Tecnológica, cuidando da relação com as empresas. “Eu me atirei de cabeça. Sempre achei tudo muito desconectado da realidade, sem transformar a vida de ninguém.” A partir de então foram criados a área de propriedade intelectual e o Tecnopuc.

No Colégio Marista Rosário, é o primeiro à esquerda na fila de baixo

FOTO: ARQUIVO PESSOAL

Pró-Reitor de Pesquisa, Inovação e Desenvolvimento durante toda a gestão do Ir. Joaquim Clotet (2004-2016), Audy se dedicou à excelência dos cursos de pós-graduação, chegando à conquista do primeiro programa com nota 7 na Universidade – Medicina e Ciências da Saúde.

Em 2016, foi bolsista de pós-doutorado na Associação Internacional de Parques Científicos e Áreas de Inovação, na China e na Espanha. Os quase quatro meses que ficou no Oriente foram marcantes. “É culturalmente muito distante. Tive dificuldade de me relacionar fora do trabalho. Mas foi uma experiência fantástica. Estava na Universidade de Tsinghua, no maior parque tecnológico deles, com mais de 35 mil pessoas e 6 mil startups.” Como principais características dos chineses cita a organização, a ambição, a produtividade e o respeito à hierarquia. “É fácil identificar uma autoridade na sala. Só ela fala.”

Viaja semanalmente a Brasília, onde aproveita para comer churrasco (pois em casa é vetada a carne vermelha), pois preside a Comissão Nacional de Acompanhamento do PNPG (Plano Nacional de Pós-Graduação 2011-2020) na Capes/MEC e integra o Conselho Superior do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científicos e Tecnológico, o CT-Fomento do Conselho Superior da Finep e o Conselho Deliberativo Nacional do Sebrae Nacional.

Mesmo com todos esses compromissos, não deixa de ir ao Beira-Rio torcer pelo Inter. Já viajou muito de ônibus com a torcida. Agora se contenta em assistir aos jogos em Porto Alegre com o professor Draiton Gonzaga de Souza e o padre Leandro Chiarello.

Ainda encontra tempo de escrever o livro A educação superior e a inovação: desafios e oportunidades na sociedade do conhecimento, em coautoria com Elizabeth Ritter, que sairá pela Editora Elsevier. Nem que seja nas férias. Já publicou três obras científicas, pela Elsevier e Bookman.

Equipe da formação do Parque

FOTO: ARQUIVO PUCRS

De PUCTEC a Tecnopuc

O Parque surgiu como PUCTEC. Com a compra do terreno do 18º Batalhão de Infantaria Motorizada, o então reitor Ir. Norberto Rauch pediu a gestores alguns projetos para a área. Audy, com o aval dos pró-reitores de Pesquisa e Pós-Graduação, monsenhor Urbano Zilles, e de Extensão, Paulo Franco, sugeriu que um prédio fosse destinado a empresas, promovendo a sinergia com a Universidade. Em 2001, vinha da 2ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, em Brasília, quando foi lançado o projeto de Parques Tecnológicos do Brasil. Rauch adorou a ideia e decidiu que todo o espaço seria destinado ao Parque. Audy deixou a sua sala com a aprovação. “Saí apavorado e feliz.” No elevador, se surpreendeu com o nome Tecnopuc. Voltou ao quinto andar da Reitoria.

– Ir. Norberto, houve algum engano. É PUCTEC.

Que nada. Em conversa com os Irmãos, chegaram à conclusão de que o nome era mais sonoro. Em julho de 2002, se instalou a primeira gigante, Dell. “O Parque resulta muito da visão do Ir. Norberto. Achava que a PUCRS tinha que ser relevante, fazer a diferença para empresas e sociedade.”