Monja Coen ministrou aula aberta na PUCRS sobre Ética e Felicidade

EntrevistaFotos: Camila Cunha

A monja é pop

Líder espiritual do zen budismo, monja Coen conquista milhões na internet pregando a não violência ativa

Por MAGDA ACHUTTI

Em tempos de tanta intolerância, patrulhamento e haters na internet, um sopro de leveza, amor e compaixão invade as redes. O alento vem dos ensinamentos e das reflexões sobre a vida e seus mistérios pregados pela monja Coen Rōshi, uma das líderes espirituais mais respeitadas e carismáticas do País. Missionária oficial da tradição Soto Shu do Zen Budismo e primaz fundadora da Comunidade Zen Budista Zendo Brasil, suas palestras costumam lotar estádios. Alguns de seus livros, como Zen para distraídos e O sofrimento é opcional, são sucessos editoriais. E seus posts no Instagram e vídeos do canal Mova, no YouTube, conquistam milhões de fãs. Discípula de Buda, aos 73 anos, ela inspira sem caretice, promovendo o princípio da não violência ativa e da cultura de paz. Em março, esteve na PUCRS onde ministrou uma aula aberta sobre ética e felicidade. Falou para uma plateia lotada, absolutamente atenta e encantada. Depois, com exclusividade, concedeu entrevista à Revista PUCRS.

Como é a experiência de ser uma monja pop?

É a experiência de ser quem eu sou. É uma experiência agradável. As pessoas gostam de mim. Elas me param na rua para dizer “eu te amo”, para agradecer muito porque “a senhora salvou minha vida com uma palavra sua”. Então, recebo muitas respostas positivas, e tem sido  agradável esse contato com o público graças ao YouTube e à série Ser, criada pelo canal Mova.

Até que ponto é possível conciliar a vida monástica com a exposição pública?

A minha superiora e grande mestre no Japão era uma palestrante que estava sempre na televisão, em programas de rádio, atendia todo o mundo e escrevia vários livros. Era muito conhecida, fazendo palestras por todo o país e pelo mundo. Ela me ensinou que a função de um discípulo de Buda é fazer o que Buda faria: difundir os ensinamentos. E, hoje, nós podemos fazer isso através dos meios de comunicação de que dispomos.

A sua forma de pregar conquista milhares de seguidores nas redes sociais. Isso mostra que não é preciso seguir o caminho da seriedade para interpretar os ensinamentos e mistérios da existência humana?

Sim, o que digo é isso. Nós temos que transmitir a verdade e o caminho usando os meios que sejam hábeis de nossa época. Eu tenho a minha maneira de ser, de ver o mundo, e acredito que a leveza é mais importante do que a frieza e o peso da existência.

A grande felicidade existe em dar, em proteger, em cuidar, mas ela só vai ocorrer se houver sabedoria e compaixão, que são os dois alicerces para uma vida ética e feliz.”

 A senhora já foi jornalista e bancária. Como foi a sua transformação até se tornar uma líder espiritual?

Sim, eu já fiz muitas coisas na minha vida e agora tenho alegria de poder compartilhar os ensinamentos de Buda que muito me transformaram e podem transformar todos os seres.

Seu nome é Cláudia Dias Baptista de Souza. Como foi a escolha do nome Coen Rōshi ou Monja Coen?

Meu nome de registro civil foi escolha de meus pais. Mas o meu nome budista é uma escolha do meu mestre. O mestre de ordenação que escolhe o nome da pessoa e tem a ver um pouco com a sua personalidade dentro da comunidade, dentro do darma de Buda. “Co” que dizer só e “en” quer dizer círculo. Um só círculo. O nome do meu professor era Coun, uma só nuvem. E Coen também vem de um poema chinês antigo que diz que a mente é como a Lua, ela é só, única. Tem o sentido da completude.

A palavra zen hoje se tornou popular e é usada com diferentes significados. Qual o seu verdadeiro sentido?

189Entrevista(Foto2)A palavra zen, o caractere zen japonês, tem vários sentidos. Um deles é o bem, estar de bem com a vida. O outro é zen de meditação. E este é o zen do qual eu falo. Zen quer dizer meditar. Vem do sânscrito, dhyāna. Os chineses chamam de chan e os japoneses criaram o caractere chamado zen.

Como adotar uma postura zen no dia a dia? É possível viver de maneira zen no meio da violência e da distração tecnológica moderna?

A violência e as distrações tecnológicas podem ser um elemento de facilitação e não de empecilho. Como eu vivo em um processo meditativo, de observação profunda da realidade, de apreciação da vida? Exatamente, nos tornamos seres menos violentos através do zazen, a prática de sentar-se em meditação, com a qual podemos transformar a realidade.

“É possível livrar-se da ganância com treinamento de doação, de entrega. Da raiva, com compaixão e compreensão. E da ignorância, com sabedoria. É treinamento e tem a ver com práticas meditativas, orações e estudos. Aprendemos a compaixão, a inclusão, o cuidado amoroso e a sabedoria através do treinamento.”

Em seus ensinamentos, Buda diz que é preciso se livrar de três venenos mentais: a raiva, o apego e a ignorância. Qual o caminho para conseguir isso?

A gente fala ganância, raiva e ignorância. É possível livrar-se da ganância com treinamento de doação, de entrega. Da raiva, com compaixão e compreensão. E da ignorância, com sabedoria. É treinamento e tem a ver com práticas meditativas, orações e estudos. Estudos do darma e dos ensinamentos presentes em todas as tradições espirituais e nas grandes filosofias. É só treinar, como em tudo na vida. Aprendemos a caminhar, caminhando. Aprendemos a compaixão, a inclusão, o cuidado amoroso e a sabedoria através do treinamento.

Como exercitar a autocompaixão, ser gentil consigo mesmo e afastar a severidade da autocrítica?

Autocrítica é importante. Nós temos que nos observar para melhorarmos. Mas não podemos ficar só nos culpando, brigando conosco. É preciso ter um pouquinho de trabalho e sentir compaixão por si também. É esse cuidado que temos de ter conosco para podermos cuidar melhor de todos os seres.

Sua palestra na PUCRS foi sobre ética e felicidade. É melhor ser feliz ou fazer a coisa certa?

Somente somos verdadeiramente felizes quando fazemos o que é correto, o nosso melhor em cada instante. É quando saímos do nosso eu menor e adentramos no eu maior. A grande felicidade existe em dar, em proteger, em cuidar, mas ela só vai ocorrer se houver sabedoria e compaixão, os dois alicerces para uma vida ética e feliz. Uma vida ética é aquela que faz o bem para todos os seres antes de pensar na sua vantagem pessoal. E quem faz isso é muito feliz.