Chernobyl: o desastre nuclear

Em 26 de abril de 1986, o pior acidente nuclear da história aconteceu no que hoje é o norte da Ucrânia, quando o reator de uma usina nuclear explodiu e ardeu em chamas. O desastre ocorreu perto da cidade de Chernobyl, na ex-URSS, que investiu pesadamente em energia nuclear após a Segunda Guerra Mundial. A partir de 1977, cientistas soviéticos instalaram quatro reatores nucleares RBMK* na usina, que está localizada ao sul do que hoje é a fronteira da Ucrânia com a Bielo-Rússia. Envolvido em segredo, o incidente foi um divisor de águas tanto na Guerra Fria quanto na história da energia nuclear. O impacto sofrido pela sociedade soviética foi tão grande que anos depois o ex-secretário geral do partido comunista, Mikhail Gorbachev, apontou o desastre como sendo o verdadeiro motivo do colapso da União Soviética.

Reator número 4 após explosão Fonte: Getty Images

Durante uma manutenção de rotina no quarto reator da Central Nuclear de Lenin (Chernobyl) os trabalhadores planejaram usar o tempo de inatividade para testar se o reator ainda poderia ser resfriado se a usina perdesse energia. Durante o teste, no entanto, os trabalhadores violaram os protocolos de segurança e a energia aumentou dentro da fábrica. Apesar das tentativas de desligar totalmente o reator, outra onda de energia causou uma reação em cadeia de explosões no interior. Finalmente, o próprio núcleo do reator foi exposto, lançando material radioativo na atmosfera e causando o derretimento do núcleo.

 

Como funciona um reator de fissão nuclear

“Pelotas” de combustível nuclear de urânio (aproximadamente 1 cm de diâmetro por 1,5 cm de comprimento) – cada uma contendo uma quantidade de energia equivalente à uma tonelada de carvão. Fonte: Kazatomprom

Os reatores nucleares são o coração de uma usina nuclear. Eles contêm e controlam as reações em cadeia que produzem calor por meio de um processo físico chamado fissão. A fissão ocorre quando um nêutron se choca contra um átomo maior, forçando-o a se excitar e se espalhar em dois átomos menores – também conhecidos como produtos da fissão. Nêutrons adicionais também são liberados e podem iniciar uma reação em cadeia. Quando cada átomo se divide, uma enorme quantidade de energia é liberada. Urânio e plutônio são mais comumente usados para reações de fissão em reatores de energia nuclear porque são elementos que permitem uma facilidade para iniciar e controlar as mesmas.

O material radioativo é processado em pequenas pelotas de cerâmica e empilhadas em tubos de metal vedados chamados barras de combustível. Normalmente, mais de 200 dessas barras são agrupadas para formar um conjunto de combustível. Um núcleo de reator é normalmente composto de algumas centenas de conjuntos, dependendo do nível de potência. Dentro do vaso do reator, as barras de combustível são imersas em água, que atua como refrigerante e moderador. O moderador ajuda a desacelerar os nêutrons produzidos pela fissão para sustentar a reação em cadeia. A energia liberada pela fissão nesses reatores transforma a água em vapor, que é usado para girar uma turbina para produzir eletricidade, sem emissão de carbono.

Os dois tipos de reatores nucleares mais utilizados atualmente no mundo:

● Reatores de água pressurizada (PWR);

● Reatores de água fervente (BWR);

 

Reatores de água pressurizada (PWR)

Este tipo de reator é o mais comum entre os dois, com cerca de 300 reatores em operação no mundo para geração de energia elétrica e várias centenas a mais empregados para propulsão naval (submarinos). O projeto dos PWRs se originou como uma usina submarina. Nos reatores de água pressurizada o líquido de refrigeração é bombeado sob altas pressões dentro do núcleo do reator onde é aquecido pela energia liberada pela fissão nuclear. A água então aquecida flui através do circuito para um sistema gerador de vapor, onde a energia térmica é transferida por trocadores de calor criando um fluxo de vapor. O vapor então, move uma turbina acionando um gerador elétrico, que produz grandes quantidades de eletricidade. O vapor não utilizado é então condensado e volta ao sistema em forma de água sendo reutilizado no processo de aquecimento.

Exemplo reator de água pressurizada Fonte:Sarah Harman | U.S. Department of Energy

 

Reatores de água fervente (BWR)

Este tipo de reator tem muitas semelhanças com o PWR, da mesma maneira água altamente pressurizada é bombeada até o reator, porém nesse modelo a água aquecida pela fissão produz vapor diretamente dentro do vaso do reator. Tubos então alimentam o vapor diretamente para uma turbina acionando um gerador elétrico produzindo grandes quantidades de eletricidade. O vapor não utilizado é então condensado e volta ao sistema em forma de água, sendo reutilizado no processo de aquecimento.

Exemplo reator de água fervente Fonte:Sarah Harman | U.S. Department of Energy

 

O reator RBMK* soviético

O RBMK* é um reator nuclear projetado pelos soviéticos onde em seu auge de existência houveram 17 reatores em funcionamento na antiga URSS. É um projeto bastante incomum, pois usa grafite como moderador e foi projetado para a produção de plutônio – mas também foi amplamente usado para geração elétrica. A combinação de grafite como moderador e água leve como refrigerante é exclusiva deste reator, pois nenhum outro reator no mundo usa ambos. Apontado como uma das causas do desastre, o RBMK* tinha algumas falhas de design importantes. Em particular, a localização das hastes de controle, a estrutura de contenção e o coeficiente de vazio positivo do reator que provaram ser bastante inseguros.

Esquema simplificado do núcleo de um RBMK* fonte: World nuclear association

Um fator muito importante durante o funcionamento de um reator é o controle da reatividade. Reatores resfriados por água fervente contém uma certa quantidade de vapor no núcleo. Como a água é um refrigerante mais eficiente e um absorvedor de nêutrons mais eficaz do que o vapor, uma mudança na proporção de bolhas de vapor, ou ‘vazios’, no refrigerante resultará em uma mudança na reatividade do núcleo. A proporção dessas mudanças é denominada coeficiente de reatividade de vazio. Quando o coeficiente de reatividade de vazio é negativo, um aumento no vapor levará a uma diminuição na reatividade. Em reatores que o mesmo circuito de água atua como moderador e refrigerante, a geração de vapor em excesso reduz a desaceleração dos nêutrons necessária para sustentar a reação em cadeia nuclear. Isso leva a uma redução na potência e é um recurso básico de segurança.

O coeficiente de vazio de reatividade no RBMK* é positivo. Quando há um aumento de vapor no núcleo a reatividade do reator aumentará. Nesse caso, a redução da absorção de nêutrons como resultado da produção de vapor, e a presença de nêutrons extras livres, intensifica a reação em cadeia. Isso leva a um aumento na reatividade do sistema.

Embora em outros reatores o coeficiente de reatividade de vazio seja apenas um contribuinte para o coeficiente de reatividade geral, em reatores RBMK* é o componente dominante. No momento do acidente em Chernobyl, o coeficiente de reatividade de vazio era tão positivo que superou os outros componentes do coeficiente de potência, e o próprio coeficiente de potência tornou-se positivo. Quando a energia começou a aumentar, mais vapor foi produzido, o que por sua vez levou a um aumento na energia. O calor adicional resultante do aumento da potência elevou a temperatura no circuito de resfriamento e mais vapor foi produzido. Mais vapor significa menos resfriamento e menor absorção de nêutrons, resultando em um rápido aumento da potência para cerca de 100 vezes a capacidade nominal do reator causando a explosão.

Sala central de controle fonte:chnpp.gov.ua

Hoje, 10 reatores RBMK* ainda estão em uso, todos na Rússia. O projeto foi aprimorado em relação ao original devido às restrições de segurança adicionais colocadas no reator após o acidente. As mais importantes delas sendo a redução do coeficiente de reatividade de vazio, e aprimoramento do sistema de emergência. No entanto, ainda assim existem problemas com alguns desses reatores, já que muitos deles receberam extensões de suas vidas úteis, apesar de terem sido originalmente programados para desativação há anos.

Topo do núcleo do reator de uma usina RBMK*. Fonte: Wikimedia Commons

 

Consequências e o futuro

Mais de 30 anos depois, os cientistas estimam que a zona em torno da antiga usina não será habitável por até 20.000 anos. No entanto o evento serviu como um fator positivo para a melhoria nos fatores de segurança e conscientização da tecnologia nuclear. A indústria trabalha arduamente para minimizar a probabilidade de um acidente de derretimento do núcleo. O acidente de Fukushima (2011), onde ocorreu um derretimento triplo do núcleo, não causou mortes ou doses graves de radiação a ninguém, enquanto mais de duzentas pessoas continuaram trabalhando no local para mitigar os efeitos do acidente.

Angra 3 (em construção). Angra dos Reis – RJ. Brasil Fonte: eletronuclear.gov.br

 

As evidências ao longo de seis décadas da tecnologia mostram que a energia nuclear é um meio seguro de gerar eletricidade. O risco de acidentes em usinas nucleares é baixo e está diminuindo. Atualmente existem 441 reatores em operação, 53 em construção e 106 em planejamento em todo o mundo. No Brasil existem 2 reatores em funcionamento, Angra 1 e 2, ambos de design PWR gerando 3% da eletricidade total do país. Um terceiro reator, Angra 3, está em construção, porém sua obra foi interrompida devido a questões político-administrativas.

Na exposição do MCT, você encontra diversos experimentos que envolvem tecnologias utilizadas na geração de energia elétrica. Incluindo exemplo de energias renováveis como nuclear. Lá você pode interagir e descobrir de perto o funcionamento de uma usina nuclear.

 

Referências:
https://www.world-nuclear.org
https://ourworldindata.org/what-was-the-death-toll-from-chernobyl-and-fukushima https://www.energy.gov
https://www.eletronuclear.gov.br L. Lederman, “Safety of RBMK Reactors: Setting the Technical Framework,” IAEA Bull. 38, No. 1, 10 (1996).

*Reaktor Bolshoy Moshchnosty Kanalnyy (reator canalizado de alta potência)