Um recomeço fora de casa e o papel da Universidade na ajuda a imigrantes
Imigrantes participam de projetos sociais / Foto: Camila Cunha
Qualificar profissionais a ensinar português em contextos nos quais essa não é a língua materna dos estudantes: esse é o objetivo do curso de Formação de Professores de Português Como Língua Adicional, oferecido pela Escola de Humanidades da PUCRS. Com pedagogias variadas, os educadores podem se capacitar para ensinar o idioma para imigrantes, refugiados e estrangeiros que chegam no Brasil e em outros países de língua portuguesa. Ao enfrentar preconceitos e outras barreiras além da comunicação, quem vem de fora do Brasil também encontra na Universidade o Serviço de Assessoria em Direitos Humanos para Imigrantes e Refugiados (Sadhir), um atendimento gratuito em Porto Alegre para um recomeço fora de casa, ou na nova casa. A ideia do curso surgiu a partir do projeto realizado pela PUCRS em parceria com a Cáritas, iniciativa que fomenta a economia popular solidária e os direitos humanos. Imigrantes haitianos recebiam aulas de português, com uma metodologia diferenciada, levando em consideração a troca de culturas com empatia. Com o tempo, venezuelanos e colombianos também integraram a turma de Plac: Português Como Língua de Acolhimento. O curso oferecido pela PUCRS é pioneiro do Estado na modalidade presencial. Após três anos de atividades na Paróquia Santa Clara, na Lomba do Pinheiro, o projeto gerou vários frutos para a comunidade. Um convênio com a prefeitura foi firmado, alguns alunos foram contratados pela PUCRS e o primeiro livro sobre o tema foi lançando por Cristina Perna, professora de Letras e do Programa de Pós-Graduação da PUCRS. Docente e decana associada da Escola de Humanidades, Regina Kohlrausch também participou da liderança do projeto, que durou de 2017 a 2019.
O Brasil recebeu 774,2 mil imigrantes de 2010 a 2018. Mais de 36 mil carteiras de trabalho foram emitidas para essa população em 2018, o maior índice dos últimos anos. A maioria dos chegados são homens jovens e com nível de escolaridade médio e superior, segundo o Relatório Anual do Observatório das Migrações Internacionais – OBMigra 2019, do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O movimento migratório é uma realidade cada vez mais presente em diferentes países. Um levantamento divulgado em 2019 pela Organização das Nações Unidas (ONU) mostra que existem pelo menos 272 milhões de imigrante ao redor do mundo. Os países que mais recebem essa população são os Estados Unidos, Alemanha e Arábia Saudita, que vem em sua maioria da Índia, México e China.
Peterson em Porto Alegre / Foto: Arquivo Pessoal
“O Brasil é um país formado por imigrantes, forçados ou não. O mundo também”, explica Lucia Muller, antropóloga e professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRS. Os processos sociais mobilizados pela imigração contribuem para a riqueza cultural da sociedade e ressignificam as fronteiras regionais as quais as pessoas estão acostumadas, acrescenta a docente. Lucia conta que “culturas vivas são aquelas que estão sempre acumulando e se modificando”, ou seja, conviver com as diferenças “é sempre uma contribuição, a arte vive disso” finaliza.
Em abril, faz três anos que Peterson Darson chegou ao Brasil. Para se afastar da guerra do Haiti, ele deixou a capital Porto Príncipe e reencontrou a mãe, que já estava em território brasileiro a mais tempo. “Vivi várias coisas, muitas são novidades“ conta Darson ao lembrar das experiências que teve no novo País. Segundo ele, a principal dificuldade no começo foi o idioma que ele não conhecia. Hoje, a língua já é uma barreira vencida e Darson inclusive ajuda os colegas haitianos a se comunicarem com outras pessoas. O segundo desafio foi conseguir trabalho, por questões burocráticas. Atualmente, ele trabalha na PUCRS, no setor de Gerência de Operações. No Haiti, Darson era aluno de medicina e já estava no segundo ano. Ele pretende voltar a estudar, mas agora em outra carreira. “Hoje posso sofrer, mas amanhã não” declara ao falar sobre o preconceito sofrido no Brasil e a expectativa de ter uma vida diferente após concluir os estudos. Ele conta que aprendeu muito com os gaúchos e considera muito importante iniciativas como o Sadhir e as aulas de Plac.
“Existem hierarquias, barreiras e preconceitos” afirma Lucia Muller ao explicar que as pessoas têm medo do diferente e muitas vezes não estão abertas ao diálogo. Entre os problemas enfrentados pelos imigrantes estão a xenofobia e o racismo. Estrangeiros vindos da Europa, como na época da colonização brasileira, costumam ser recordados com orgulho, mas o mesmo não acontece com outras regiões, como a África, principal origem de pessoas escravizadas no período. “Os senegaleses, por exemplo, encontram barreiras. Sofrem para ter acesso pois a cultura africana foi discriminada por muito tempo e está sempre por um triz. O Brasil não conhece a cultura africana. Não trata como algo oficial” aponta Lucia. Porém, com o aumento do movimento migratório, as novas levas são diferentes das já vividas. Lucia explica que as colônias não são mais tão visíveis, agora são urbanas, espalhadas nos grandes centros, mas sem perder a relação com as origens. Os tipos de formação se tornaram globalizados, com redes que são mais complexas. “Os imigrantes não são todos iguais. Quem é nativo, afinal? E quem é imigrante?”, questiona Lucia.
Foto: Nathana Fouchy
Composto por alunos e profissionais da Universidade, familiarizados com as dificuldades e inseguranças enfrentadas por indivíduos em situação de vulnerabilidade no Brasil, o Sadhir atua na solução de diversas demandas relacionadas ao cenário migracional brasileiro. A iniciativa auxilia os imigrantes a se estabelecerem no Brasil e a solucionarem eventuais demandas judiciais e dúvidas relativas a assuntos como documentação, moradia e saúde. Como o volume de atendimentos é grande e com naturezas diferentes, é comum a equipe se deslocar para ajudar com problemas. Coordenador do Sadhir, Gustavo Pereira conta que além das atividades acadêmicas e das reivindicações por políticas públicas, o plano é expandir o projeto para falar sobre Direitos Humanos em escolas, preparar cursos para imigrantes e a publicação de um livro. O atendimento presencial é realizado durante o período de aulas, nas segundas-feiras, das 18h às 19h, e já recebeu cerca de 500 pessoas.
O curso de especialização de Português como língua adicional capacita profissionais da área da educação a ensinar português para pessoas que não são originárias do idioma. A teórica e a prática pedagógica são inseridas numa proposta crítica e intercultural de ensino e aprendizagem. É a formação ideal para diplomados em Letras, Pedagogia, História, Filosofia e outros cursos das Humanidades ou interessados na área. Clique aqui e conheça mais sobre o curso! Saiba o que mais se faz na Universidade: Projeto investiga novos aditivos e materiais para construção de poços de petróleo.
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