Fisioterapeuta Natália Campos teve a orientação do professor Márcio Donadio

SaúdeFOTO: BRUNO TODESCHINI

Games interativos para fibrose cística

Estudo comprova benefícios terapêuticos da prática como exercício físico

POR EDUARDO BORBA

Dançar, saltar ou simular uma corrida em frente à TV, com um videogame interativo é uma terapia divertida e cientificamente eficaz para pacientes com fibrose cística. Este é o resultado de uma pesquisa que se tornou dissertação de mestrado e artigo, a partir do trabalho realizado no Laboratório de Atividade Física em Pediatria do Centro Infant, referência em investigações e atendimento multidisciplinar a doenças respiratórias infantis. Sediado no Hospital São Lucas (HSL), abriga pesquisadores e estudantes dedicados a encontrar soluções e terapias inovadoras.

A fibrose cística é uma doença genética, ainda sem cura e amplamente estudada por especialistas que buscam alternativas para garantir longevidade aos pacientes – a expectativa de vida depende de diferentes fatores, incluindo as mutações de cada pessoa. Seu diagnóstico começa no nascimento, a partir do Teste do Pezinho.

IDEIA PREMIADA

Uma recomendação unânime dos grupos de estudo nacionais e do exterior sobre a doença é a prática diária de exercícios físicos. Atenta a esse aspecto, a fisioterapeuta Natália Campos, 29 anos, com a orientação do professor Márcio Donadio, do Programa de Pós-Graduação em Pediatria e Saúde da Criança, da Escola de Medicina, resolveu estudar como jogos do Nintendo Wii e Xbox poderiam ajudar os pacientes atendidos no Centro de Fibrose Cística do HSL.

“Trabalho no ambulatório de fibrose cística e acompanho a história dessas pessoas e a sobrecarga de terapias para manutenção da saúde. Ao perceber a baixa aderência à prática de exercícios, pensamos em alternativas para ampliar a adesão. Por acompanharmos na literatura científica o tratamento de outras doenças com o uso de videogames, a ideia foi trazer esses benefícios para os nossos pacientes”, relata. De tão bem-sucedida, a iniciativa foi premiada como o melhor trabalho do 7º Congresso Brasileiro de Fibrose Cística, em 2019.

DESAFIO PRAZEROSO

O pesquisador Márcio Donadio diz que a inovação contribui para os pacientes superarem barreiras motivacionais em relação aos esportes. Conta que o principal desafio foi compreender como estimular o exercício de forma prazerosa. Para desenvolver o estudo, foram convidados 30 pacientes atendidos regularmente pela equipe, no HSL, e 25 crianças saudáveis, entre 2017 e 2018. Todos passaram pelo teste padrão de exercício cardiopulmonar, no qual são analisados os gases expelidos, por meio de um tubo, durante corrida na esteira.

Na visita seguinte, jogaram Wii Fit Plus e Xbox Just Dance, que exigem movimentação corporal. O comparativo entre o parâmetro oficial e os games mostrou que a necessidade cardiorrespiratória foi atendida e corresponde a um exercício físico.

“A maioria dos jogos avaliados atendiam à demanda suficiente para ser considerado exercício de intensidade moderada, porém é importante que a escolha dos jogos seja criteriosa, para garantir o movimento necessário”, esclarece Donadio.

O Ambulatório de Fibrose Cística funciona no segundo andar do HSL, e os pacientes são encaminhados ao local pelos pediatras e médicos dos pacientes com fibrose cística quem vêm de todo o Brasil.

Isabella dança Just Dance reproduzido no videogame Xbox

FOTOS: BRUNO TODESCHINI

Pacientes e familiares aprovam a inovação

A administradora Carla Scotto é mãe de Isabella Dattri, 13 anos. Quando sua filha fez o Teste do Pezinho ao nascer, em 2006, os pais souberam da doença. “Tivemos uma reação de espanto, pois não havia histórico na família. Saímos em busca de informação sobre como tratar”, relata. Até os cinco anos, os esforços foram para reduzir os riscos à saúde, e Isabella só frequentou escolinha a partir desta idade. Além das duas nebulizações ao dia, a menina toma enzimas pancreáticas desde os primeiros meses de vida, pois o sistema digestivo também é afetado. Ainda pequena, os pais a colocaram na natação e na ginástica olímpica. “Ela sempre conseguiu se desenvolver bem em termos de curva de crescimento, peso e altura”, destaca Carla.

Isabella passa duas vezes ao ano por avaliação da equipe multidisciplinar do Ambulatório de Fibrose Cística, com gastroenterologista, pneumologista, nutricionista e fisioterapeuta. Este ano, os pais souberam da terapia com o uso de jogos interativos. “Nas consultas, sempre perguntamos se há algo novo para o tratamento. Foi então que nos apresentaram os jogos. Para nós, vai ser ótimo”, comemora a mãe. A família possui um Xbox, mas Isabella não usava. Agora, joga e está gostando, especialmente os títulos Just Dance e Free Run. Carla se diz grata pelo atendimento da equipe do Ambulatório. “Conhecemos o doutor Márcio há muitos anos, e a Natália vem aqui em casa para os monitoramentos”.

SAINDO DA ROTINA

Júlia Petzinger, 18 anos, cursa Design, em Taquara (RS), e está há oito anos em tratamento no Hospital São Lucas. Até os 17, foi acompanhada pela equipe de Pneumopediatria e, agora, recebe atenção de novos profissionais ligados ao mesmo grupo. Conta que, antes de conhecer a terapia com games interativos, praticava apenas caminhadas perto de casa. Ultimamente, também se aventura em corridas curtas, alternando com caminhadas de até 30 minutos. O reforço muscular é feito na academia, na companhia da madrinha e da avó.

“Eu usava Wii em casa para me divertir. Agora, gosto mais ainda. Achei muito interessante essa inovação, pois a gente sai da rotina. É bem bacana. Minha mãe super apoiou a equipe e até comprou jogos novos”, relata a universitária, que adicionou os games Just Dance e Sports ao seu console. Sobre o novo tratamento, revela sua gratidão à equipe multiprofissional. “Parabenizo a doutora e incentivo a continuarem com aideia, para que mais pessoas sigam essa prática”, afirma com entusiasmo.

Percurso acadêmico

Natália Campos iniciou sua trajetória na PUCRS em 2012, no curso de Fisioterapia. Seu gosto pela pesquisa a fez aderir à Iniciação Científica no ano seguinte, permanecendo até a conclusão, em 2016, quando fez seu trabalho de conclusão e foi aprovada para o mestrado, concluído em 2018. Atualmente, é doutoranda pelo PPG em Pediatria e Saúde da Criança, da Escola de Medicina, e mantém as investigações sobre fibrose cística, tema central do TCC e do mestrado. Ela projeta seguir a carreira docente, tornando-se referência na pesquisa e  tratamento da doença.

Atuação internacional

O pesquisador Márcio Donadio, do PPG em Pediatria e Saúde da Criança e da Escola de Ciências da Saúde, permanecerá por um ano na Universidade Europeia de Madrid (Espanha), a partir de dezembro de 2019. Atuará como professor visitante no exterior sênior pelo programa PUCRS-PrInt. A pesquisa Efeito de um programa de exercício físico sinérgico com  eletroestimulação muscular na função pulmonar, capacidade física, composição corporal e diversidade de microbiota respiratória em pacientes com fibrose cística com envolvimento pulmonar moderado, será desenvolvida no âmbito do projeto de cooperação Avaliação de aspectos ambientais, hábitos de vida e condições patológicas no desenvolvimento da criança, vinculado ao tema Saúde no Desenvolvimento Humano, do PUCRS-PrInt.