Professora e pesquisadora da Escola Politécnica, Isabel Lara possui uma longa trajetória de estudos que visa reconhecer e compreender o modo como um saber matemático foi gerado
No mundo atual, marcado pelos processos de globalização e avanços tecnológicos na informação e comunicação, debates sobre diversos temas têm ganhado espaço. Entre eles, a busca por novas abordagens sobre o ensino tradicional de diferentes áreas do conhecimento. Presente no nosso dia a dia em muitos contextos, a Matemática é uma das disciplinas as quais pesquisadores têm se dedicado a estudar novas formas de ensino.
No Grupo de Estudos e Pesquisa em Etnomatemática na Escola Politécnica da PUCRS (GEPEPUCRS), estão sendo desenvolvidas pesquisas com o objetivo de apontar diferentes possibilidades para a implementação da Etnomatemática como método de pesquisa e ensino na Educação Básica. O grupo surgiu por iniciativa da pesquisadora do Programa de Pós-graduação (PPG) em Educação em Ciências e Matemática Isabel Cristina Machado de Lara.
“A Etnomatemática é uma tentativa de descrever e entender as formas pelas quais ideias são compreendidas, articuladas e utilizadas por outras pessoas que não compartilham da mesma concepção de Matemática”, comenta a pesquisadora.
A Etnomatemática surgiu na década de 1970, como uma contraproposta do ensino tradicional de Matemática. É um método de pesquisa e de ensino que cria condições para que o pesquisador reconheça e compreenda o modo como um saber matemático foi gerado, organizado e difundido dentro de determinados grupos culturais.
É uma metodologia de pesquisa que possibilitam que pesquisadores identifiquem a presença da Matemática em diferentes culturas e contextos. A professora Isabel explica que tal compreensão possibilita uma reflexão destes saberes que foram ou não legitimados na perspectiva da Matemática Escolar.
Em sua trajetória de pesquisas com o GEPEPUCRS em Etnomatemática, a professora Isabel propõe uma metodologia de ensino que se guia a partir das três seguintes etapas: Etnografia, Etnologia e Validação.
Na primeira etapa, o pesquisador estabelece uma conexão com o grupo ou membros do grupo que será investigado para levantar dados sobre os saberes culturais e matemáticos desse grupo em relação aos fazeres cotidianos. Por meio de observações, entrevistas e narrativas, torna-se possível compreender a realidade e as práticas do grupo.
Com isso, parte-se para a realização da Etnologia, quando o pesquisador compara as informações coletadas na etapa anterior e relaciona os saberes matemáticos e culturais do grupo estudado com as propostas de ensino da Matemática Escolar. Neste momento, é possível identificar as diferenças e aproximações entre a matemática tradicional aprendida nas escolas com a matemática praticada dentro daquele contexto.
Assim, na etapa final de Validação, o pesquisador interpreta os dados coletados e define quais são usos matemáticos dentro de cada forma de vida. Para então, validar as diferentes manifestações de conhecimento cultural e matemático daquela realidade.
“Com esta trajetória de pesquisas que estão sendo construídas no grupo, tornou-se possível considerar a Etnomatemática como um método de ensino para Educação Básica, que pode criar condições que possibilitem aos professores e estudantes refletirem acerca de modos de matematizar que muitas vezes são deixados de lado e desqualificados, mas que podem estar presentes em formas de vida muito próximas à realidade em que estão inseridos” complementa a pesquisadora Isabel.
Desde 2012, quando surgiu o grupo GEPEPUCRS, foram concluídas dez pesquisas realizadas por alunos e alunas de mestrado, com orientação da professora Isabel. Nos projetos, os estudantes puderam trazer à tona o modo como alguns saberes foram marginalizados pela Matemática Escolar e, com isso, propor novas práticas de reparação dessas culturas por meio da Etnomatemática.
Como por exemplo, a pesquisa da aluna Mayara de Araújo Saldanha, do GEPEPUCRS, intitulada Histórias de Pescadores: uma etnomatemática sobre os saberes da pesca artesanal da Ilha da Pintada – RS. A estudante realizou uma etnografia, considerando a Etnomatemática como um método de pesquisa, com entrevistas de três pescadores artesanais. Com isso, evidenciou que os saberes matemáticos deste grupo não estão vinculados à frequência escolar, mas sim, das distintas situações diárias da prática da pesca, da necessidade de otimizar recursos e da prática de industrializar e comercializar seu trabalho.
Além disso, de acordo com a professora, uma das pesquisas desenvolvidas, fundamentada em Wittgenstein (filósofo austríaco), mostra que a Etnomatemática possibilita que as condições de significado dos conceitos matemáticos abordados durante o Ensino Superior ocorram quando o estudante conhece diferentes usos desses conceitos em seus respectivos cursos de graduação ou futura profissão.