Desenvolvida no InsCer, a pesquisa investigou a consolidação da habilidade de reconhecer outros indivíduos
Fundamental para estabelecer relações entre indivíduos, a memória de reconhecimento social é um mecanismo que contribui para a formação e o funcionamento de grupos sociais, essenciais para a organização da sociedade. Através da interação entre os pares, espécies como seres humanos e roedores desenvolvem comportamentos sociais ligados à adaptação e à sobrevivência.
Assim como em outras formas de aprendizado, as informações sociais recentes passam por uma etapa de consolidação, sendo processadas por diversas regiões do cérebro, dentre elas, o córtex pré-frontal. Além de ser crucial para a memória de reconhecimento, essa região desempenha um papel importante em aspectos da cognição, da atenção e da tomada de decisão. Alterações no córtex pré-frontal se associam a doenças como a esquizofrenia e os transtornos do espectro do autismo, que cursam com prejuízo do funcionamento social.
Lançando luz sobre os mecanismos envolvidos na memória de reconhecimento social, uma pesquisa desenvolvida pelo estudante Lucas Marcondes, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Gerontologia Biomédica da PUCRS, pode auxiliar no entendimento de doenças neuropsiquiátricas que se caracterizam pela disfunção das interações sociais. “Para compreendermos o processo dessas doenças, primeiro é preciso analisar como o processamento de informações sociais ocorre fisiologicamente, quando tudo está bem. Por isso, investigamos a formação e a consolidação da memória de reconhecimento social através do córtex pré-frontal medial dos roedores, que são uma espécie sociável, assim como os humanos”, destaca Marcondes.
O estudo teve a coordenação das pesquisadoras Jociane de Carvalho Myskiw e Cristiane Regina Guerino Furini, professoras da Escola de Medicina da PUCRS. A pesquisa também contou com auxílio dos colaboradores do Centro de Memória, vinculado ao InsCer. O estudo foi publicado na revista internacional Neurobiology of Learning and Memory.
Principal neurotransmissor excitatório do cérebro, o glutamato é responsável pela comunicação entre os neurônios no sistema nervoso central. Uma das mais importantes descobertas da pesquisa está relacionada ao tempo de ação dos receptores de glutamato no córtex pré-frontal. No estudo, foram analisados os receptores NMDA e AMPA/cainato. Os pesquisadores descobriram que ambos os receptores são necessários durante a consolidação inicial da memória, mas que, três horas após o aprendizado, apenas os receptores AMPA/cainato são requeridos, deixando de serem necessários após seis horas.
“Essa descoberta pode fazer com o sistema dessa memória seja visto de uma forma mais ampla. Pesquisas voltadas ao tratamento das doenças neuropsiquiátricas poderão, inclusive, ter como base esses resultados para o desenvolvimento de procedimentos mais efetivos em relação a essas patologias”, ressalta Cristiane Furini.
Marcondes ainda frisa que o estudo auxilia a abrir o caminho para entender a evolução das interações sociais. “A forma como nos relacionamos hoje é totalmente diferente do que era anos atrás. Atualmente, vivemos muitas interações a distância, por meios digitais, e a maneira como o cérebro processa esse tipo de informação pode ser diferente. Certamente é um campo que ainda tem muito para ser descoberto”, afirma.
Segundo a professora Cristiane, é preciso estar atento às mudanças nas relações para compreender se geram benefícios ou prejuízos. “Nas redes sociais, muitas vezes, temos a interação visual, mas o contato físico, a presença do outro, acaba sendo deixada de lado. Em um outro estudo com roedores, publicado no ano passado, descobrimos, por exemplo, que a presença de um companheiro é benéfica para a resposta do cérebro a uma memória de medo”, completa.