Sentimentos e reflexões de final de ano
ALFREDO CATALDO NETO - Professor de Psiquiatria da Escola de Medicina e integrante da Equipe do Centro de Atenção Psicossocial da PUCRS“Em sua casa da infância, não havia Natal nem Festa de Final de Ano. Muito pobre, não havia o que comemorar a cada ano. Em sua adolescência, começou ele próprio a levar uma pequena árvore para dentro de casa, enfeitá-la para o Natal, e a comprar pequenos presentes para seus familiares, produtos de pequenos serviços que executava. Em sua psicoterapia, quando adulto e médico, relatou a importância deste ato e me autorizou a divulgá-lo. Em meio a todo tipo de privação: miséria, fome, desprezo, desaparecimento do pai, restou sempre esperança de uma vida melhor. Era a esperança do Natal espelhada nos olhos da mãe. Hoje, na medicina, com empatia e competência, ajuda os pacientes, a não perderem a esperança durante o enfrentamento das doenças.”
A cada ano um ritual se repete. A chegada de dezembro desperta em muitas pessoas sentimentos diversos entre eles a angústia, a ansiedade, a tristeza, a depressão ou a euforia, relacionados às expectativas de um novo ano e também ao ano que está se encerrando. Paramos e temos oportunidade de refletir e de pensar: o que foi realizado, o que não conseguimos fazer e quais são os novos projetos para o ano que segue. Até mesmo nas guerras mundiais, ocorreu um cessar-fogo breve. Prevaleceram os impulsos construtivos em meio a toda a sangria daqueles momentos.
Frequentemente, o novo ano não é tão novo assim. E o comportamento dos seres humanos acaba por vezes se repetindo compulsivamente. Regime alimentar abandonado, tentativa de parar de fumar, diminuição do consumo alcoólico, gastos superiores aos ganhos, disciplinas reprovadas, atividade física adiada e trabalho de conclusão não concluído são pequenos exemplos do dia a dia de seres humanos. Impulsionado por uma grande carga publicitária e por momentos de confraternização, o homem se depara com sua realidade. Temos uma tendência de negar as nossas dificuldades. Apreciamos atribuí-las a outras pessoas, às instituições, ao acaso ou a qualquer outra razão, desde que não seja a nós mesmos. Aprendemos com a psicanálise que somos o nosso maior inimigo. E enquanto não enfrentarmos essa questão primordial, seja por reflexão própria, seja pela ajuda de um terapeuta, não conseguiremos realmente um “novo ano”. Vamos repetir o “velho ano”.
Fundamentalmente, somos todos iguais, seres humanos frágeis, extremamente necessitados, lentamente desenvolvidos graças a vínculos importantes (mãe, pai, professores, irmãos e rede de apoio). É através dos vínculos que existimos. Muito cedo o ser humano percebe que sozinho não consegue sobreviver. É pela força do grupo que o homem consegue se estabelecer na natureza ou mesmo em instituições. Sozinhos somos facilmente abatidos.
“Todos queremos e desejamos um feliz Ano Novo. O que precisamos pensar é o que farei de diferente para que o resultado seja outro neste novo ano?”
Por outro lado, os tempos atuais de sociedade competitiva, a busca por resultados rápidos e a sobrevivência dos mais aptos favorecem e incrementam o narcisismo. Apesar de estarmos num mundo altamente conectado, vivemos num mundo solitário. Mensagens rápidas e superficiais on-line, falta de tempo, pouco convívio, pressa e outros fatores não permitem uma troca efetiva de afetos entre os seres humanos. A solidão é um ingrediente muito nocivo à saúde mental das pessoas. Especialmente nos depressivos, estar só, não ter alguém para conversar, para dividir, pode ter implicações sérias e aumentar o risco de suicídio.
Em estudos, a solidão crônica é comparada ao hábito de fumar, com resultados semelhantes no prejuízo à saúde. Saber que outras pessoas estão preocupadas conosco nos conforta. Precisamos ser importantes para alguém. E é nas festas de final de ano que as famílias se reúnem, preservam seus hábitos, presenteiam-se e geralmente se fortalecem. É claro que também ressurgem conflitos, disputas e ressentimentos. Todos queremos e desejamos um “feliz ano novo”. O que precisamos pensar é “o que farei de diferente para que o resultado seja outro neste novo ano?”.
Nos tempos atuais, com a justa preocupação de preservarmos a natureza em que vivemos, esquecemos por vezes de destacar a importância de cultivarmos também nossas “matas de valores humanitários”, espécies quase extintas como honestidade, amizade, compreensão, amor, empatia, fidelidade, bondade e outros sentimentos necessários e primordiais para a sobrevivência da espécie humana sobre a Terra.