Direitos humanos declarados
TEXTO: LEONARDO RADAELLI / Agência J de Reportagem do curso de Jornalismo FOTO: GIULIA CASSOLEm outubro de 2017, Paul McCartney veio ao Brasil para uma série de shows. Em meio ao repertório de sucesso, referindo-se a um momento ideológico instável do País, o ex-beatle citou a canção Blackbird, sucesso da banda de Liverpool, inspirada na busca por direitos iguais na sociedade. Dedicou a música para quem continua nessa luta. A obra, composta por ele em 1968, coloca em questão um fator corriqueiro do mundo em meio a tanta disputa ideológica: os direitos humanos. Lançada em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi elaborada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para tentar unificar um mundo dividido, tendo em vista humanizar uma sociedade destruída pelo pós-guerra.
Dividida em 30 artigos, tem como intuito criar um cenário condicional de livre-arbítrio para os cidadãos. Em dezembro de 2018, a declaração completa 70 anos, mas a busca por um ambiente igualitário continua em discussão. As teses relacionadas aos direitos humanos são constantemente questionadas. Para Jair Krischke, presidente e fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), o País está regredindo. “Há um retrocesso em relação ao que foi aprovado na assembleia da ONU. Vivemos um retrocesso no mundo. No Brasil, duplo ou triplo retrocesso”, afirma Krischke, considerado um dos maiores especialistas sobre o tema.
INIMIGOS PODEROSOS
Jair Krischke dedicou a vida por um mundo mais igualitário. Em 2011, com a alcunha de “O homem que salvou duas mil vidas” – por dar respaldo e proteção aos foragidos dos regimes militares da América do Sul –, foi contemplado pelo Senado com a Comenda de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara. “No Brasil, por um longo período, a questão dos direitos humanos ficou vinculada ao combate à ditadura e às violências do regime. Fiz muitos inimigos poderosos. Alguns têm influência pesadíssima nos meios de comunicação, os tais formadores de opinião, que relegam os direitos humanos para a quinta categoria”, critica.
Na sua opinião, algumas convicções humanistas são o centro da crítica atual pelo momento de insegurança que o Brasil vive. Em um ambiente vulnerável, as pessoas não querem estar na mira do perigo. Com esse receio, desenvolvem um pensamento frágil de proteção de que “quem me ameaça que morra”, com discursos de ódio como “bandido bom é bandido morto”. Krischke reprova a violência policial, especialmente contra pobres e negros.
– Em um país com uma distribuição de renda que é uma vergonha internacional e com uma enorme população indigente, os pobres, muito mais honestos que a classe poderosa, são vistos como inimigos. Aí temos que entrar em campo e dizer: não! A polícia não pode mais matar o número de pessoas que mata hoje. É a polícia que mais mata no mundo. E, majoritariamente, jovens negros. Temos que denunciar. Denunciamos. Por isso, muitas vezes os direitos humanos são apresentados como inimigos da sociedade, o que é absolutamente um equívoco.
DIREITOS VIOLADOS
O presidente do MJDH observa que toda a rotina da sociedade está ligada às questões humanas. “Os direitos humanos nos acompanham 24 horas por dia, até quando dormimos. Temos direito ao descanso reparador, que reabastece para a próxima jornada. Então, quando dormimos, nossos direitos também são passíveis de violação”, esclarece. O conhecimento pleno da declaração, de acordo com Krischke, desenvolveria uma intelectualidade comunitária que ajudaria a desmitificar o tema, contribuindo para um debate socialmente construtivo.
“O grave problema é que, para ter vigência plena, os direitos humanos precisam ser conhecidos. Além de conhecê-los, a pessoa tem que aceitá-los. Eles só se realizam no coletivo, em sociedade.” Olhando para o atual momento da sociedade brasileira, Krischke analisa que os valores sociais têm sido substituídos pelo interesse pessoal e político. A população é um espelho do que acontece no País. “O grande violador dos direitos humanos no Brasil é a União, os estados e os municípios.
O Estado brasileiro sonega educação, saúde, desampara crianças e velhos. É o grande violador.” Precisaria o Brasil de uma declaração própria? “Não. Basta colocar em prática o artigo 5º da Declaração Universal, que já está pronto. O artigo diz que ninguém será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Precisamos é que isso tenha vida”, defende Krischke.