Saúde do adulto em foco
PUCRS terá o primeiro banco de cérebros de usuários de cocaína/crack da região Sul do País
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Um dos projetos que faz parte do PUCRS-PrInt, proposta da Universidade contemplada em edital do Programa Institucional de Internacionalização da Capes, Aspectos biopsicossociais associados à saúde do indivíduo na vida adulta envolve estudos de professores de diversas áreas e associados com pesquisadores de 22 instituições, dos seguintes países: África do Sul, Bélgica, Canadá, China, Espanha, EUA, Finlândia, Itália, Reino Unido e Suíça. Uma delas é com a Mayo Clinic, líder mundial em assistência médica sem fins lucrativos, dos EUA.
Coordenado pela professora Tatiana Irigaray, os estudos avaliam aspectos da saúde através de duas grandes ênfases: clínica e experimental. Na primeira, visam a investigar a saúde de uma forma abrangente. Os experimentais buscam compreender impactos de ambientes estressores precoces no comportamento do adulto, rotas de neurotoxicidade e o seu possível envolvimento em transtornos neurológicos e psiquiátricos e mecanismos de resistência bacteriana. Como resultado, o projeto prevê a elaboração de práticas interventivas e de prevenção.
Parte do tema Saúde no Desenvolvimento Humano, a iniciativa teve início neste ano, com previsão de término em 2023. Participam pesquisadores dos Programas de Pós-Graduação em Medicina e Ciências da Saúde, Pediatria e Saúde da Criança, Biologia Celular e Molecular, Psicologia, Odontologia e Ciência da Computação e do Instituto do Cérebro. Em 2019 e 2020, está previsto financiamento para 11 missões (idas de professores ao exterior), cinco capacitações, oito doutorados-sanduíche, oito professores visitantes no Brasil, dois professores visitantes sêniores fora do País e seis pós-doutorados com experiência no exterior.
Banco de cérebros ampliará investigações
A PUCRS se prepara para ter o primeiro banco de cérebros da região Sul do País de usuários de cocaína/crack. “Como um polo de ciência, a Universidade contará com todas as etapas de validação na investigação de doenças neuropsiquiátricas”, destaca o professor Rodrigo Grassi de Oliveira, coordenador do estudo. A partir do PUCRS PrInt, a Instituição aprimora a parceria com Consuelo Walss-Bass, da Universidade do Texas (EUA), que desenvolveu uma metodologia para coletar e armazenar tecidos a fim de estudar distúrbios cerebrais. Com previsão de vinda em outubro, ela ajudará no processo de construção dessa estrutura, que integrará o Biobanco da PUCRS. Também contribuirá com a técnica de autópsia psicológica. Não basta guardar os tecidos do paciente, é preciso entrevistar a família para conhecer dados sobre ele, se sofria de transtornos mentais, por exemplo.
Em cooperação com o grupo norte-americano, pesquisa liderada por Grassi de Oliveira visa a investigar se as alterações no DNA observadas no sangue de usuários de cocaína estão presentes no cérebro. Até agora, foi avaliado o sangue de 172 usuários e 125 pessoas saudáveis. Na análise de 850 mil regiões do DNA, nos primeiros, o grupo identificou 34 genes com significativa metilação, ou seja, mudanças nas características celulares, sendo o principal o S100A8, envolvido na resposta imunológica. Na avaliação do cérebro de 11 pessoas saudáveis e 32 usuárias de vários tipos de drogas, feita nos EUA, o gene identificado foi diferente, mas com a via de sinalização imunológica, envolvido no mesmo receptor do S100A8.
Grassi de Oliveira explica que essa descoberta muda a perspectiva de tratamento. “Sempre pensamos que a cocaína influencia o sistema de recompensa e prazer. Agora sabemos que, além do comportamento de risco, o abuso de drogas os torna mais suscetíveis a infecções.” Na prática, já se notava esse fato, pois que as taxas de HIV em usuários de crack chegam a 20%, enquanto na população em geral, 0,8%.
O enigma da pré-eclâmpsia
O Chicago Lying-in Hospital (EUA) homenageia grandes obstetras com placas e uma delas está vazia, reservada para o cientista que descobrir como tratar a pré-eclâmpsia, a doença hipertensiva da gestação que atinge 3% das mulheres e é a principal causa de morte materna e fetal no mundo, totalizando 23%. A história impressionou o nefrologista Carlos Eduardo Poli de Figueiredo, que fotografou a fachada do prédio. O seu grupo no Programa de Pós-Graduação em Medicina e Ciências da Saúde investiga há décadas os mecanismos desse distúrbio que aparece a partir da 20ª semana de gravidez e produz efeitos na circulação e consequentemente em órgãos como rins, pulmões e coração.
Uma das pistas foi desvendada pelo grupo em colaboração com a Universidade de Nottingham e King’s College, ambos na Inglaterra, e a Mayo Clinic, dos EUA. “Essas parcerias aceleram a troca de informações e contribuem com a formação de pessoal”, afirma Poli.
O grande segredo da pré-eclâmpsia está na placenta, visto que muitas vezes é preciso fazer o parto para salvar a vida da mãe. “Essa é uma decisão difícil para o obstetra, pois somente a partir das 34 semanas o feto está maduro.” A pré-eclâmpsia se caracteriza por uma disfunção no endotélio, a camada interna das veias que faz o sangue chegar aos tecidos. Os pesquisadores identificaram em mulheres com o distúrbio uma ação aumentada de uma enzima chamada fosfodiesterase, que impede a dilatação dos vasos.
“Há no mercado medicamentos que inibem a sua ação, como o sildenafil, o Viagra, mas até se chegar a um estudo clínico para testar em gestantes existe um longo caminho.” Se o uso em larga escala está longe de acontecer, Poli afirma que os estudos podem abrir caminho para a definição de marcadores que auxiliem no diagnóstico. Participam do projeto os professores Bartira Pinheiro da Costa, Ana Elizabeth Figueiredo, Ivan Antonello e Domingos D’Avila.
Desafiando o Alzheimer e a meningite
Pesquisadores do Instituto do Cérebro buscam descobrir como se dá o envolvimento em desordens neurológicas, a exemplo do Alzheimer e de meningites, de ureases, que são enzimas (proteínas) produzidas por bactérias causadoras de vários tipos de doenças. Esse é o primeiro passo para um objetivo maior: identificar moléculas inibidoras dessas proteínas e que tenham efeito terapêutico contra infecções por micro-organismos que afetam o Sistema Nervoso Central (SNC).
Estudos epidemiológicos apontaram a repercussão na doença de Alzheimer da infecção por Helicobacter pylori, que pode levar à gastrite e ao câncer gástrico. Esse patógeno produz grandes quantidades de urease, que é fundamental para a sobrevivência da bactéria, ao neutralizar a acidez do estômago. Metade da população mundial está infectada com H. pylori (75% não apresentam sintomas), e o percentual que também tem Alzheimer é muito mais elevado. O grupo liderado pela professora Célia Carlini identificou que a urease afrouxa a ligação entre as células não só do epitélio (tecido que reveste as superfícies expostas e cavidades), mas também do endotélio (camada celular que cobre os vasos). Estando presente na circulação, esse mecanismo poderia facilitar a entrada da urease no SNC.
Em insetos, ficou demonstrado que ureases vegetais afetam a comunicação elétrica entre as células. O grupo agora caracteriza o efeito neurotóxico em modelos de mamíferos, estudando, por exemplo, o que acontece no hipocampo (considerado a sede da memória) de ratos tratados com as proteínas.
A segunda parte da pesquisa busca entender a relação entre a meningite de recém-nascidos e a Proteus mirabilis, que gera infecções do trato urinário. Pretende-se detectar a presença da urease no líquor (líquido que banha o sistema nervoso) de bebês internados no Hospital São Lucas, já extraído como parte do diagnóstico, bem como identificação da bactéria. Depois haverá acompanhamento dos casos para avaliar se pacientes com líquor urease-positivo tiveram os casos mais graves de meningite.
Fazem parte do estudo dois bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq 1A (nível máximo) – os professores Jaderson Costa da Costa e Célia, além da também docente Magda Lahorgue Nunes e dos bolsistas de pós-doc Felipe Kalil e Augusto Uberti, mestrandos e doutorandos. Parceiros internacionais nas Universidades de Louvain (Bélgica) e Shangai (China) contribuirão para o treinamento de pessoal da PUCRS em metodologias de eletrofisiologia, que avaliam a comunicação elétrica entre os neurônios e desses com os músculos.
Matéria publicada originalmente na Revista PUCRS Nº 190 | Julho/Setembro 2019.