Foto: Shutterstock

Pesquisa

A chave para silenciar o medo

Pesquisadores da PUCRS e do InsCer colaboram em artigo publicado na Nature Neuroscience

por Flávia Polo*

Pesquisadores da Escola de Medicina da PUCRS e do Instituto do Cérebro do RS (InsCer) colaboraram com o Instituto do Cérebro da Universidade de Queensland, da Austrália, para a realização de um estudo que revela uma modificação química no DNA capaz de aumentar a habilidade de extinguir o medo. O artigo acaba de ser publicado na mais importante revista científica especializada em neurociência do mundo, a Nature Neuroscience. A descoberta abre uma perspectiva inovadora, a dos tratamentos com terapia gênica. Por meio dela, seria possível silenciar genes relacionados ao processamento do medo e assim auxiliar pessoas que sofrem com fobias ou Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT).

O primeiro autor é Xiang Li, aluno do canadense Timothy Bredy, responsável pela pesquisa. Bredy esteve na PUCRS como professor visitante em 2014, 2015 e 2016, a convite do professor e psiquiatra Rodrigo Grassi-Oliveira, que assina o artigo em parceria.

Bredy explica que, embora o medo atue como um importante mecanismo de sobrevivência, a capacidade de inibi-lo quando não se faz mais necessário também seria. “A extinção do medo funciona como um equilíbrio do processamento desse instinto. Envolve a criação de novas memórias com elementos ambientais similares que competem com a memória original do medo”, afirma Bredy no site da Universidade de Queensland.

Pesquisas mostraram que uma pequena região do córtex pré-frontal desempenha um papel crítico nos processos de aprendizagem e memória da extinção do medo, e a atividade dos neurônios nessa região está sob rígido controle epigenético. “O DNA não é estático. Mudanças químicas agem como um interruptor que pode aumentar ou diminuir a expressão de um gene”, explica o professor Bredy.

PESQUISA EXPERIMENTAL

No experimento, foram colocados camundongos em uma caixa onde ouviam um som específico, imediatamente seguido por um leve choque nas patas. Rapidamente faziam a associação e “congelavam” quando acionado o som. Depois, os animais eram deixados em outra caixa, onde repetidamente havia o mesmo som, mas não recebiam nenhum choque. Quando devolvidos ao lugar original, não tinham mais medo do som, pois haviam extinguido essa memória.

Os pesquisadores examinaram o DNA dos neurônios do córtex pré-frontal dos camundongos e descobriram uma modificação química na adenosina, que aumenta a atividade de certos genes. Por muito tempo, acreditava-se que a citosina era a única base de DNA que poderia ser modificada via metilação. A adição de grupos metila, que se ligam a diferentes bases do DNA, pode levar a mudanças nas características celulares.

A alteração epigenética desses neurônios só ocorre durante a extinção do medo. “Compreender o mecanismo fundamental de como funciona a regulação genética associada à extinção do medo pode fornecer alvos futuros para intervenção terapêutica em transtornos de ansiedade relacionados ao medo”, afirma Bredy.

Rodrigo Grassi-Oliveira (E) e o canadense Timothy Bredy, responsável pela pesquisa

Foto: Bruno Todeschini/Arquivo PUCRS

PARCERIA INTERNACIONAL

O Grupo de Neurociência Cognitiva do Desenvolvimento, da Escola de Medicina, colabora com pesquisadores em diferentes áreas ao redor do mundo. Durante seu estágio pós-doutoral na Austrália, Grassi-Oliveira iniciou a parceria com Queensland. “Meu objetivo era trocar expertise em neuroepigenética e propiciar o intercâmbio de alunos e professores.” Além de Bredy ter vindo para a PUCRS três vezes, dois doutorandos estiveram no laboratório do canadense, que na época atuava na Universidade da Califórnia, em Irvine. Thiago Viola e Luis Eduardo Wearick, atualmente no pós-doutorado da Escola de Medicina, fizeram experimentos nos EUA durante um ano, via projeto Pesquisador Visitante Especial, do CNPq – Ciências Sem Fronteiras.

“Realizamos um treinamento em técnicas de pesquisa em epigenética e participamos dos projetos em andamento. Foi muito gratificante a oportunidade de trabalhar com uma equipe de diversas universidades e laboratórios do mundo e ter contribuído em um trabalho tão importante como esse”, afirma Wearick. Viola destaca que se tornou especialista em neuroepigenética cognitiva e que trabalha para garantir a transferência dessa tecnologia de pesquisa para a PUCRS.

* Colaborou Ana Paula Acauan

Entenda melhor

EPIGENÉTICA
Se a alteração da sequência do DNA demora, mudanças no genoma já são herdadas pelas próximas gerações. Hábitos e experiências ao longo da vida, como interação social e alimentação, podem silenciar ou aumentar a expressão de determinadas características.

TEPT
Doença neuropsiquiátrica associada a acontecimentos traumáticos, como agressão, luto por morte violenta, assalto, violência sexual, sequestro e acidente, que vêm prejudicando o dia a dia, com memórias angustiantes ou sonhos sobre o evento, flashbacks, sofrimento psicológico, reações fisiológicas, tentativa de fugir dos estímulos associados ao trauma, alterações significativas no humor e nos pensamentos.