Foto: Camila Cunha
Há valores que mudam com o tempo; outros, mudam o tempo. Palavras como transformação, oração, esperança e fé parecem ganhar um novo sentido neste tempo de perguntas sem respostas. Como será o dia de amanhã? Quando tudo voltará ao normal? Aliás, será possível voltar “ao normal”? Estamos fazendo uma travessia inédita. É tempo de espera e esperança. Confiamos que algo muito bom está por vir depois da dificuldade; quem sabe uma nova civilização, mais humana. Depois de vivermos um tempo voltados para dentro, eis que a Páscoa traz a luz da renovação e da vida em abundância.
Diz o escritor português, e Cardeal da Igreja Católica, José Tolentino Mendonça, em seu livro A Mística do Instante, que é chegado o momento de harmonizar a espiritualidade e os cinco sentidos, retomando a dimensão unitária entre corpo e alma; a inquebrável aliança que une a espiritualidade divina e a vitalidade terrestre. Afinal, onde experimentaremos melhor o Espírito de Deus senão no extremo da carne tornada vida. O desafio é estar em si e experimentar com todos os sentidos a realidade daquilo e daquele que vem; atirar-se para os braços da vida e ouvir aí o bater do coração de Deus.
E o que isso tem a ver conosco? Se a rotina adormeceu os nossos sentidos, bem podem os dias serem novos a cada manhã e o instante abrir-se como um limiar inédito a ser cruzado. A rotina não basta ao coração humano e a cada dia podemos voltar a olhar tudo como se fosse a primeira vez, recuperando a sensibilidade à vida numa pedagogia de reativação dos sentidos. Nestes tempos abissais em que vivemos, e que de algum modo marcará nossas vidas para sempre, que as nossas experiências sejam transformadas na mudança que queremos para mundo. Se todas as nossas seguranças emudeceram, que possamos aprender que no interior de cada pessoa encontra-se também a força mais poderosa do universo.
Que a Pascoa, nestes dias de isolamento que anseiam por novos encontros, nos ajude a nos tornarmos, além de tudo aquilo que já somos e fazemos, também cartógrafos do coração humano no cotidiano da vida, aprendendo a conciliar razão e sensibilidade, eficácia e afetos, individualidade e compromisso social, economia e compaixão, espiritualidade e sentidos, eternidade e instante.
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