Práticas Adaptativas Culturais Brasil-Austrália
Práticas Adaptativas Culturais Brasil-Austrália
Brasil e Austrália têm dezenas de milhares de anos de interação humana com seus ambientes únicos e variados. A dinâmica desses grupos indígenas e a pluralidade de vozes de seus descendentes contemporâneos são essenciais para explorar a complexa relação entre ecossistemas naturais, adaptação humana e modificação do meio ambiente, história e cosmologia. Ou, dito de outra maneira: “como vemos e cuidamos de nossos lugares no mundo”. Ao comparar duas narrativas amplas, únicas e diversas da interação indígena com o meio ambiente, no Brasil e na Austrália, podemos ilustrar a complexidade da adaptação humana e aprender lições aplicáveis sobre nosso relacionamento com o meio ambiente e a sociedade contemporânea.
Arqueologia, Antropologia e História são disciplinas essenciais para compreender e explicar como essas dinâmicas ocorreram em partes específicas do mundo. Os seguintes módulos “adaptativos” apresentados aqui como estudos de caso, procuram entender as sociedades indígenas de ambos os países. Pois, comparando alguns detalhes e contando pequenas histórias, podemos ver mais claramente como as diferentes condições ambientais influenciam as escolhas culturais tomadas e como, por sua vez, os relacionamentos culturais influenciam os comportamentos adaptativos no futuro. É, sem dúvida, um processo fascinante que tem uma longa história e uma complexa inter-relação entre os mais diversos agentes que está se desenrolando no nosso planeta nesse exato momento.
ESTUDOS DE CASO: adaptações culturais e comparações
Linguagem:
Abertura
Abertura
Quando pensamos em uma linguagem falada, muitas vezes pensamos nela apenas como um meio eficiente de transmitir mensagens, ideias práticas e emocionais entre pessoas. Entretanto, na realidade, ela é muito mais. A linguagem que usamos molda e organiza a maneira como pensamos e vivemos nossos mundos. Cada idioma é reflexo dessa “visão de mundo”, a cosmologia de uma cultura expressa verdades sobre os valores e preocupações fundamentais dessa cultura. Ao mesmo tempo, o vocabulário e a construção gramatical de cada língua podem informar sobre o desenvolvimento e as decisões tomadas pelos e pelas praticantes, em nível individual e de grupo. Nesse sentido, quando tratamos das línguas indígenas da Austrália, do Brasil ou de qualquer outra parte do globo, não estamos simplesmente confrontando uma série de sistemas de regras gramaticais e palavras, mas variedades de explicar, nomear, dividir, unir e maneiras de “estar” no mundo. Por esse motivo, as línguas são essenciais para obter qualquer acesso real ao funcionamento interno de cada cultura e começar a admirar como cada cultura é diferente em sua essência.
Apresentação das diferentes línguas indígenas e suas relações apresentadas em forma de “árvore”.
Fontes:
Povos Indígenas do Brasil. Povos Indígenas no Brasil – https://pib.socioambiental.org/
Abertura
Quando pensamos em uma linguagem falada, muitas vezes pensamos nela apenas como um meio eficiente de transmitir mensagens, ideias práticas e emocionais entre pessoas. Entretanto, na realidade, ela é muito mais. A linguagem que usamos molda e organiza a maneira como pensamos e vivemos nossos mundos. Cada idioma é reflexo dessa “visão de mundo”, a cosmologia de uma cultura expressa verdades sobre os valores e preocupações fundamentais dessa cultura. Ao mesmo tempo, o vocabulário e a construção gramatical de cada língua podem informar sobre o desenvolvimento e as decisões tomadas pelos e pelas praticantes, em nível individual e de grupo. Nesse sentido, quando tratamos das línguas indígenas da Austrália, do Brasil ou de qualquer outra parte do globo, não estamos simplesmente confrontando uma série de sistemas de regras gramaticais e palavras, mas variedades de explicar, nomear, dividir, unir e maneiras de “estar” no mundo. Por esse motivo, as línguas são essenciais para obter qualquer acesso real ao funcionamento interno de cada cultura e começar a admirar como cada cultura é diferente em sua essência.
Apresentação das diferentes línguas indígenas e suas relações apresentadas em forma de “árvore”.
Fontes:
Povos Indígenas do Brasil. Povos Indígenas no Brasil – https://pib.socioambiental.org/
Diversidade linguística no limite
Diversidade linguística no limite
Desde a chegada dos povoadores europeus na Austrália, foram tomadas medidas sistemáticas destinadas a erradicar a diversidade das línguas indígenas e institucionalizar o inglês como a língua dominante falada no continente. De tal modo, gerações de falantes nativos tiveram que manter sua língua nativa em segredo. Entretanto, apesar de tudo, até 300 dessas línguas nativas sobrevivem até hoje. Algumas são faladas apenas por poucas centenas de pessoas, outras até por milhares. Em todos os casos, a linguagem é fundamental para a identidade coletiva das pessoas e muitas vezes a única maneira de transmitir suas ideias e valores únicos para cada modelo culturalmente adaptável. Se uma linguagem falada for extinta, muitos conceitos e modos de “estar no mundo” desaparecem junto com ela.
Mapa linguístico aborígine da Austrália. Existem tantas línguas na Austrália quanto culturas.
Fontes:
The Australian Institute of Aboriginal and Torres Strait Islander Studies: https://aiatsis.gov.au/
Living Languages: https://shop.aiatsis.gov.au/pages/map-licensing
Diversidade linguística no limite
Desde a chegada dos povoadores europeus na Austrália, foram tomadas medidas sistemáticas destinadas a erradicar a diversidade das línguas indígenas e institucionalizar o inglês como a língua dominante falada no continente. De tal modo, gerações de falantes nativos tiveram que manter sua língua nativa em segredo. Entretanto, apesar de tudo, até 300 dessas línguas nativas sobrevivem até hoje. Algumas são faladas apenas por poucas centenas de pessoas, outras até por milhares. Em todos os casos, a linguagem é fundamental para a identidade coletiva das pessoas e muitas vezes a única maneira de transmitir suas ideias e valores únicos para cada modelo culturalmente adaptável. Se uma linguagem falada for extinta, muitos conceitos e modos de “estar no mundo” desaparecem junto com ela.
Mapa linguístico aborígine da Austrália. Existem tantas línguas na Austrália quanto culturas.
Fontes:
The Australian Institute of Aboriginal and Torres Strait Islander Studies: https://aiatsis.gov.au/
Living Languages: https://shop.aiatsis.gov.au/pages/map-licensing
A linguagem como um guia para a história
A linguagem como um guia para a história
Estima-se que existiam pelo menos 1.000 línguas distintas no Brasil na época da chegada dos portugueses. Hoje restam apenas 160 em uso. Desse modo, como se fossemos usar o DNA das espécies para reconstruir a história da evolução biológica, as línguas podem ser usadas para contar as histórias das pessoas, das suas raízes e das suas divergências. Especialmente em lugares quentes e úmidos como o Brasil, os vestígios arqueológicos de origem orgânica podem ser muito difíceis de se recuperar, devido à sua rápida deterioração. Nessas situações, as línguas vivas das comunidades indígenas atuais podem ser recursos incríveis para retroceder no tempo e compreender os movimentos geográficos e históricos de várias sociedades no decorrer de longos períodos de tempo. À medida que as línguas continuam a desaparecer ou a cair em desuso, um inestimável conhecimento histórico, que as contêm e que apenas começa a ser estudado, também deixa de existir.
Mapa do Brasil mostrando os principais povos indígenas na época do descobrimento.
Fontes:
Povos índigenas ao descobrimento.
http://noamazonaseassim.com.br/as-tribos-indigenas-do-estado-do-amazonas
A linguagem como um guia para a história
Estima-se que existiam pelo menos 1.000 línguas distintas no Brasil na época da chegada dos portugueses. Hoje restam apenas 160 em uso. Desse modo, como se fossemos usar o DNA das espécies para reconstruir a história da evolução biológica, as línguas podem ser usadas para contar as histórias das pessoas, das suas raízes e das suas divergências. Especialmente em lugares quentes e úmidos como o Brasil, os vestígios arqueológicos de origem orgânica podem ser muito difíceis de se recuperar, devido à sua rápida deterioração. Nessas situações, as línguas vivas das comunidades indígenas atuais podem ser recursos incríveis para retroceder no tempo e compreender os movimentos geográficos e históricos de várias sociedades no decorrer de longos períodos de tempo. À medida que as línguas continuam a desaparecer ou a cair em desuso, um inestimável conhecimento histórico, que as contêm e que apenas começa a ser estudado, também deixa de existir.
Mapa do Brasil mostrando os principais povos indígenas na época do descobrimento.
Fontes:
Povos índigenas ao descobrimento.
http://noamazonaseassim.com.br/as-tribos-indigenas-do-estado-do-amazonas
Relações Humano-Animal:
Apresentação
Apresentação
As atitudes cosmológicas e práticas que diferentes sociedades têm em relação a outros seres vivos podem ser surpreendentemente diferentes e moldar muitos aspectos da vida cotidiana. Enquanto as sociedades industrializadas tendem a abordar o mundo natural como uma fonte de matéria-prima para a utilidade e consumo humano, ao se explorar as visões de mundo indígenas sobre o assunto, encontramos uma variedade apaixonante quanto ao arranjo ideal entre a humanidade e seus semelhantes. Embora não sejam uniformes em detalhes ou resultados, essas “cosmologias ecológicas” indígenas têm a tendência de oferecer um arranjo altamente complexo e matizado entre as espécies, que parece faltar nas sociedades industrializadas orientadas apenas aos fins lucrativos.
Povo Tecuna durante cerimônia usando “roupa” animal-humana. (Spix; Martius, 1823-31).
Fontes:
SPIX, J. B. von; MARTIUS, C.F.P. von. Reise in Brasilien in den Jahren 1817 bis 1820. München, 1823-31.
Apresentação
As atitudes cosmológicas e práticas que diferentes sociedades têm em relação a outros seres vivos podem ser surpreendentemente diferentes e moldar muitos aspectos da vida cotidiana. Enquanto as sociedades industrializadas tendem a abordar o mundo natural como uma fonte de matéria-prima para a utilidade e consumo humano, ao se explorar as visões de mundo indígenas sobre o assunto, encontramos uma variedade apaixonante quanto ao arranjo ideal entre a humanidade e seus semelhantes. Embora não sejam uniformes em detalhes ou resultados, essas “cosmologias ecológicas” indígenas têm a tendência de oferecer um arranjo altamente complexo e matizado entre as espécies, que parece faltar nas sociedades industrializadas orientadas apenas aos fins lucrativos.
Povo Tecuna durante cerimônia usando “roupa” animal-humana. (Spix; Martius, 1823-31).
Fontes:
SPIX, J. B. von; MARTIUS, C.F.P. von. Reise in Brasilien in den Jahren 1817 bis 1820. München, 1823-31.
O “warpiri” da ecologia social Yarralin
O “warpiri” da ecologia social Yarralin
A comunidade Yarralin, uma das Primeiras Nações da Austrália, que inclui vários grupos linguísticos, está localizada no Território do Norte. Seus cerca de 300 residentes permanentes apresentam um esquema de linhagem incrivelmente complexo, que determina as relações entre os membros da comunidade com base na estrutura matrilinear, parentesco e responsabilidades, mas também define a relação de cada pessoa com uma determinada estação do ano, elementos e com seu animal essencial, ou warpiri.
Dependendo do seu parentesco cosmológico específico, que é determinado por uma série de medidas, você pode ou não ter o mesmo warpiri de seus parentes de “sangue” (um conceito que não funciona bem com o modelo de parentesco dos Yarralin). Seja qual for o caso, seu relacionamento com seu animal warpiri é concreto e vitalício. Comer esse animal em particular equivaleria a uma forma de endocanibalismo cosmológico. Alguns até afirmam sentir o cheiro de carne humana quando seu próprio warpiri é cozido.
Quando ocorre o falecimento de alguém na comunidade, durante um certo período determinado para o luto, o animal associado a essa pessoa em particular, não pode ser, de forma alguma, ferido ou caçado. Nesse pequeno retrato instantâneo de uma cosmo-ecologia, muito maior e mais complexa, as linhas entre parentesco-família e formas de vida animal estão inter-relacionadas em um nível de intimidade e sofisticação que indica a profundidade dessa maneira de explicar o mundo, dessa ontologia em particular.
Apresentação de um Warpiri. (Waterhouse, 2018).
Fontes:
WATERHOUSE, P. Restricted Images: Made with the Warlpiri of Central Australia. Spbh Editions. 2018.
O “warpiri” da ecologia social Yarralin
A comunidade Yarralin, uma das Primeiras Nações da Austrália, que inclui vários grupos linguísticos, está localizada no Território do Norte. Seus cerca de 300 residentes permanentes apresentam um esquema de linhagem incrivelmente complexo, que determina as relações entre os membros da comunidade com base na estrutura matrilinear, parentesco e responsabilidades, mas também define a relação de cada pessoa com uma determinada estação do ano, elementos e com seu animal essencial, ou warpiri.
Dependendo do seu parentesco cosmológico específico, que é determinado por uma série de medidas, você pode ou não ter o mesmo warpiri de seus parentes de “sangue” (um conceito que não funciona bem com o modelo de parentesco dos Yarralin). Seja qual for o caso, seu relacionamento com seu animal warpiri é concreto e vitalício. Comer esse animal em particular equivaleria a uma forma de endocanibalismo cosmológico. Alguns até afirmam sentir o cheiro de carne humana quando seu próprio warpiri é cozido.
Quando ocorre o falecimento de alguém na comunidade, durante um certo período determinado para o luto, o animal associado a essa pessoa em particular, não pode ser, de forma alguma, ferido ou caçado. Nesse pequeno retrato instantâneo de uma cosmo-ecologia, muito maior e mais complexa, as linhas entre parentesco-família e formas de vida animal estão inter-relacionadas em um nível de intimidade e sofisticação que indica a profundidade dessa maneira de explicar o mundo, dessa ontologia em particular.
Apresentação de um Warpiri. (Waterhouse, 2018).
Fontes:
WATERHOUSE, P. Restricted Images: Made with the Warlpiri of Central Australia. Spbh Editions. 2018.
O multinaturalismo das relações amazônicas
O multinaturalismo das relações amazônicas
Em algumas sociedades indígenas, essa variedade de seres naturais, incluindo os humanos, não representa uma hierarquia, mas diferentes manifestações físicas de seres sociais. O “perspectivismo” indígena vê os animais como humanos, animais, espíritos, plantas e até objetos, pois cada um tem suas próprias relações sociais e espirituais legítimas. Da mesma forma que a sociedade humana tende a se ver como o sujeito em torno do qual o resto dos demais seres operam, a cosmologia ameríndia permite aos outros seres e objetos uma posição semelhante a “pessoas” em sua visão de mundo.
Eles têm suas próprias casas ou vilas, comem refeições deliciosas, conversam e realizam rituais. Nesse sistema fica mais claro porque os/as xamãs se apresentam com peles de animais ao entrar no espaço espiritual desse animal. Elas e eles estão preparados para participar dessa sociedade “onça” específica, por exemplo, apenas no aparato tecnológico da “roupa” de onça. Essa visão multinatural do universo permite um respeito mútuo e uma interação com seres não humanos que geralmente é fechado para aqueles em sociedades industrializadas que definem “Cultura” em oposição a “Natureza”.
Jurupixuna usando máscaras de animais, (Watercolor by J.J. Codina. From: Ferreira, 1983).
Fontes:
FERREIRA, A. R. Viagem filosófica ao Rio Negro. Museu Paraense Emílio Goeldi 1983 [1787]).
VIVEIROS DE CASTRO, E. Cosmological Deixis and Amerindian Perspectivism. The Journal of the Royal Anthropological Institute, 4(3): 469-488, 1998.
O multinaturalismo das relações amazônicas
Em algumas sociedades indígenas, essa variedade de seres naturais, incluindo os humanos, não representa uma hierarquia, mas diferentes manifestações físicas de seres sociais. O “perspectivismo” indígena vê os animais como humanos, animais, espíritos, plantas e até objetos, pois cada um tem suas próprias relações sociais e espirituais legítimas. Da mesma forma que a sociedade humana tende a se ver como o sujeito em torno do qual o resto dos demais seres operam, a cosmologia ameríndia permite aos outros seres e objetos uma posição semelhante a “pessoas” em sua visão de mundo.
Eles têm suas próprias casas ou vilas, comem refeições deliciosas, conversam e realizam rituais. Nesse sistema fica mais claro porque os/as xamãs se apresentam com peles de animais ao entrar no espaço espiritual desse animal. Elas e eles estão preparados para participar dessa sociedade “onça” específica, por exemplo, apenas no aparato tecnológico da “roupa” de onça. Essa visão multinatural do universo permite um respeito mútuo e uma interação com seres não humanos que geralmente é fechado para aqueles em sociedades industrializadas que definem “Cultura” em oposição a “Natureza”.
Jurupixuna usando máscaras de animais, (Watercolor by J.J. Codina. From: Ferreira, 1983).
Fontes:
FERREIRA, A. R. Viagem filosófica ao Rio Negro. Museu Paraense Emílio Goeldi 1983 [1787]).
VIVEIROS DE CASTRO, E. Cosmological Deixis and Amerindian Perspectivism. The Journal of the Royal Anthropological Institute, 4(3): 469-488, 1998.
Arquitetura:
Entrada
Entrada
Sociedades humanas, muitas vezes, constroem sobre seus ambientes naturais, na forma de estruturas permanentes ou temporárias, o que chamamos de arquitetura. Essas estruturas podem funcionar como espaços de vida (nosso conceito de “casa”), espaços cerimoniais ou religiosos, podem ajudar na defesa, armazenamento ou servir a um propósito multifuncional. Para entender arquitetura, podemos abordá-la tanto como objeto quanto ambiente. A arquitetura indígena em todo o mundo é excepcional em forma e função, dependendo da perspectiva. Como todas as tecnologias adaptativas, muitas vezes, os materiais e a construção dos “edifícios” refletem os recursos e as condições que o ambiente específico oferece. O legado arquitetônico do Brasil e da Austrália se encaixa perfeitamente nesse modelo.
Casa de Macuxi. (Watercolor by E. Goodall. From: R.H. Schomburgk, 1836-39).
Fontes:
SCHOMBURGK, R. Reports to the Royal Geographical Society. Question de la frontière entre la Guyane Britannique et Brésil. London: Harrison & Sons. 1903, [1836-39].
Entrada
Sociedades humanas, muitas vezes, constroem sobre seus ambientes naturais, na forma de estruturas permanentes ou temporárias, o que chamamos de arquitetura. Essas estruturas podem funcionar como espaços de vida (nosso conceito de “casa”), espaços cerimoniais ou religiosos, podem ajudar na defesa, armazenamento ou servir a um propósito multifuncional. Para entender arquitetura, podemos abordá-la tanto como objeto quanto ambiente. A arquitetura indígena em todo o mundo é excepcional em forma e função, dependendo da perspectiva. Como todas as tecnologias adaptativas, muitas vezes, os materiais e a construção dos “edifícios” refletem os recursos e as condições que o ambiente específico oferece. O legado arquitetônico do Brasil e da Austrália se encaixa perfeitamente nesse modelo.
Casa de Macuxi. (Watercolor by E. Goodall. From: R.H. Schomburgk, 1836-39).
Fontes:
SCHOMBURGK, R. Reports to the Royal Geographical Society. Question de la frontière entre la Guyane Britannique et Brésil. London: Harrison & Sons. 1903, [1836-39].
Construções de montículos do Brasil
Construções de montículos do Brasil
Dezenas de milhares de construções de montículos, edificados por uma variedade de sociedades ao longo de milhares de anos, pontilham o mapa do Brasil. Frequentemente, aglomerados ou em grupos meticulosamente organizados, a única característica que eles têm em comum é o método de construção de terra ou concha acumulada, às vezes formando uma plataforma no topo. Os montículos variam em forma e em tamanho. Em alguns casos, existem indícios de que tenham alguma construção de madeira no topo, mas em outros casos não. Às vezes, eles têm sepultamentos humanos, itens valiosos como cerâmica, armas ou restos de animais inseridos no seu interior. Alguns desses acúmulos, especialmente aqueles localizados perto da praia, podem ter sidos construídos através do simples descarte de restos de moluscos, areia e de fragmentos ósseos de animais, enquanto outros parecem ter exigido centenas de pessoas trabalhando por muito tempo para sua construção. Em essência, eles apresentam uma grande variedade para serem definidos individualmente.
De certa forma, assemelham-se ao estilo de construção “geométrica” usada pelos construtores ocidentais modernos. O estilo-conceito de “enquadrar” pode ser aplicado igualmente para uma pequena casa, uma igreja, um hospital ou um teatro. Da mesma maneira, os edifícios montanhosos parecem ser uma técnica de arquitetura, em vez de definir seu uso particular. Em alguns aspectos, a edificação dos montículos orientados em direção a pontos específicos no horizonte, além dos seus artefatos associados, pode indicar seu uso ritualístico ou cosmológico. Montículos construídos como locais projetados para obter uma visão mais ampla sobre um corpo d”água ou no alto de montanhas apontam para uma funcionalidade de controle político ou de defesa.
Sambaqui monumental localizado na beira da estrada no sul do Brasil.
Fontes:
ALT, S. M. Histories of Mound Building and Scales of Explanation in Archaeology. In: BERNBECK, R.; MCGUIRE, R. H. (Org.) Ideologies In Archaeology. Tucson: The University of Arizona Press, 2011. cap. 8, p. 194-211.
BONOMO, M.; POLITIS, G. G. Mound Building, Social Complexity and Horticulture in the Lower Paraná. In: SMITH, C. (Org.) Encyclopedia of Global Archaeology. New York: Springer, 2018. p. 1-22.
Construções de montículos do Brasil
Dezenas de milhares de construções de montículos, edificados por uma variedade de sociedades ao longo de milhares de anos, pontilham o mapa do Brasil. Frequentemente, aglomerados ou em grupos meticulosamente organizados, a única característica que eles têm em comum é o método de construção de terra ou concha acumulada, às vezes formando uma plataforma no topo. Os montículos variam em forma e em tamanho. Em alguns casos, existem indícios de que tenham alguma construção de madeira no topo, mas em outros casos não. Às vezes, eles têm sepultamentos humanos, itens valiosos como cerâmica, armas ou restos de animais inseridos no seu interior. Alguns desses acúmulos, especialmente aqueles localizados perto da praia, podem ter sidos construídos através do simples descarte de restos de moluscos, areia e de fragmentos ósseos de animais, enquanto outros parecem ter exigido centenas de pessoas trabalhando por muito tempo para sua construção. Em essência, eles apresentam uma grande variedade para serem definidos individualmente.
De certa forma, assemelham-se ao estilo de construção “geométrica” usada pelos construtores ocidentais modernos. O estilo-conceito de “enquadrar” pode ser aplicado igualmente para uma pequena casa, uma igreja, um hospital ou um teatro. Da mesma maneira, os edifícios montanhosos parecem ser uma técnica de arquitetura, em vez de definir seu uso particular. Em alguns aspectos, a edificação dos montículos orientados em direção a pontos específicos no horizonte, além dos seus artefatos associados, pode indicar seu uso ritualístico ou cosmológico. Montículos construídos como locais projetados para obter uma visão mais ampla sobre um corpo d”água ou no alto de montanhas apontam para uma funcionalidade de controle político ou de defesa.
Sambaqui monumental localizado na beira da estrada no sul do Brasil.
Fontes:
ALT, S. M. Histories of Mound Building and Scales of Explanation in Archaeology. In: BERNBECK, R.; MCGUIRE, R. H. (Org.) Ideologies In Archaeology. Tucson: The University of Arizona Press, 2011. cap. 8, p. 194-211.
BONOMO, M.; POLITIS, G. G. Mound Building, Social Complexity and Horticulture in the Lower Paraná. In: SMITH, C. (Org.) Encyclopedia of Global Archaeology. New York: Springer, 2018. p. 1-22.
Arquitetura indígena no mundo contemporâneo
Arquitetura indígena no mundo contemporâneo
Como suas contrapartes brasileiras, os habitantes originários da Austrália construíram uma ampla variedade de tipos de edifícios adequados às condições ambientais e sazonais específicas – acampamentos de caça do tipo “quebra-ventos”, lugares de refeições comunitárias etc. Igualmente essencial, mas muitas vezes mais difícil de entender para aqueles de fora das comunidades, é a importância cultural e conceitual associada ao design específico e compartimentação dos espaços. De forma semelhante à sociabilidade e abertura que associamos às nossas salas de estar, à privacidade esperada dos nossos quartos, à funcionalidade da cozinha ou ao armazenamento de bens no sótão, os espaços arquitetônicos indígenas também são concebidos e utilizados de formas significativas.
Enquanto o povo da Austrália e seu governo tentam corrigir ou incorporar o povo das Primeiras Nações em seus planos de desenvolvimento nacional, está se tornando aparente pela primeira vez que os edifícios devem ser projetados baseados nas suas ideias aborígenes, se quiserem ter sucesso no apoio à essas comunidades. O reconhecimento cria uma oportunidade fascinante para os princípios culturais do uso do espaço ressurgirem nos espaços públicos, habitações, instalações de saúde e design geral da Austrália contemporânea. É um grande desafio construir compreensão através das divisões culturais após séculos de desconfiança e exploração.
Neste complexo habitacional de Kununurra, os edifícios incorporam áreas de estar externas (Fotografia de Peter Bennetts. In: The Handbook of Contemporary Indigenous Architecture).
Fontes:
GRANT, E.; GREENOP, K.; REFITI, A.; GLEEN, D. (eds.) The Handbook of Contemporary Indigenous Architecture. New York: Springer, 2018.
Arquitetura indígena no mundo contemporâneo
Como suas contrapartes brasileiras, os habitantes originários da Austrália construíram uma ampla variedade de tipos de edifícios adequados às condições ambientais e sazonais específicas – acampamentos de caça do tipo “quebra-ventos”, lugares de refeições comunitárias etc. Igualmente essencial, mas muitas vezes mais difícil de entender para aqueles de fora das comunidades, é a importância cultural e conceitual associada ao design específico e compartimentação dos espaços. De forma semelhante à sociabilidade e abertura que associamos às nossas salas de estar, à privacidade esperada dos nossos quartos, à funcionalidade da cozinha ou ao armazenamento de bens no sótão, os espaços arquitetônicos indígenas também são concebidos e utilizados de formas significativas.
Enquanto o povo da Austrália e seu governo tentam corrigir ou incorporar o povo das Primeiras Nações em seus planos de desenvolvimento nacional, está se tornando aparente pela primeira vez que os edifícios devem ser projetados baseados nas suas ideias aborígenes, se quiserem ter sucesso no apoio à essas comunidades. O reconhecimento cria uma oportunidade fascinante para os princípios culturais do uso do espaço ressurgirem nos espaços públicos, habitações, instalações de saúde e design geral da Austrália contemporânea. É um grande desafio construir compreensão através das divisões culturais após séculos de desconfiança e exploração.
Neste complexo habitacional de Kununurra, os edifícios incorporam áreas de estar externas (Fotografia de Peter Bennetts. In: The Handbook of Contemporary Indigenous Architecture).
Fontes:
GRANT, E.; GREENOP, K.; REFITI, A.; GLEEN, D. (eds.) The Handbook of Contemporary Indigenous Architecture. New York: Springer, 2018.
O uso do fogo:
Ignição
Ignição
O que chamamos de “fogo” é o aspecto visível de uma combustão que libera calor e luz. O fogo pode aparecer como chama e/ou brasa, dependendo do estado físico do material combustível. Existem quatro condições para o desenvolvimento e sustentação do fogo: uma substância inflamável, oxigênio e a temperatura mínima de combustão, bem como as proporções corretas de substância inflamável com o oxigênio.
A criação de fogo é uma das técnicas culturais mais importantes. Fazer e dominar o fogo, habilidades comprovadas desde aproximadamente 800.00 anos, representam um fator muito importante na evolução humana e faz parte essencial de todas as civilizações. O fogo oferece calor, luz e proteção contra predadores e insetos. Sua manutenção socializa, ajusta o tempo e libera a mente para poder vagar. Fogo cozinha ou assa os alimentos o que facilita sua digestão. Além disso, defumado ou secado, os alimentos podem ser preservados por mais tempo. O aquecimento dos alimentos também reduz sua exposição a parasitas patogênicos, bactérias e vírus, tornando a vida mais segura e saudável. O fogo possibilita o endurecimento da madeira, da pedra, da argila para fazer cerâmica e para fundir minérios. A importância do fogo para a Humanidade reflete-se também em vários mitos que associam o fogo e sua posse a poderes sobrenaturais e sobre-humanos.
Fogo e fumaça na mata. Homens Waurá praticando cultivo no sistema de coivara. (Foto: Harald Schultz).
Ignição
O que chamamos de “fogo” é o aspecto visível de uma combustão que libera calor e luz. O fogo pode aparecer como chama e/ou brasa, dependendo do estado físico do material combustível. Existem quatro condições para o desenvolvimento e sustentação do fogo: uma substância inflamável, oxigênio e a temperatura mínima de combustão, bem como as proporções corretas de substância inflamável com o oxigênio.
A criação de fogo é uma das técnicas culturais mais importantes. Fazer e dominar o fogo, habilidades comprovadas desde aproximadamente 800.00 anos, representam um fator muito importante na evolução humana e faz parte essencial de todas as civilizações. O fogo oferece calor, luz e proteção contra predadores e insetos. Sua manutenção socializa, ajusta o tempo e libera a mente para poder vagar. Fogo cozinha ou assa os alimentos o que facilita sua digestão. Além disso, defumado ou secado, os alimentos podem ser preservados por mais tempo. O aquecimento dos alimentos também reduz sua exposição a parasitas patogênicos, bactérias e vírus, tornando a vida mais segura e saudável. O fogo possibilita o endurecimento da madeira, da pedra, da argila para fazer cerâmica e para fundir minérios. A importância do fogo para a Humanidade reflete-se também em vários mitos que associam o fogo e sua posse a poderes sobrenaturais e sobre-humanos.
Fogo e fumaça na mata. Homens Waurá praticando cultivo no sistema de coivara. (Foto: Harald Schultz).
Origens mitológicas do fogo
Origens mitológicas do fogo
Como a existência de fogo e fumaça foi explicada e relatada pelos povos nativos do Brasil? Isso depende muito do grupo étnico. O fogo era usado, mas não “pertencia” às pessoas. O próprio fogo não lhes foi dado por ninguém, mas teve que ser conquistado ou roubado de seus donos com ousadia e com a ajuda de alguns amigos, como crianças, um sapo ou um porquinho-da-Índia.
Durante o dia, o sol estava lá para todos, mas o fogo estava sempre escondido em algum lugar: no corpo de alguém, dentro de algumas pedras ou dentro das árvores. Para o povo Taulipáng, por exemplo, o fogo estava escondido nas entranhas de uma mulher idosa. Um dia ela soltou um peido alto quando se curvou para pegar um pouco de lenha. Assim ela acendeu o fogo e fez muito pão de mandioca. Uma garotinha, que viu isso, contou para seu povo. Eles foram, então, até uma mulher para pedir-lhe um pouco de fogo para assar seu próprio pão. Quando ela negou, eles a amarraram com as mãos e os pés e pressionaram com força sua barriga. Ela, porém soltou algumas pedras que, ao baterem umas contra as outras, geraram fogo. As pessoas agora poderiam fazer seu próprio fogo.
Detalhe de um cesto de transporte que representa, no estilo Wayana, alguns donos mitológicos do fogo: Onça (à direita), quati e pássaros (em cima). (Velthem, 2001).
Fontes:
KOCH-GRÜNBERG, Theodor. Vom Roraima zum Orinoco. Ergebnisse einer Reise in Nordbrasilien und Venezuela in den Jahren 1911-1913. 2.ed. Stuttgart: Strecker und Schröder. 3.v. 1923.
NIMUENDAJÚ, Curt. Sagen der Tembé-Indianer (Pará und Maranhão). Zeitschrift für Ethnologie 47:281-301. 1915.
VELTHEM, Lucia van. The woven Universe: Carib Basketry. In: McEWAN, C.; BARRETO, Ch.; NEVES, E. G. 1 Unknown Amazon. Cultured in Nature in Ancient Brazil. London: The British Museum Press, 2001, p. 198-213.
Origens mitológicas do fogo
Como a existência de fogo e fumaça foi explicada e relatada pelos povos nativos do Brasil? Isso depende muito do grupo étnico. O fogo era usado, mas não “pertencia” às pessoas. O próprio fogo não lhes foi dado por ninguém, mas teve que ser conquistado ou roubado de seus donos com ousadia e com a ajuda de alguns amigos, como crianças, um sapo ou um porquinho-da-Índia.
Durante o dia, o sol estava lá para todos, mas o fogo estava sempre escondido em algum lugar: no corpo de alguém, dentro de algumas pedras ou dentro das árvores. Para o povo Taulipáng, por exemplo, o fogo estava escondido nas entranhas de uma mulher idosa. Um dia ela soltou um peido alto quando se curvou para pegar um pouco de lenha. Assim ela acendeu o fogo e fez muito pão de mandioca. Uma garotinha, que viu isso, contou para seu povo. Eles foram, então, até uma mulher para pedir-lhe um pouco de fogo para assar seu próprio pão. Quando ela negou, eles a amarraram com as mãos e os pés e pressionaram com força sua barriga. Ela, porém soltou algumas pedras que, ao baterem umas contra as outras, geraram fogo. As pessoas agora poderiam fazer seu próprio fogo.
Detalhe de um cesto de transporte que representa, no estilo Wayana, alguns donos mitológicos do fogo: Onça (à direita), quati e pássaros (em cima). (Velthem, 2001).
Fontes:
KOCH-GRÜNBERG, Theodor. Vom Roraima zum Orinoco. Ergebnisse einer Reise in Nordbrasilien und Venezuela in den Jahren 1911-1913. 2.ed. Stuttgart: Strecker und Schröder. 3.v. 1923.
NIMUENDAJÚ, Curt. Sagen der Tembé-Indianer (Pará und Maranhão). Zeitschrift für Ethnologie 47:281-301. 1915.
VELTHEM, Lucia van. The woven Universe: Carib Basketry. In: McEWAN, C.; BARRETO, Ch.; NEVES, E. G. 1 Unknown Amazon. Cultured in Nature in Ancient Brazil. London: The British Museum Press, 2001, p. 198-213.
Os donos mitológicos do fogo
Os donos mitológicos do fogo
Aves grandes, como abutres ou harpias, também possuíam fogo. É por isso que eles são tão poderosos. A conexão mitológica com o fogo é uma relação de causa e efeito e constrói uma sequência de signos associados. Quando há fogo, há fumaça. Quando há fumaça, há calor que provoca ventos térmicos e um bando de urubus circulando no ar, e quando há urubus, há animais mortos, abatidos pelo fogo. Como abutres, circulando no ar quente acima da fumaça e da lenha queimando abaixo, o povo Tembé aprendeu a liberar o fogo escondido em certas árvores, girando dois pedaços de madeira contra outro. Hans Staden, um soldado alemão, observou em 1552 essa técnica entre os povos Tupinambá, quando viveu entre eles por quase um ano.
Ilustração de Tupinambá fazendo fogo. (Staden, 1974).
Fontes:
STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974, [1557].
Os donos mitológicos do fogo
Aves grandes, como abutres ou harpias, também possuíam fogo. É por isso que eles são tão poderosos. A conexão mitológica com o fogo é uma relação de causa e efeito e constrói uma sequência de signos associados. Quando há fogo, há fumaça. Quando há fumaça, há calor que provoca ventos térmicos e um bando de urubus circulando no ar, e quando há urubus, há animais mortos, abatidos pelo fogo. Como abutres, circulando no ar quente acima da fumaça e da lenha queimando abaixo, o povo Tembé aprendeu a liberar o fogo escondido em certas árvores, girando dois pedaços de madeira contra outro. Hans Staden, um soldado alemão, observou em 1552 essa técnica entre os povos Tupinambá, quando viveu entre eles por quase um ano.
Ilustração de Tupinambá fazendo fogo. (Staden, 1974).
Fontes:
STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974, [1557].
Fogo como um sinal
Fogo como um sinal
Quando o explorador florentino Américo Vespúcio explorou a costa brasileira, em 1501, ele escreveu: “Não vimos ninguém, mas eles estavam por toda parte, porque vi seus sinais por toda parte na mata. Eles fazem esses sinais de fumaça para nos convidar a vir à terra para conversar conosco e trocar presentes. Dois dos nossos homens foram com eles ver o que queriam nos mostrar e nunca mais foram vistos”. Eles foram selecionados para fazer parte de um ritual antropofágico que Vespúcio disse ter visto com seus próprios olhos alguns anos depois. Ele associou fumaça ao fogo e ao canibalismo, conforme ilustrado por Johann Froschauer (1505). Essa imagem da população nativa brasileira de ser um povo antropófago e selvagem se preservou ainda por séculos.
Ilustração de um suposto ritual antropofágico praticado pelos Tupinambá. (Desenho de Johann Froschauer, 1505. In: Vespúcio, 1984).
Fontes:
VESPÚCIO, Américo. Novo Mundo. Cartas de viagens e descobertas. Porto Alegre: L&PM Editores, 1984.
Fogo como um sinal
Quando o explorador florentino Américo Vespúcio explorou a costa brasileira, em 1501, ele escreveu: “Não vimos ninguém, mas eles estavam por toda parte, porque vi seus sinais por toda parte na mata. Eles fazem esses sinais de fumaça para nos convidar a vir à terra para conversar conosco e trocar presentes. Dois dos nossos homens foram com eles ver o que queriam nos mostrar e nunca mais foram vistos”. Eles foram selecionados para fazer parte de um ritual antropofágico que Vespúcio disse ter visto com seus próprios olhos alguns anos depois. Ele associou fumaça ao fogo e ao canibalismo, conforme ilustrado por Johann Froschauer (1505). Essa imagem da população nativa brasileira de ser um povo antropófago e selvagem se preservou ainda por séculos.
Ilustração de um suposto ritual antropofágico praticado pelos Tupinambá. (Desenho de Johann Froschauer, 1505. In: Vespúcio, 1984).
Fontes:
VESPÚCIO, Américo. Novo Mundo. Cartas de viagens e descobertas. Porto Alegre: L&PM Editores, 1984.
Fogo domesticado
Fogo domesticado
O fogo também pode ser concebido como um objeto. Quando é mantido e usado por pessoas, torna-se uma ferramenta poderosa e útil. Dentro das casas das pessoas, existem muitos lugares onde o fogo é mantido domesticado e alimentado com lenha que as mulheres trazem de fora. Nenhuma casa indígena subsiste sem fogo, o qual é mantido aceso dia e noite. Alguns grandes troncos de madeira são dispostos de forma que as pontas em chamas ou fumegantes sejam colocadas juntas, uma contra a outra, em forma de estrela. Para manter o fogo aceso por vários dias, basta rearranjá-los de vez em quando, aproximando os troncos e voltando-os para o centro do fogo. Se o fogo, mesmo assim, se apaga, pega-se fogo no vizinho, como é de costume.
O fogo é mantido dentro das casas como um instrumento domesticado para cozinhar, grelhar e defumar alimentos. (Garmelo; Baré, 2009).
Fontes:
GARMELO, Luiza; BARÉ, Gilda Barreto. Comidas tradicionais indígenas do Alto Rio Negro-AM. Manaus: Fiocruz, 2009.
Fogo domesticado
O fogo também pode ser concebido como um objeto. Quando é mantido e usado por pessoas, torna-se uma ferramenta poderosa e útil. Dentro das casas das pessoas, existem muitos lugares onde o fogo é mantido domesticado e alimentado com lenha que as mulheres trazem de fora. Nenhuma casa indígena subsiste sem fogo, o qual é mantido aceso dia e noite. Alguns grandes troncos de madeira são dispostos de forma que as pontas em chamas ou fumegantes sejam colocadas juntas, uma contra a outra, em forma de estrela. Para manter o fogo aceso por vários dias, basta rearranjá-los de vez em quando, aproximando os troncos e voltando-os para o centro do fogo. Se o fogo, mesmo assim, se apaga, pega-se fogo no vizinho, como é de costume.
O fogo é mantido dentro das casas como um instrumento domesticado para cozinhar, grelhar e defumar alimentos. (Garmelo; Baré, 2009).
Fontes:
GARMELO, Luiza; BARÉ, Gilda Barreto. Comidas tradicionais indígenas do Alto Rio Negro-AM. Manaus: Fiocruz, 2009.
Fogo como utensílio
Fogo como utensílio
Quando o fogo é usado para limpar a floresta para plantar e caçar, a madeira é convertida em calor, fumaça, cinzas e carvão, o que enriquece o solo infértil e promove um ambiente de plantio fértil. Os especialistas chamam esse solo de “terra preta antropogênica”. Esse solo preto artificial é muito fértil, libera lentamente sua energia concentrada ao longo de centenas de anos, nutrindo as plantas, como milho, mandioca, fumo, amendoim, feijão, abóbora, abacaxi e assim por diante.
No entanto, um incêndio de limpeza pode ser uma energia perigosa se não for aplicada corretamente, deixando um terreno devastado, impróprio para qualquer coisa, abandonado. Os nativos americanos sabem manejar a relação entre a madeira, a combustão e o fogo. Sabem quanta madeira é necessária para mantê-lo vivo, sem perder o controle. Eles cortam pequenas árvores e arbustos com seus machados de pedra polida, deixando as árvores maiores de pé. Os galhos e as árvores menores são amontoados e a pilha de madeira precisa secar com o calor do sol.
Palha, pequenos alhos e estilhaços de madeira são adicionados a esse monte de madeira, incluindo o material feltro dos ninhos de certas espécies de formigas que pega fogo facilmente. Ao soprar com cautela, a chama emergirá e nasce dessa maneira controlada. É um trabalho muito cansativo, mas ilustra o cuidado com que essas sociedades têm manejado e preservado seus ambientes por milênios.
Plantação em coivara. (Foto: Klaus Hilbert, 1990).
Fontes:
CARNEIRO, Robert L. 1973. Slash-and-burn cultivation among the Kuikuru and its implications for development in the Amazon basin. In: GROSS, Daniel R. (ed.). Peoples and cultures in native South America. New York, Garden City: Doubleday. p. 98-125.
SOMBROEK, W.G. 1984. Soils of the Amazon Region. In: SIOLI, Harald. (ed.). The Amazon. Limnology and Landscape Ecology of a Mighty Tropical River and its Basin. Dordrecht: Junk Publishers. p. 521-535.
Fogo como utensílio
Quando o fogo é usado para limpar a floresta para plantar e caçar, a madeira é convertida em calor, fumaça, cinzas e carvão, o que enriquece o solo infértil e promove um ambiente de plantio fértil. Os especialistas chamam esse solo de “terra preta antropogênica”. Esse solo preto artificial é muito fértil, libera lentamente sua energia concentrada ao longo de centenas de anos, nutrindo as plantas, como milho, mandioca, fumo, amendoim, feijão, abóbora, abacaxi e assim por diante.
No entanto, um incêndio de limpeza pode ser uma energia perigosa se não for aplicada corretamente, deixando um terreno devastado, impróprio para qualquer coisa, abandonado. Os nativos americanos sabem manejar a relação entre a madeira, a combustão e o fogo. Sabem quanta madeira é necessária para mantê-lo vivo, sem perder o controle. Eles cortam pequenas árvores e arbustos com seus machados de pedra polida, deixando as árvores maiores de pé. Os galhos e as árvores menores são amontoados e a pilha de madeira precisa secar com o calor do sol.
Palha, pequenos alhos e estilhaços de madeira são adicionados a esse monte de madeira, incluindo o material feltro dos ninhos de certas espécies de formigas que pega fogo facilmente. Ao soprar com cautela, a chama emergirá e nasce dessa maneira controlada. É um trabalho muito cansativo, mas ilustra o cuidado com que essas sociedades têm manejado e preservado seus ambientes por milênios.
Plantação em coivara. (Foto: Klaus Hilbert, 1990).
Fontes:
CARNEIRO, Robert L. 1973. Slash-and-burn cultivation among the Kuikuru and its implications for development in the Amazon basin. In: GROSS, Daniel R. (ed.). Peoples and cultures in native South America. New York, Garden City: Doubleday. p. 98-125.
SOMBROEK, W.G. 1984. Soils of the Amazon Region. In: SIOLI, Harald. (ed.). The Amazon. Limnology and Landscape Ecology of a Mighty Tropical River and its Basin. Dordrecht: Junk Publishers. p. 521-535.
Alimentação: comer e beber
Aperitivo
Aperitivo
O corpo humano necessita de energia calórica para sustentar sua funcionalidade. Essas proteínas, açúcares e carboidratos podem chegar na forma de frutas, vegetais ou animais. Embora o princípio geral em torno do consumo de alimentos seja universal, cada ambiente oferece e exige diferentes técnicas para tornar esse processo confiável e sustentável. Além disso, como a obtenção de alimentos é uma atividade que exige muita força e mãos muitas vezes coletivas, ela tem enormes implicações culturais e sociais. O consumo de alimentos é abordado e percebido de diferentes maneiras por diferentes sociedades, geralmente associado a estruturas sociais, às vezes cerimoniais ou ritualísticas, mas sempre com algum tipo de expectativa comunitária sobre as formas “certas” e “erradas” de comer, incluindo tabus sobre quais tipos de fontes de energia devem ser considerados, alimentos ou não.
O Botocudo “Quäck”, caçando uma grande borboleta. (Aquarela de M. Wied-Neuwied, 1817).
Fontes:
WIED-NEUWIED, M. von. Viagem ao Brasil. São Paulo: Nacional, 1958, [1815-17].
Aperitivo
O corpo humano necessita de energia calórica para sustentar sua funcionalidade. Essas proteínas, açúcares e carboidratos podem chegar na forma de frutas, vegetais ou animais. Embora o princípio geral em torno do consumo de alimentos seja universal, cada ambiente oferece e exige diferentes técnicas para tornar esse processo confiável e sustentável. Além disso, como a obtenção de alimentos é uma atividade que exige muita força e mãos muitas vezes coletivas, ela tem enormes implicações culturais e sociais. O consumo de alimentos é abordado e percebido de diferentes maneiras por diferentes sociedades, geralmente associado a estruturas sociais, às vezes cerimoniais ou ritualísticas, mas sempre com algum tipo de expectativa comunitária sobre as formas “certas” e “erradas” de comer, incluindo tabus sobre quais tipos de fontes de energia devem ser considerados, alimentos ou não.
O Botocudo “Quäck”, caçando uma grande borboleta. (Aquarela de M. Wied-Neuwied, 1817).
Fontes:
WIED-NEUWIED, M. von. Viagem ao Brasil. São Paulo: Nacional, 1958, [1815-17].
Boas-vindas
Boas-vindas
Espaços para sentar-se ao redor de uma fogueira, dentro ou fora de casa, são os lugares centrais de socialização nas sociedades indígenas brasileiras. A fogueira não é apenas um local para se aquecer, mas também pode ser grelha ou fogão para preparar as refeições, geralmente numa enorme panela de barro da qual qualquer pessoa pode-se servir a qualquer hora. No entanto, como em todas as sociedades, existem certas regras a serem seguidas. Se um estranho ou mesmo um membro de seu próprio grupo se aproxima de sua casa como visitante, ele pode entrar e sentar-se em uma rede, à vontade. As mulheres sentam-se ao redor dele agachadas, colocam as duas mãos na frente do rosto e começam a chorar e lamentar diante do convidado pelos esforços e perigos da jornada que ele fez para visitá-los e dar a ele todos os tipos de bons votos. Esse lamento continua até que o visitante fica entediado e manda as mulheres pararem de chorar. A comida só é levada ao convidado quando toda essa cerimônia de saudação foi devidamente realizada.
O primeiro encontro entre os Portugueses e os Tupinambá, imaginada e romantizada por Victor Meirelles (1860). A Primeira Missa no Brasil.
Boas-vindas
Espaços para sentar-se ao redor de uma fogueira, dentro ou fora de casa, são os lugares centrais de socialização nas sociedades indígenas brasileiras. A fogueira não é apenas um local para se aquecer, mas também pode ser grelha ou fogão para preparar as refeições, geralmente numa enorme panela de barro da qual qualquer pessoa pode-se servir a qualquer hora. No entanto, como em todas as sociedades, existem certas regras a serem seguidas. Se um estranho ou mesmo um membro de seu próprio grupo se aproxima de sua casa como visitante, ele pode entrar e sentar-se em uma rede, à vontade. As mulheres sentam-se ao redor dele agachadas, colocam as duas mãos na frente do rosto e começam a chorar e lamentar diante do convidado pelos esforços e perigos da jornada que ele fez para visitá-los e dar a ele todos os tipos de bons votos. Esse lamento continua até que o visitante fica entediado e manda as mulheres pararem de chorar. A comida só é levada ao convidado quando toda essa cerimônia de saudação foi devidamente realizada.
O primeiro encontro entre os Portugueses e os Tupinambá, imaginada e romantizada por Victor Meirelles (1860). A Primeira Missa no Brasil.
Hábitos alimentares
Hábitos alimentares
Durante o dia, os Tupinambás comem deitados na rede e todos os familiares comem juntos. O chefe da família divide a comida, que tira de uma panela de barro colocada no fogo, em porções iguais, e muitas vezes fica sem nada. Enquanto comem, não bebem, o que fazem depois. Quando os Tupinambás comem à noite, eles se sentam no chão, de costas para o fogo e todos comem no escuro. Quando terminam, eles não fazem mais nada, exceto digerir, até que o sono os domine.
Pelo contrário, os Warrau comem pouco de cada vez, portanto, com mais frequência. Eles comem, pelo menos, cinco vezes ao dia. As esposas raramente têm permissão para comer na companhia dos homens. Essa regra é válida para muitos povos indígenas. Se o tempo está bom, os Warrau fazem suas refeições na frente da casa. As esposas servem a comida – batata-doce, aipim, beiju (pão de mandioca) – num prato feito de folhas de palmeira entrelaçadas e o colocam no chão, bem perto deles. Depois que elas se retiram, os homens, sentados sobre os calcanhares, juntam-se à volta da panela fumegante, metem os pedacinhos de pão de mandioca no pote e tentam, com a ajuda dos dedos, tirar a comida da vasilha. Assim que sua fome é satisfeita, os homens deixam o círculo. Quando o último membro do sexo masculino “sai da mesa”, as mulheres se aproximam e devem se contentar com o que sobrou. Mas elas, no entanto, sabem como se prevenir contra a fome e garantir suas refeições por meio de vários pequenos potes, cheios de guloseimas, escondidos em todos os cantos da casa, e depois que os homens se retirarem, dar-lhes uma refeição mais abundante.
Hábitos alimentares e preparo de alimentos, (beiju), entre os Wapixana. (Schomburgk, 1841).
Fontes:
SOUSA, G. S. de. Tratado descriptivo do Brasil: em 1587. São Paulo: Editora Nacional, 1938.
SCHOMBURGK, R. Twelve Views in the Interior of Guiana. London: Ackermann & Co.1841.
Hábitos alimentares
Durante o dia, os Tupinambás comem deitados na rede e todos os familiares comem juntos. O chefe da família divide a comida, que tira de uma panela de barro colocada no fogo, em porções iguais, e muitas vezes fica sem nada. Enquanto comem, não bebem, o que fazem depois. Quando os Tupinambás comem à noite, eles se sentam no chão, de costas para o fogo e todos comem no escuro. Quando terminam, eles não fazem mais nada, exceto digerir, até que o sono os domine.
Pelo contrário, os Warrau comem pouco de cada vez, portanto, com mais frequência. Eles comem, pelo menos, cinco vezes ao dia. As esposas raramente têm permissão para comer na companhia dos homens. Essa regra é válida para muitos povos indígenas. Se o tempo está bom, os Warrau fazem suas refeições na frente da casa. As esposas servem a comida – batata-doce, aipim, beiju (pão de mandioca) – num prato feito de folhas de palmeira entrelaçadas e o colocam no chão, bem perto deles. Depois que elas se retiram, os homens, sentados sobre os calcanhares, juntam-se à volta da panela fumegante, metem os pedacinhos de pão de mandioca no pote e tentam, com a ajuda dos dedos, tirar a comida da vasilha. Assim que sua fome é satisfeita, os homens deixam o círculo. Quando o último membro do sexo masculino “sai da mesa”, as mulheres se aproximam e devem se contentar com o que sobrou. Mas elas, no entanto, sabem como se prevenir contra a fome e garantir suas refeições por meio de vários pequenos potes, cheios de guloseimas, escondidos em todos os cantos da casa, e depois que os homens se retirarem, dar-lhes uma refeição mais abundante.
Hábitos alimentares e preparo de alimentos, (beiju), entre os Wapixana. (Schomburgk, 1841).
Fontes:
SOUSA, G. S. de. Tratado descriptivo do Brasil: em 1587. São Paulo: Editora Nacional, 1938.
SCHOMBURGK, R. Twelve Views in the Interior of Guiana. London: Ackermann & Co.1841.
Gênero e a preparação de alimentos
Gênero e a preparação de alimentos
Existe uma divisão estrita de trabalho entre os dois sexos. O homem frita, enquanto a mulher cozinha a comida. Só muito raramente e com relutância um homem fará o trabalho feminino e vice-versa. A alimentação básica da população indígena brasileira inclui tanto material animal quanto vegetal. Os homens fornecem os animais, através da caça e da pesca, enquanto as mulheres, quase desassistidas, fornecem os últimos.
Os caçadores, ao regressarem de alguns dias de viagem na mata, defumam a carne na grelha (moquém) ou salgam o peixe. Um fogo, que não é muito forte, é mantido sob a grelha dia e noite até que a carne se torne completamente preta e dura como ossos, de modo que às vezes é necessário cortá-la com um machado e depois cozinhar os pedaços para torna-los um pouco mais palatáveis. Esses são os processos mais grosseiros, que não faz parte do cozimento final da carne, mas apenas para preservá-la até que possa ser entregue às mulheres em casa. No que se refere à carne que os homens consomem durante as excursões de caça e pesca, o método de preparo é extremamente simples. A carne é, de fato, frequentemente comida apenas no estado “mal passado”, meio defumado, no qual é retirada da grelha, ou, no máximo, é cortada em tirinhas, que são fixadas em um galho e assim mantidas ou presas sobre o fogo até serem assadas. Todos os outros cozimentos, não só da carne-seca trazida para casa e a carne obtida perto da aldeia para ser cozinhada fresca, mas também do pão de mandioca, alimento básico, é feito pelas mulheres.
Ilustração de mulheres Tupinambá plantando e os homens preparando a roça, derrubando a mata. (Staden, 1974).
Fontes:
KOCH-GRÜNBERG, Theodor. Zwei Jahre unter den Indianern Nordwest-Brasiliens. Stuttgart: Strecker & Schröder, 1923.
STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974, [1557].
Gênero e a preparação de alimentos
Existe uma divisão estrita de trabalho entre os dois sexos. O homem frita, enquanto a mulher cozinha a comida. Só muito raramente e com relutância um homem fará o trabalho feminino e vice-versa. A alimentação básica da população indígena brasileira inclui tanto material animal quanto vegetal. Os homens fornecem os animais, através da caça e da pesca, enquanto as mulheres, quase desassistidas, fornecem os últimos.
Os caçadores, ao regressarem de alguns dias de viagem na mata, defumam a carne na grelha (moquém) ou salgam o peixe. Um fogo, que não é muito forte, é mantido sob a grelha dia e noite até que a carne se torne completamente preta e dura como ossos, de modo que às vezes é necessário cortá-la com um machado e depois cozinhar os pedaços para torna-los um pouco mais palatáveis. Esses são os processos mais grosseiros, que não faz parte do cozimento final da carne, mas apenas para preservá-la até que possa ser entregue às mulheres em casa. No que se refere à carne que os homens consomem durante as excursões de caça e pesca, o método de preparo é extremamente simples. A carne é, de fato, frequentemente comida apenas no estado “mal passado”, meio defumado, no qual é retirada da grelha, ou, no máximo, é cortada em tirinhas, que são fixadas em um galho e assim mantidas ou presas sobre o fogo até serem assadas. Todos os outros cozimentos, não só da carne-seca trazida para casa e a carne obtida perto da aldeia para ser cozinhada fresca, mas também do pão de mandioca, alimento básico, é feito pelas mulheres.
Ilustração de mulheres Tupinambá plantando e os homens preparando a roça, derrubando a mata. (Staden, 1974).
Fontes:
KOCH-GRÜNBERG, Theodor. Zwei Jahre unter den Indianern Nordwest-Brasiliens. Stuttgart: Strecker & Schröder, 1923.
STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974, [1557].
O ensopado de pimenta
O ensopado de pimenta
Cozinhar é talvez a ocupação mais frequente das mulheres. Em geral, os indígenas não comem nos horários regulares, mas quando e com a frequência que desejam. O método do ensopado de carne, junto com o pão de mandioca (beiju) invariavelmente constituem sua principal refeição. Toda a carne ou peixe obtido é colocado na panela, junto com mandioca e pimenta, e é fervida até formar uma sopa grossa bem picante. Este pote nunca é limpo ou esvaziado, mas acrescenta-se mais carne sempre que for necessário e disponível. A sopa é fervida repetidamente e está pronta para ser consumida a qualquer momento. Uma reserva boa de beiju também está disponível sempre que necessário, pois grandes quantidades são feitas. A pimenta, como ingrediente, possui qualidades antissépticas que mantêm a carne comestível, nela fervida, por muito tempo. Sempre que os homens sentem fome, as mulheres trazem o ensopado de carne e pimenta, com um pouco de raiz de mandioca cozida, servida em um dos leques que servem para ascender o fogo, ao lado da rede. Os homens muitas vezes não se dão ao trabalho de sair das redes, mas simplesmente se inclinam fora dela para comer. Outras vezes, eles se levantam e se sentam em um dos banquinhos baixos de madeira, ou se acocoram diante da comida com os joelhos dobrados quase até a cabeça. Esta é a posição usual deles. O beiju é mergulhado na sopa e um pedaço molhado é mordido. Muito pouco é comido de cada vez; e quando a refeição termina, os homens voltam para as redes e as mulheres vão recolher os restos da refeição.
Crianças Waurá comendo de uma grande panela. Fim da festa. (Foto: Harald Schultz).
Fontes:
KOCH-GRÜNBERG, Theodor. Zwei Jahre unter den Indianern Nordwest-Brasiliens. Stuttgart: Strecker & Schröder, 1923.
O ensopado de pimenta
Cozinhar é talvez a ocupação mais frequente das mulheres. Em geral, os indígenas não comem nos horários regulares, mas quando e com a frequência que desejam. O método do ensopado de carne, junto com o pão de mandioca (beiju) invariavelmente constituem sua principal refeição. Toda a carne ou peixe obtido é colocado na panela, junto com mandioca e pimenta, e é fervida até formar uma sopa grossa bem picante. Este pote nunca é limpo ou esvaziado, mas acrescenta-se mais carne sempre que for necessário e disponível. A sopa é fervida repetidamente e está pronta para ser consumida a qualquer momento. Uma reserva boa de beiju também está disponível sempre que necessário, pois grandes quantidades são feitas. A pimenta, como ingrediente, possui qualidades antissépticas que mantêm a carne comestível, nela fervida, por muito tempo. Sempre que os homens sentem fome, as mulheres trazem o ensopado de carne e pimenta, com um pouco de raiz de mandioca cozida, servida em um dos leques que servem para ascender o fogo, ao lado da rede. Os homens muitas vezes não se dão ao trabalho de sair das redes, mas simplesmente se inclinam fora dela para comer. Outras vezes, eles se levantam e se sentam em um dos banquinhos baixos de madeira, ou se acocoram diante da comida com os joelhos dobrados quase até a cabeça. Esta é a posição usual deles. O beiju é mergulhado na sopa e um pedaço molhado é mordido. Muito pouco é comido de cada vez; e quando a refeição termina, os homens voltam para as redes e as mulheres vão recolher os restos da refeição.
Crianças Waurá comendo de uma grande panela. Fim da festa. (Foto: Harald Schultz).
Fontes:
KOCH-GRÜNBERG, Theodor. Zwei Jahre unter den Indianern Nordwest-Brasiliens. Stuttgart: Strecker & Schröder, 1923.
A mandioca
A mandioca
O único alimento vegetal indispensável aos indígenas é fornecido pelas raízes da mandioca (Manihot utilissima), que se transformam em pão (beiju) ou farinha. Nenhuma cena é mais característica da vida indígena brasileira do que a das mulheres preparando raízes de mandioca: A mulher, armada com uma grande faca, descasca as raízes de mandioca, que se amontoam a seu lado. Cada raiz, depois de descascada, é lavada e então jogada em um novo montão. Um pouco mais longe, outra mulher se levanta e, agarrando uma das raízes descascadas com as duas mãos, a raspa para cima e para baixo em uma tábua retangular ou ralador cravejado de pequenos fragmentos de pedra, formando assim uma superfície bem áspera. Uma das extremidades do ralador fica em uma calha no chão, a outra fica apoiada nos joelhos da mulher. É um exercício cansativo. Enquanto a mulher raspa, seu corpo balança para baixo e para cima a partir de seus quadris. O “assobio” rítmico causado pela raspagem da raiz suculenta é o som dominante na casa, pois o trabalho é muito pesado para permitir falar. A raiz da mandioca, que escorrega como polpa do raspador para a calha, é coletada e colocada em uma longa cesta tubular de vime, chamada “tipiti”. O espremedor de mandioca é um cilindro, de aproximadamente dois metros de comprimento e entre 15 e 20 centímetros de diâmetro, feito de tiras flexíveis e entrelaçadas de uma palmeira. A parte superior é aberta e possui um laço pelo qual o “tipiti” pode ser suspenso por uma das vigas da casa. A extremidade inferior é fechada, mas também tem uma alça. A mandioca ralada, saturada com um líquido altamente venenoso (ácido cianídrico), agora é colocada nessa cesta tubular pela abertura no topo. Um pesado tronco é passado agora através da alça na extremidade inferior do “tipiti”, enquanto o outro é levantado e fixado em uma viga da casa. Uma mulher agora se senta na extremidade elevada do tronco, e seu peso estica o cilindro para baixo. A pressão assim aplicada sobre o cesto tubular contrai a polpa da mandioca no interior dele e faz com que imediatamente o suco venenoso saia para fora pelas laterais do tubo trançado. O suco cai em uma panela que fica no chão. Esse caldo, depois de fervido, vira um líquido espesso, parecido com um melaço, que não é mais venenoso, e é usado como ingrediente no ensopado de pimenta. A mandioca, agora seca e sem o líquido venenoso, é retirada do tipiti e passada por uma peneira, para se tornar uma farinha grossa. Esta é embrulhado em folhas ou guardada para uso futuro, ou imediatamente transformada em pão.
Mulheres processando a raiz da mandioca: descascando, ralando, espremendo e assando. (Crévaux, 1883).
Fontes:
CREVAUX, J. Voyagens dans l”Amérique du Sud. Paris: Hachette, 1883.
A mandioca
O único alimento vegetal indispensável aos indígenas é fornecido pelas raízes da mandioca (Manihot utilissima), que se transformam em pão (beiju) ou farinha. Nenhuma cena é mais característica da vida indígena brasileira do que a das mulheres preparando raízes de mandioca: A mulher, armada com uma grande faca, descasca as raízes de mandioca, que se amontoam a seu lado. Cada raiz, depois de descascada, é lavada e então jogada em um novo montão. Um pouco mais longe, outra mulher se levanta e, agarrando uma das raízes descascadas com as duas mãos, a raspa para cima e para baixo em uma tábua retangular ou ralador cravejado de pequenos fragmentos de pedra, formando assim uma superfície bem áspera. Uma das extremidades do ralador fica em uma calha no chão, a outra fica apoiada nos joelhos da mulher. É um exercício cansativo. Enquanto a mulher raspa, seu corpo balança para baixo e para cima a partir de seus quadris. O “assobio” rítmico causado pela raspagem da raiz suculenta é o som dominante na casa, pois o trabalho é muito pesado para permitir falar. A raiz da mandioca, que escorrega como polpa do raspador para a calha, é coletada e colocada em uma longa cesta tubular de vime, chamada “tipiti”. O espremedor de mandioca é um cilindro, de aproximadamente dois metros de comprimento e entre 15 e 20 centímetros de diâmetro, feito de tiras flexíveis e entrelaçadas de uma palmeira. A parte superior é aberta e possui um laço pelo qual o “tipiti” pode ser suspenso por uma das vigas da casa. A extremidade inferior é fechada, mas também tem uma alça. A mandioca ralada, saturada com um líquido altamente venenoso (ácido cianídrico), agora é colocada nessa cesta tubular pela abertura no topo. Um pesado tronco é passado agora através da alça na extremidade inferior do “tipiti”, enquanto o outro é levantado e fixado em uma viga da casa. Uma mulher agora se senta na extremidade elevada do tronco, e seu peso estica o cilindro para baixo. A pressão assim aplicada sobre o cesto tubular contrai a polpa da mandioca no interior dele e faz com que imediatamente o suco venenoso saia para fora pelas laterais do tubo trançado. O suco cai em uma panela que fica no chão. Esse caldo, depois de fervido, vira um líquido espesso, parecido com um melaço, que não é mais venenoso, e é usado como ingrediente no ensopado de pimenta. A mandioca, agora seca e sem o líquido venenoso, é retirada do tipiti e passada por uma peneira, para se tornar uma farinha grossa. Esta é embrulhado em folhas ou guardada para uso futuro, ou imediatamente transformada em pão.
Mulheres processando a raiz da mandioca: descascando, ralando, espremendo e assando. (Crévaux, 1883).
Fontes:
CREVAUX, J. Voyagens dans l”Amérique du Sud. Paris: Hachette, 1883.
Pão de mandioca (beiju)
Pão de mandioca (beiju)
Uma grande travessa circular de cerâmica, uma frigideira ou uma placa de ferro é agora colocada sobre o fogo. Na grelha, uma fina camada de farinha é espalhada. Uma mulher, com o leque na mão, está sentada perto do fogo, observando. Com seu leque, ela alisa a superfície superior do pão, arredondando suas bordas. Em poucos minutos, um lado do grande beiju redondo e branco está pronto. E depois de virado, em alguns minutos o pão está pronto. Quando um número suficiente desses pães em forma de panqueca é feito, eles são tirados de casa e jogados no telhado para secar ao sol. Quando bem seco ao sol, o pão fica duro e crocante. Nesse estado, se protegido da umidade, permanecerá por tempo indeterminado.
Mulheres Apiacá preparando farinha de mandioca. (Aquarela de H. Florence. In: Langsdorff, 1988).
Fontes:
LANGSDORFF, J.H von. Expedição Langsdorff no Brasil 1821-29. São Paulo: Alumbramento, 1988, v.3.
Pão de mandioca (beiju)
Uma grande travessa circular de cerâmica, uma frigideira ou uma placa de ferro é agora colocada sobre o fogo. Na grelha, uma fina camada de farinha é espalhada. Uma mulher, com o leque na mão, está sentada perto do fogo, observando. Com seu leque, ela alisa a superfície superior do pão, arredondando suas bordas. Em poucos minutos, um lado do grande beiju redondo e branco está pronto. E depois de virado, em alguns minutos o pão está pronto. Quando um número suficiente desses pães em forma de panqueca é feito, eles são tirados de casa e jogados no telhado para secar ao sol. Quando bem seco ao sol, o pão fica duro e crocante. Nesse estado, se protegido da umidade, permanecerá por tempo indeterminado.
Mulheres Apiacá preparando farinha de mandioca. (Aquarela de H. Florence. In: Langsdorff, 1988).
Fontes:
LANGSDORFF, J.H von. Expedição Langsdorff no Brasil 1821-29. São Paulo: Alumbramento, 1988, v.3.
Cerveja de mandioca (Cauim)
Cerveja de mandioca (Cauim)
Parte da mandioca, após ser transformada em pão, é posteriormente transformada em cerveja ou “cauim”, a principal bebida indígena. O pão da mandioca que se transforma em cerveja é mais espesso e é assado, ou melhor, queimado, até ficar bem preto. Em seguida, é quebrado em pequenos pedaços e misturado com água em uma jarra grande. Os fragmentos maiores são colhidos e mastigados pelas mulheres, que fazem esse trabalho enquanto se deslocam e realizam suas tarefas domésticas habituais. As massas mastigadas são cuspidas de volta na jarra. Assim que este jarro estiver suficientemente cheio, o seu conteúdo, depois de bem mexido, é ligeiramente fervido e depois derramado em uma grande panela. A mistura é então deixada em repouso por alguns dias, até que esteja suficientemente fermentada. Esse processo é acelerado pela mastigação do pão de mandioca. O resultado é uma bebida amarronzada, com um sabor ligeiramente ácido, mas não desagradável.
Mulheres Tupinambá preparando a cerveja de mandioca. Cauim. (Gravura de Theodor De Bry, 1592).
Fontes: KOCH-GRÜNBERG, Theodor. Zwei Jahre unter den Indianern Nordwest-Brasiliens. Stuttgart: Strecker & Schröder, 1923.
Cerveja de mandioca (Cauim)
Parte da mandioca, após ser transformada em pão, é posteriormente transformada em cerveja ou “cauim”, a principal bebida indígena. O pão da mandioca que se transforma em cerveja é mais espesso e é assado, ou melhor, queimado, até ficar bem preto. Em seguida, é quebrado em pequenos pedaços e misturado com água em uma jarra grande. Os fragmentos maiores são colhidos e mastigados pelas mulheres, que fazem esse trabalho enquanto se deslocam e realizam suas tarefas domésticas habituais. As massas mastigadas são cuspidas de volta na jarra. Assim que este jarro estiver suficientemente cheio, o seu conteúdo, depois de bem mexido, é ligeiramente fervido e depois derramado em uma grande panela. A mistura é então deixada em repouso por alguns dias, até que esteja suficientemente fermentada. Esse processo é acelerado pela mastigação do pão de mandioca. O resultado é uma bebida amarronzada, com um sabor ligeiramente ácido, mas não desagradável.
Mulheres Tupinambá preparando a cerveja de mandioca. Cauim. (Gravura de Theodor De Bry, 1592).
Fontes: KOCH-GRÜNBERG, Theodor. Zwei Jahre unter den Indianern Nordwest-Brasiliens. Stuttgart: Strecker & Schröder, 1923.
FLORESTA E ÁRVORES:
Implantação
Implantação
As florestas do planeta sempre foram essenciais para a adaptação e sobrevivência humana. Não apenas para o uso óbvio de queimar lenha para fogueiras, mas também pela utilização de folhas para remédios medicinais, sementes para fontes de alimentos ricos em proteínas e troncos e cascas para o transporte, armas, instrumentos musicais, arte e roupas. Por todas essas razões, as árvores são uma fonte incomparavelmente rica de práticas adaptativas no passado e no presente. O suporte das árvores dos ecossistemas também é essencial para fornecer os nichos ecológicos dos quais tantas plantas e animais dependem. As florestas são o ápice do cenário de biodiversidade no qual os humanos também prosperam. Não é surpreendente que, ao longo do período de desenvolvimento humano, muitos povos tenham feito grande esforço para manter, e muitas vezes alterar, a composição da floresta para seu uso contínuo. Muitas vezes, uma única espécie de árvore pode ser especialmente útil para uma sociedade e acaba assumindo um papel de prestígio também na vida cultural das pessoas. Este é o caso das duas espécies de árvores “principais” apresentadas aqui.
Desenho da floresta do Xingu: Árvores e passarinhos. (Desenho por Tapayé-Waurá. In: Coelho, 1986).
Fontes:
COELHO, Vera P. Die Waurá. Mythen und Zeichnungen eines brasilianischen Indianerstammes. Leipzig-Weimar: Gustav Kiepenheuer Verlag, 1986.
DENEVAN, W. Cultivated Landscapes of Native Amazonia and the Andes. Oxford: Oxford University Press, 2005.
Implantação
As florestas do planeta sempre foram essenciais para a adaptação e sobrevivência humana. Não apenas para o uso óbvio de queimar lenha para fogueiras, mas também pela utilização de folhas para remédios medicinais, sementes para fontes de alimentos ricos em proteínas e troncos e cascas para o transporte, armas, instrumentos musicais, arte e roupas. Por todas essas razões, as árvores são uma fonte incomparavelmente rica de práticas adaptativas no passado e no presente. O suporte das árvores dos ecossistemas também é essencial para fornecer os nichos ecológicos dos quais tantas plantas e animais dependem. As florestas são o ápice do cenário de biodiversidade no qual os humanos também prosperam. Não é surpreendente que, ao longo do período de desenvolvimento humano, muitos povos tenham feito grande esforço para manter, e muitas vezes alterar, a composição da floresta para seu uso contínuo. Muitas vezes, uma única espécie de árvore pode ser especialmente útil para uma sociedade e acaba assumindo um papel de prestígio também na vida cultural das pessoas. Este é o caso das duas espécies de árvores “principais” apresentadas aqui.
Desenho da floresta do Xingu: Árvores e passarinhos. (Desenho por Tapayé-Waurá. In: Coelho, 1986).
Fontes:
COELHO, Vera P. Die Waurá. Mythen und Zeichnungen eines brasilianischen Indianerstammes. Leipzig-Weimar: Gustav Kiepenheuer Verlag, 1986.
DENEVAN, W. Cultivated Landscapes of Native Amazonia and the Andes. Oxford: Oxford University Press, 2005.
A araucária, a árvore fundamental da Mata Atlântica
A araucária, a árvore fundamental da Mata Atlântica
Datada do período Triássico (pense nos dinossauros!), a araucária (ou para usar seu apelido, o pinheiro-brasileiro) pode ser encontrada hoje no sul do Brasil e em partes da Argentina, Chile e Uruguai.
Em algum momento no final do Holoceno, exatamente na época em que os arqueólogos acreditam que algumas sociedades indígenas estavam indo para o sul do Brasil, a proliferação da araucária pareceu se expandir junto com a migração desses povos. Parece que suas aldeias e as áreas habitadas por esses povos coincidem com as áreas onde ainda hoje crescem as araucárias (“curi” – Curitiba: o lugar onde crescem as araucárias). Isso significa que as pessoas e as árvores provavelmente estavam convivendo em uma relação simbiótica. Mas por quê?
Pois é, a araucária é uma árvore incrível! Suas enormes pinhas estão cheias de pinhões grossos e suculentos que ainda hoje são vendidos nos supermercados brasileiros. Seus galhos são ótimos para acender fogo, além da madeira que é fácil de esculpir, o que torna a araucária perfeita para produzir casas, móveis e obras de arte.
Hoje, a árvore está sob grave ameaça de extinção, mas a nova consciência da biodiversidade da Mata Atlântica e alguns parques nacionais recém-criados no Brasil estão dando a ela uma chance de sobrevivência. Além disso, é improvável que o povo do sul do Brasil desista, tão cedo, de seu amor pelos pinhões festivos e saborosos!
A distribuição das araucárias parece apontar para o envolvimento humano.
Fontes:
https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0235819
CRUZ, A. P. et al. Pre-colonial Amerindian legacies in forest composition of southern Brazil. PLoS ONE. v. 15, n. 7, 2020. Available at: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0235819
A araucária, a árvore fundamental da Mata Atlântica
Datada do período Triássico (pense nos dinossauros!), a araucária (ou para usar seu apelido, o pinheiro-brasileiro) pode ser encontrada hoje no sul do Brasil e em partes da Argentina, Chile e Uruguai.
Em algum momento no final do Holoceno, exatamente na época em que os arqueólogos acreditam que algumas sociedades indígenas estavam indo para o sul do Brasil, a proliferação da araucária pareceu se expandir junto com a migração desses povos. Parece que suas aldeias e as áreas habitadas por esses povos coincidem com as áreas onde ainda hoje crescem as araucárias (“curi” – Curitiba: o lugar onde crescem as araucárias). Isso significa que as pessoas e as árvores provavelmente estavam convivendo em uma relação simbiótica. Mas por quê?
Pois é, a araucária é uma árvore incrível! Suas enormes pinhas estão cheias de pinhões grossos e suculentos que ainda hoje são vendidos nos supermercados brasileiros. Seus galhos são ótimos para acender fogo, além da madeira que é fácil de esculpir, o que torna a araucária perfeita para produzir casas, móveis e obras de arte.
Hoje, a árvore está sob grave ameaça de extinção, mas a nova consciência da biodiversidade da Mata Atlântica e alguns parques nacionais recém-criados no Brasil estão dando a ela uma chance de sobrevivência. Além disso, é improvável que o povo do sul do Brasil desista, tão cedo, de seu amor pelos pinhões festivos e saborosos!
A distribuição das araucárias parece apontar para o envolvimento humano.
Fontes:
https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0235819
CRUZ, A. P. et al. Pre-colonial Amerindian legacies in forest composition of southern Brazil. PLoS ONE. v. 15, n. 7, 2020. Available at: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0235819
O eucalipto - árvore internacional de celebridades da Austrália
O eucalipto - árvore internacional de celebridades da Austrália
O eucalipto, há muito tempo, é a árvore mais importante da Austrália para uso humano. Não é nenhuma surpresa, já que cerca de dois terços das florestas da Austrália são de eucalipto. Além de sua incrível versatilidade, o eucalipto conta com um defensor muito fofinho: o coala. As sociedades indígenas, no passado e hoje, encontraram muitas utilidades para essa bela árvore. Por exemplo, eles desenvolveram uma técnica engenhosa para criar, das cascas do eucalipto, canoas impressionantemente leves e muito fortes para navegar nos rios. A madeira em si é ótima para fazer recipientes de bebida, instrumentos musicais, arremessadores de lanças, escudos e, claro, bumerangues! Além disso, as folhas, que são conhecidamente perfumadas, têm propriedades medicinais e terapêuticas, ajudando as pessoas em todo o mundo. Seu óleo também se mostrou eficaz como inseticida de base natural.
Hoje, você pode encontrar espécies de eucalipto em todo o mundo em climas adequados. Na Califórnia, eles foram plantados às dezenas de milhares para criar enormes quebra-ventos para proteger o setor agrícola. A beleza e a utilidade do eucalipto são atemporais, mas correm o risco de incêndios florestais cada vez mais destrutivos na Austrália, Califórnia e em outros lugares.
Recipientes para beber e canoas resistentes são apenas algumas das invenções indígenas que aproveitam o eucalipto. Fonte: Australia National Botanic Gardens.
Fontes:
Australia National Botanic Gardens, website:https://anbg.gov.au/index.html
O eucalipto - árvore internacional de celebridades da Austrália
O eucalipto, há muito tempo, é a árvore mais importante da Austrália para uso humano. Não é nenhuma surpresa, já que cerca de dois terços das florestas da Austrália são de eucalipto. Além de sua incrível versatilidade, o eucalipto conta com um defensor muito fofinho: o coala. As sociedades indígenas, no passado e hoje, encontraram muitas utilidades para essa bela árvore. Por exemplo, eles desenvolveram uma técnica engenhosa para criar, das cascas do eucalipto, canoas impressionantemente leves e muito fortes para navegar nos rios. A madeira em si é ótima para fazer recipientes de bebida, instrumentos musicais, arremessadores de lanças, escudos e, claro, bumerangues! Além disso, as folhas, que são conhecidamente perfumadas, têm propriedades medicinais e terapêuticas, ajudando as pessoas em todo o mundo. Seu óleo também se mostrou eficaz como inseticida de base natural.
Hoje, você pode encontrar espécies de eucalipto em todo o mundo em climas adequados. Na Califórnia, eles foram plantados às dezenas de milhares para criar enormes quebra-ventos para proteger o setor agrícola. A beleza e a utilidade do eucalipto são atemporais, mas correm o risco de incêndios florestais cada vez mais destrutivos na Austrália, Califórnia e em outros lugares.
Recipientes para beber e canoas resistentes são apenas algumas das invenções indígenas que aproveitam o eucalipto. Fonte: Australia National Botanic Gardens.
Fontes:
Australia National Botanic Gardens, website:https://anbg.gov.au/index.html
Infância:
Iniciação
Iniciação
Embora haja uma universalidade na sequência biológica da vida da criança ao adulto, o significado e a ritualização dessa transição biográfica variam entre as culturas. Alguns componentes principais, como a assimilação social por meio da educação, a importância do brincar como preparação para a vida adulta e uma clara “ruptura” cerimonial para a idade adulta, geralmente aparecem nas paisagens culturais. Aqui, apresentamos duas fatias singulares da infância na sociedade indígena que demonstram a universalidade reconhecível e a singularidade contextual da experiência de cada cultura de ser criança.
Criança Krahó brincando com arara azul. (Foto: Harald Schultz. In: Schultz, 1962)
Fontes:
SCHULTZ, H. Humbu: Indian life in the Brazilian jungle. New York: Macmillan, 1962
Iniciação
Embora haja uma universalidade na sequência biológica da vida da criança ao adulto, o significado e a ritualização dessa transição biográfica variam entre as culturas. Alguns componentes principais, como a assimilação social por meio da educação, a importância do brincar como preparação para a vida adulta e uma clara “ruptura” cerimonial para a idade adulta, geralmente aparecem nas paisagens culturais. Aqui, apresentamos duas fatias singulares da infância na sociedade indígena que demonstram a universalidade reconhecível e a singularidade contextual da experiência de cada cultura de ser criança.
Criança Krahó brincando com arara azul. (Foto: Harald Schultz. In: Schultz, 1962)
Fontes:
SCHULTZ, H. Humbu: Indian life in the Brazilian jungle. New York: Macmillan, 1962
Histórias contadas em areia dos povos Anangu
Histórias contadas em areia dos povos Anangu
Contar histórias e fazer teatro são maneiras comuns das crianças ensaiarem para o “mundo real”, do jeito como imaginam mais tarde ser sua vida. As crianças, muitas vezes, imitam o comportamento e as exigências da idade adulta e encenam essas projeções de seu futuro em sociedade. Embora a boneca “Barbie” e o “Super-herói” possam desempenhar essa função em sociedades e economias industrializadas e globalizadas, as crianças das Terras APY, no sul da Austrália, usam uma variedade de folhas como atores substitutos em suas “histórias de areia”.
Diferentes tamanhos e formatos de folhas podem cumprir o papel de diferentes “tipos” de pessoas. Por exemplo: folhas amarelas são personagens aborígines. As folhas podem ser manipuladas para representar certas histórias. Duas folhas maiores perfurando uma pequena folha com um pedaço de pau podem representar o castigo de uma criança malcomportada. Fora da supervisão dos adultos e dos meninos, as meninas mais velhas encenam histórias da comunidade ou contam histórias de figuras e de animais arquétipos, que representam categorias específicas de personalidades, enquanto as crianças mais novas assistem.
Essa forma acessível de teatro reitera os valores da comunidade, atua como um fórum de fofoca e permite a criatividade e um espaço seguro para desafiar as normas e os tabus da comunidade. Nesse sentido, parece uma forma muito familiar de jogo social que ajuda as crianças a formarem suas identidades adultas, enquanto comparam ideias sobre seu mundo e sobre si mesmas com seus colegas.
Criança desenhando na areia a planta e os móveis de uma casa. (Eickelkamp, 2008)
Fontes:
EICKELKAMP, U. (Re)presenting Experience: A Comparison of Australian Aboriginal Children’s Sand Play in Two Settings. International Journal of Applied Psychoanalytic Studies, 5(1): 23–50, 2008.
TJITAYI, K.; LEWIS, S. ‘Envisioning Lives at Ernabella’. In: Growing Up in Central Australia: New Anthropological Studies of Aboriginal Childhood and Adolescence, Ute, E.(ed.), Oxford: Berghahn Books, 2011.
Histórias contadas em areia dos povos Anangu
Contar histórias e fazer teatro são maneiras comuns das crianças ensaiarem para o “mundo real”, do jeito como imaginam mais tarde ser sua vida. As crianças, muitas vezes, imitam o comportamento e as exigências da idade adulta e encenam essas projeções de seu futuro em sociedade. Embora a boneca “Barbie” e o “Super-herói” possam desempenhar essa função em sociedades e economias industrializadas e globalizadas, as crianças das Terras APY, no sul da Austrália, usam uma variedade de folhas como atores substitutos em suas “histórias de areia”.
Diferentes tamanhos e formatos de folhas podem cumprir o papel de diferentes “tipos” de pessoas. Por exemplo: folhas amarelas são personagens aborígines. As folhas podem ser manipuladas para representar certas histórias. Duas folhas maiores perfurando uma pequena folha com um pedaço de pau podem representar o castigo de uma criança malcomportada. Fora da supervisão dos adultos e dos meninos, as meninas mais velhas encenam histórias da comunidade ou contam histórias de figuras e de animais arquétipos, que representam categorias específicas de personalidades, enquanto as crianças mais novas assistem.
Essa forma acessível de teatro reitera os valores da comunidade, atua como um fórum de fofoca e permite a criatividade e um espaço seguro para desafiar as normas e os tabus da comunidade. Nesse sentido, parece uma forma muito familiar de jogo social que ajuda as crianças a formarem suas identidades adultas, enquanto comparam ideias sobre seu mundo e sobre si mesmas com seus colegas.
Criança desenhando na areia a planta e os móveis de uma casa. (Eickelkamp, 2008)
Fontes:
EICKELKAMP, U. (Re)presenting Experience: A Comparison of Australian Aboriginal Children’s Sand Play in Two Settings. International Journal of Applied Psychoanalytic Studies, 5(1): 23–50, 2008.
TJITAYI, K.; LEWIS, S. ‘Envisioning Lives at Ernabella’. In: Growing Up in Central Australia: New Anthropological Studies of Aboriginal Childhood and Adolescence, Ute, E.(ed.), Oxford: Berghahn Books, 2011.
Medicina:
Diagnóstico
Diagnóstico
Embora o corpo humano seja de fato um organismo notavelmente adaptável e feito de sistemas que se autossustentam, ele ainda enfrenta problemas de vez em quando ao longo de sua vida. Sociedades em todo o mundo sempre desenvolveram maneiras de lidar com essas questões de saúde e doença, muitas vezes na forma de cuidados aplicados que hoje conhecemos como medicina. Diferentes circunstâncias ambientais oferecem diferentes riscos de danos ao corpo humano, na forma de doenças ou lesões, mas os mesmos ambientes oferecem meios igualmente diversos de combater habilmente os desafios à saúde.
Embora as instituições médicas de hoje, incluindo empresas farmacêuticas e provedores de saúde, muitas vezes tracem um forte contraste entre a medicina “ocidental” e a “tradicional”, é importante lembrar que uma grande parte dos ingredientes e ideias que entram em medicamentos com fins lucrativos são os mesmos componentes “básicos” derivados de sistemas ecológicos, como partes de plantas e animais. Talvez, ao considerar as práticas medicinais das populações indígenas, possamos compreender melhor que a história global da medicina tem muito em comum entre os profissionais quando se trata de formas inovadoras de manter o corpo humano em um estado saudável e funcional.
Médico Krahó curando a dor de cabeça de uma mulher através do sopro. (Foto: Harald Schultz).
Diagnóstico
Embora o corpo humano seja de fato um organismo notavelmente adaptável e feito de sistemas que se autossustentam, ele ainda enfrenta problemas de vez em quando ao longo de sua vida. Sociedades em todo o mundo sempre desenvolveram maneiras de lidar com essas questões de saúde e doença, muitas vezes na forma de cuidados aplicados que hoje conhecemos como medicina. Diferentes circunstâncias ambientais oferecem diferentes riscos de danos ao corpo humano, na forma de doenças ou lesões, mas os mesmos ambientes oferecem meios igualmente diversos de combater habilmente os desafios à saúde.
Embora as instituições médicas de hoje, incluindo empresas farmacêuticas e provedores de saúde, muitas vezes tracem um forte contraste entre a medicina “ocidental” e a “tradicional”, é importante lembrar que uma grande parte dos ingredientes e ideias que entram em medicamentos com fins lucrativos são os mesmos componentes “básicos” derivados de sistemas ecológicos, como partes de plantas e animais. Talvez, ao considerar as práticas medicinais das populações indígenas, possamos compreender melhor que a história global da medicina tem muito em comum entre os profissionais quando se trata de formas inovadoras de manter o corpo humano em um estado saudável e funcional.
Médico Krahó curando a dor de cabeça de uma mulher através do sopro. (Foto: Harald Schultz).
Musica:
Abertura
Abertura
A produção e arranjo de ondas sonoras por motivos culturais, popularmente conhecidas como “música”, tem sido um dos meios de comunicação mais expressivos e belos ao longo da história da humanidade. Os instrumentos físicos projetados e fabricados pelas sociedades para produzir os sons únicos de suas tradições musicais são tão variados quanto os próprios sons, e os instrumentos indígenas do Brasil e da Austrália são exemplos fantásticos disso.
Embora possamos ter a tendência de pensar que a música desempenha um papel puramente recreativo ou estético, ela, na verdade, tem funcionado de maneiras bastante práticas nas sociedades humanas. Apresenta-se em cerimônias religiosas, guerra e caça, medicina e cura e, claro, festivais e festividades de todas as tonalidades!
Três homens Waurá tocando flauta “kauká”. Este instrumento tem o poder de afugentar porcos selvagens ou outros animais de suas plantações. (Desenho de Yacinto-Waurá. In: Coelho, 1986).
Fontes:
COELHO, Vera P. Die Waurá. Mythen und Zeichnungen eines brasilianischen Indianerstammes. Leipzig; Weimar: Gustav Kiepenheuer Verlag, 1986.
Abertura
A produção e arranjo de ondas sonoras por motivos culturais, popularmente conhecidas como “música”, tem sido um dos meios de comunicação mais expressivos e belos ao longo da história da humanidade. Os instrumentos físicos projetados e fabricados pelas sociedades para produzir os sons únicos de suas tradições musicais são tão variados quanto os próprios sons, e os instrumentos indígenas do Brasil e da Austrália são exemplos fantásticos disso.
Embora possamos ter a tendência de pensar que a música desempenha um papel puramente recreativo ou estético, ela, na verdade, tem funcionado de maneiras bastante práticas nas sociedades humanas. Apresenta-se em cerimônias religiosas, guerra e caça, medicina e cura e, claro, festivais e festividades de todas as tonalidades!
Três homens Waurá tocando flauta “kauká”. Este instrumento tem o poder de afugentar porcos selvagens ou outros animais de suas plantações. (Desenho de Yacinto-Waurá. In: Coelho, 1986).
Fontes:
COELHO, Vera P. Die Waurá. Mythen und Zeichnungen eines brasilianischen Indianerstammes. Leipzig; Weimar: Gustav Kiepenheuer Verlag, 1986.
O didgeridoo - instrumento cósmico da Austrália
O didgeridoo - instrumento cósmico da Austrália
Considerado possivelmente o instrumento mais antigo do mundo, o didgeridoo é um instrumento icônico e fascinantemente complexo, cujos usos e significados na história e na cosmologia das Primeiras Nações Australianas vão muito além de seu renome internacional.
O instrumento é feito de longos galhos de árvores e troncos escavados naturalmente por cupins e retrabalhados com fogo. É uma verdadeira usina de efeitos sonoros com cantos projetados para imitar o trovão e a chuva, o canto dos pássaros e até mesmo inundações e incêndios. Por meio de uma rede complexa de sons e melodias associados, muitas vezes escondidos para um ouvinte não iniciado, o instrumento lembra, em sua sonoridade, os elementos naturais arquetípicos essenciais do “Dreamtime” (a Era dos sonhos, o tempo antes do mundo físico). Tocar esse instrumento requer habilidade e dedicação inacreditáveis. O didgeridoo é tradicionalmente reservado para o uso cerimonial ou religioso, muitas vezes destinado apenas aos homens, e não visto como uma forma de entretenimento.
Embora o didgeridoo seja agora reconhecido internacionalmente como um poderoso símbolo da singularidade musical da Austrália, seu verdadeiro significado cosmológico é infelizmente mal compreendido e esquecido. Também deve ser mencionado que diferentes grupos culturais em todo o continente australiano têm diferentes tradições musicais, instrumentos e formas de uso.
O didgeridoo é um instrumento diretamente ligado, tanto em sua construção e uso, aos poderes do mundo natural e ao mundo dos sonhos.
Fontes:
Aboriginal Art & Culture Center, Alice Spring, website: https://www.aboriginalart.com.au/
O didgeridoo - instrumento cósmico da Austrália
Considerado possivelmente o instrumento mais antigo do mundo, o didgeridoo é um instrumento icônico e fascinantemente complexo, cujos usos e significados na história e na cosmologia das Primeiras Nações Australianas vão muito além de seu renome internacional.
O instrumento é feito de longos galhos de árvores e troncos escavados naturalmente por cupins e retrabalhados com fogo. É uma verdadeira usina de efeitos sonoros com cantos projetados para imitar o trovão e a chuva, o canto dos pássaros e até mesmo inundações e incêndios. Por meio de uma rede complexa de sons e melodias associados, muitas vezes escondidos para um ouvinte não iniciado, o instrumento lembra, em sua sonoridade, os elementos naturais arquetípicos essenciais do “Dreamtime” (a Era dos sonhos, o tempo antes do mundo físico). Tocar esse instrumento requer habilidade e dedicação inacreditáveis. O didgeridoo é tradicionalmente reservado para o uso cerimonial ou religioso, muitas vezes destinado apenas aos homens, e não visto como uma forma de entretenimento.
Embora o didgeridoo seja agora reconhecido internacionalmente como um poderoso símbolo da singularidade musical da Austrália, seu verdadeiro significado cosmológico é infelizmente mal compreendido e esquecido. Também deve ser mencionado que diferentes grupos culturais em todo o continente australiano têm diferentes tradições musicais, instrumentos e formas de uso.
O didgeridoo é um instrumento diretamente ligado, tanto em sua construção e uso, aos poderes do mundo natural e ao mundo dos sonhos.
Fontes:
Aboriginal Art & Culture Center, Alice Spring, website: https://www.aboriginalart.com.au/
O canto nativo com um propósito
O canto nativo com um propósito
Hoje existem mais de 300 “tribos” ou grupos culturais no território brasileiro. Não é surpreendente, portanto, que exista uma incrível diversidade de instrumentos musicais, expressões, propósitos e línguas. Uma prática que aparece regularmente é a centralidade do canto comunitário como uma expressão poderosa em todos os tipos de eventos sociais. Os cantos têm a qualidade única de criar uma unidade singular a partir da panóplia de vozes individuais, enfatizando a solidariedade e a coletividade em eventos marcantes como funerais, celebrações sociais ou mesmo na preparação para eventos de confronto que afetam toda a comunidade.
Tuyuka. Tocando o trompete durante a festa de Yurupary. (Koch-Grünberg, 1923).
Fontes:
CRUZ, A. P. et al. Pre-colonial Amerindian legacies in forest composition of southern Brazil. PLoS ONE. v. 15, n. 7, 2020. Available at: <https://doi.org/10.1371/journal.pone.0235819.
KOCH-GRÜNBERG, Theodor. Vom Roraima zum Orinoco.Ergebnisse einer Reise in Nordbrasilien und Venezuela in den Jahren 1911-1913. 2.ed. Stuttgart: Strecker & Schröder. 3.v. 1923.
O canto nativo com um propósito
Hoje existem mais de 300 “tribos” ou grupos culturais no território brasileiro. Não é surpreendente, portanto, que exista uma incrível diversidade de instrumentos musicais, expressões, propósitos e línguas. Uma prática que aparece regularmente é a centralidade do canto comunitário como uma expressão poderosa em todos os tipos de eventos sociais. Os cantos têm a qualidade única de criar uma unidade singular a partir da panóplia de vozes individuais, enfatizando a solidariedade e a coletividade em eventos marcantes como funerais, celebrações sociais ou mesmo na preparação para eventos de confronto que afetam toda a comunidade.
Tuyuka. Tocando o trompete durante a festa de Yurupary. (Koch-Grünberg, 1923).
Fontes:
CRUZ, A. P. et al. Pre-colonial Amerindian legacies in forest composition of southern Brazil. PLoS ONE. v. 15, n. 7, 2020. Available at: <https://doi.org/10.1371/journal.pone.0235819.
KOCH-GRÜNBERG, Theodor. Vom Roraima zum Orinoco.Ergebnisse einer Reise in Nordbrasilien und Venezuela in den Jahren 1911-1913. 2.ed. Stuttgart: Strecker & Schröder. 3.v. 1923.
Relações humano-caninas:
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A questão da domesticação animal é um tópico ideal para demonstrar como às vezes as categorias binárias e simples, fornecidas pela antropologia, neste caso o doméstico versus o selvagem, não refletem a realidade matizada de estratégias adaptativas de sociedades indígenas fora do continente europeu.
Como vimos no exemplo do manejo de floresta nativa (silvicultura) e seleção de espécies, as interações com as espécies animais e vegetais frequentemente, assumem relações mais complexas que normalmente seriam definidas por um caráter totalmente domesticado ou obviamente “selvagem”. O dingo australiano oferece, nesse caso, um estudo maravilhosamente rico e surpreendente.
Mulher Tapuia e seu cão. (Pintura de Albert Eckhoult, 1641).
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A questão da domesticação animal é um tópico ideal para demonstrar como às vezes as categorias binárias e simples, fornecidas pela antropologia, neste caso o doméstico versus o selvagem, não refletem a realidade matizada de estratégias adaptativas de sociedades indígenas fora do continente europeu.
Como vimos no exemplo do manejo de floresta nativa (silvicultura) e seleção de espécies, as interações com as espécies animais e vegetais frequentemente, assumem relações mais complexas que normalmente seriam definidas por um caráter totalmente domesticado ou obviamente “selvagem”. O dingo australiano oferece, nesse caso, um estudo maravilhosamente rico e surpreendente.
Mulher Tapuia e seu cão. (Pintura de Albert Eckhoult, 1641).
O dingo - o cão icônico e cativante da Austrália
O dingo - o cão icônico e cativante da Austrália
O dingo (Canis dingo) parece ter chegado ao continente australiano cerca de 3.500-5.000 anos atrás, muito depois dos 50.000 anos em que os humanos chamam a Terra de seu lar. Em algumas centenas de anos, ele se espalhou pela maioria das áreas e parece ter causado um enorme impacto na vida dos habitantes, garantindo sua complexa relação como amigo, e certamente não como “propriedade”, de seus parceiros dos Primeiros Povos australianos.
A importância dessa “revolução causada pelo dingo” se reflete no papel principal dado ao animal nos relatos do “Dreamtime” (Era dos Sonhos) sobre suas origens ancestrais. Embora os detalhes possam variar, parece mais provável que os dingos fossem animais independentes, vivendo simplesmente ao lado de suas contrapartes humanas. Filhotes às vezes eram retirados de tocas, criados como animais de estimação, auxiliares de caça, mas depois devolvidos ao ambiente na idade reprodutiva. Essa é uma estratégia inteligente: utilizar e cooperar com uma espécie semelhante, mas não a ponto de interferir em suas práticas naturais de reprodução. Essa atitude garante que a espécie manterá os atributos característicos de seu “estado natural”.
Curiosamente, quando os colonizadores europeus trouxeram novos cães domésticos (Canis familiaris) para o continente, eles foram rapidamente adotados pelas populações nativas como animais de estimação em tempo integral e companheiros, permitindo ao dingo manter seu lugar como um cão querido, mas amplamente independente, da incrível fauna australiana.
Mapa mostrando a distribuição dos dingos hoje. Fonte:https://www.researchgate.net/publication/
Fontes:
BIRD ROSE, D. Dingo Makes Us Human: Life and Land in an Australian Aboriginal Culture. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
SMITH, B. P.; LITCHFIELD, C. A. A review of the Relationship between Indigenous Australians, Dingoes (Canis dingo) and Domestic Dogs (Canis Familiaris). Anthrozoos, 22(2):111-128., 2009.
O dingo - o cão icônico e cativante da Austrália
O dingo (Canis dingo) parece ter chegado ao continente australiano cerca de 3.500-5.000 anos atrás, muito depois dos 50.000 anos em que os humanos chamam a Terra de seu lar. Em algumas centenas de anos, ele se espalhou pela maioria das áreas e parece ter causado um enorme impacto na vida dos habitantes, garantindo sua complexa relação como amigo, e certamente não como “propriedade”, de seus parceiros dos Primeiros Povos australianos.
A importância dessa “revolução causada pelo dingo” se reflete no papel principal dado ao animal nos relatos do “Dreamtime” (Era dos Sonhos) sobre suas origens ancestrais. Embora os detalhes possam variar, parece mais provável que os dingos fossem animais independentes, vivendo simplesmente ao lado de suas contrapartes humanas. Filhotes às vezes eram retirados de tocas, criados como animais de estimação, auxiliares de caça, mas depois devolvidos ao ambiente na idade reprodutiva. Essa é uma estratégia inteligente: utilizar e cooperar com uma espécie semelhante, mas não a ponto de interferir em suas práticas naturais de reprodução. Essa atitude garante que a espécie manterá os atributos característicos de seu “estado natural”.
Curiosamente, quando os colonizadores europeus trouxeram novos cães domésticos (Canis familiaris) para o continente, eles foram rapidamente adotados pelas populações nativas como animais de estimação em tempo integral e companheiros, permitindo ao dingo manter seu lugar como um cão querido, mas amplamente independente, da incrível fauna australiana.
Mapa mostrando a distribuição dos dingos hoje. Fonte:https://www.researchgate.net/publication/
Fontes:
BIRD ROSE, D. Dingo Makes Us Human: Life and Land in an Australian Aboriginal Culture. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
SMITH, B. P.; LITCHFIELD, C. A. A review of the Relationship between Indigenous Australians, Dingoes (Canis dingo) and Domestic Dogs (Canis Familiaris). Anthrozoos, 22(2):111-128., 2009.
Canis familiaris no Brasil
Canis familiaris no Brasil
A entrada do cachorro no cone sul-americano parece ter ocorrido ainda mais cedo do que a do dingo na Austrália (entre 7.500 e 4.500). Com uma história tão longa, pode parecer surpreendente que tão poucos vestígios verificáveis tenham sido recuperados, mas os detalhes dessa história são fascinantes e reveladores.
A esses animais, com fama de bons-companheiros, foi claramente oferecido uma posição de estima na visão do mundo nativo, como fica evidente em sepultamentos individuais ou ao lado de seus donos humanos. A iniciativa de sepultar e preparar um lugar de descanso para os restos mortais desses animais, às vezes dentro de um complexo maior de estruturas mortuárias, evidencia a importância do cachorro na sociedade indígena. À medida que mais achados arqueológicos são descobertos e analisados, nossa compreensão do “melhor amigo do homem” em um contexto global se tornará mais completa.
Cães caçando uma onça. (Aquarela de M. Wied-Neuwied, 1817).
Fontes
LOPONTE, D.; Alejandro ACOSTA, A.; Andrés GASCUE, A.; et al. The Southernmost Pre-Columbian Dogs in the Americas: Phenotype, Chronology, Diet and Genetics. Environmental Archaeology, 2021., DOI: 10.1080/14614103.2021.1922985
WIED-NEUWIED, M. von. Viagem ao Brasil. São Paulo: Nacional, 1958 [1815-17]
Canis familiaris no Brasil
A entrada do cachorro no cone sul-americano parece ter ocorrido ainda mais cedo do que a do dingo na Austrália (entre 7.500 e 4.500). Com uma história tão longa, pode parecer surpreendente que tão poucos vestígios verificáveis tenham sido recuperados, mas os detalhes dessa história são fascinantes e reveladores.
A esses animais, com fama de bons-companheiros, foi claramente oferecido uma posição de estima na visão do mundo nativo, como fica evidente em sepultamentos individuais ou ao lado de seus donos humanos. A iniciativa de sepultar e preparar um lugar de descanso para os restos mortais desses animais, às vezes dentro de um complexo maior de estruturas mortuárias, evidencia a importância do cachorro na sociedade indígena. À medida que mais achados arqueológicos são descobertos e analisados, nossa compreensão do “melhor amigo do homem” em um contexto global se tornará mais completa.
Cães caçando uma onça. (Aquarela de M. Wied-Neuwied, 1817).
Fontes
LOPONTE, D.; Alejandro ACOSTA, A.; Andrés GASCUE, A.; et al. The Southernmost Pre-Columbian Dogs in the Americas: Phenotype, Chronology, Diet and Genetics. Environmental Archaeology, 2021., DOI: 10.1080/14614103.2021.1922985
WIED-NEUWIED, M. von. Viagem ao Brasil. São Paulo: Nacional, 1958 [1815-17]
Pedra como referência e utensilio:
Conceito
Conceito
No registro arqueológico, artefatos feitos de pedra ocupam um lugar desproporcional. Isso não é por acaso, pois a pedra simplesmente tem uma maior durabilidade de que objetos feitos de materiais mais frágeis ou biodegradáveis, como madeira, fibras, ossos ou até mesmo cerâmica. Portanto, objetos de pedra como indícios de uma “tecnologia” dominante e evidente da arqueologia indígena pode ser uma premissa enganosa e deve ser, inicialmente, atribuída à durabilidade do material.
Dito isso, a inegável utilidade e eficácia da pedra, como matéria prima para a confecção de armas, utensílios de cozinha, artefatos, ornamentação, objetos rituais ou mesmo peças de jogos, faz-nos entender melhor a tecnologia aplicada pelos grupos indígenas contemporâneos bem como para seus antecedentes. Isso vale tanto para os povos indígenas da Austrália quanto do Brasil.
Artefatos líticos: Lâmina de machado de pedra polida, talhadores de pedra lascada, boleadeira, ponta de projétil. (Acervo Arqueológico-Antropológico do MCT-PUCRS).
Conceito
No registro arqueológico, artefatos feitos de pedra ocupam um lugar desproporcional. Isso não é por acaso, pois a pedra simplesmente tem uma maior durabilidade de que objetos feitos de materiais mais frágeis ou biodegradáveis, como madeira, fibras, ossos ou até mesmo cerâmica. Portanto, objetos de pedra como indícios de uma “tecnologia” dominante e evidente da arqueologia indígena pode ser uma premissa enganosa e deve ser, inicialmente, atribuída à durabilidade do material.
Dito isso, a inegável utilidade e eficácia da pedra, como matéria prima para a confecção de armas, utensílios de cozinha, artefatos, ornamentação, objetos rituais ou mesmo peças de jogos, faz-nos entender melhor a tecnologia aplicada pelos grupos indígenas contemporâneos bem como para seus antecedentes. Isso vale tanto para os povos indígenas da Austrália quanto do Brasil.
Artefatos líticos: Lâmina de machado de pedra polida, talhadores de pedra lascada, boleadeira, ponta de projétil. (Acervo Arqueológico-Antropológico do MCT-PUCRS).
Materiais diferentes - atividades diferentes
Materiais diferentes - atividades diferentes
“Itá” significa “pedra” na língua tupi, falada por quase todos os povos indígenas que viviam ao longo da costa atlântica sul da América do Sul, inclusive ao longo dos grandes rios como o Amazonas, São Francisco, Uruguai, Paraná e Paraguai. O termo “itá” combinado com um adjetivo também é usado para caracterizar e nomear lugares na paisagem ou cidades. No Brasil, o nome de quase 150 cidades está relacionado ao termo “itá”, como “Itapeva” (pedra lisa), “Itajubá” (pedra amarela – ouro), “Itaipu” (pedra barulhenta) ou “Itajaí” (rio com muitas pedras).
Pedras planas, afiadas e polidas, usadas como lâminas de machados, eram objetos valiosos nos tempos pré-coloniais e eram “comercializadas” por longas distâncias e entre diferentes grupos indígenas. Machados de pedra, sua confecção, seu comércio, bem como seu uso, estava associado ao trabalho dos homens. Eles foram usados para abrir caminhos entre as localidades e cortar árvores e arbustos para preparar os campos para o plantio dentro das florestas. Depois que a vegetação derrubada secou, os homens usaram o fogo para limpar o local para as mulheres plantarem. Esses machados com lâminas de pedra não eram usados em situações de conflito como armas. Para isso, enormes budunas, feitos de madeira de lei, foram especialmente confeccionados. Esses também eram empregados em certas cerimônias antropofágicas.
Guerreiro Tupinanbá com burduna. (Jean de Léry, 1980).
Fontes:
LÉRY, Jean. de. Viagem à Terra do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1980, [1578].
Materiais diferentes - atividades diferentes
“Itá” significa “pedra” na língua tupi, falada por quase todos os povos indígenas que viviam ao longo da costa atlântica sul da América do Sul, inclusive ao longo dos grandes rios como o Amazonas, São Francisco, Uruguai, Paraná e Paraguai. O termo “itá” combinado com um adjetivo também é usado para caracterizar e nomear lugares na paisagem ou cidades. No Brasil, o nome de quase 150 cidades está relacionado ao termo “itá”, como “Itapeva” (pedra lisa), “Itajubá” (pedra amarela – ouro), “Itaipu” (pedra barulhenta) ou “Itajaí” (rio com muitas pedras).
Pedras planas, afiadas e polidas, usadas como lâminas de machados, eram objetos valiosos nos tempos pré-coloniais e eram “comercializadas” por longas distâncias e entre diferentes grupos indígenas. Machados de pedra, sua confecção, seu comércio, bem como seu uso, estava associado ao trabalho dos homens. Eles foram usados para abrir caminhos entre as localidades e cortar árvores e arbustos para preparar os campos para o plantio dentro das florestas. Depois que a vegetação derrubada secou, os homens usaram o fogo para limpar o local para as mulheres plantarem. Esses machados com lâminas de pedra não eram usados em situações de conflito como armas. Para isso, enormes budunas, feitos de madeira de lei, foram especialmente confeccionados. Esses também eram empregados em certas cerimônias antropofágicas.
Guerreiro Tupinanbá com burduna. (Jean de Léry, 1980).
Fontes:
LÉRY, Jean. de. Viagem à Terra do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1980, [1578].
Uso de pedras pelos homens
Uso de pedras pelos homens
Depois que os indígenas do Brasil tiveram acesso a machados, facas ou tesouras de metal, trazidos ao Novo Mundo pelos europeus, principalmente o uso de machados de metal foi responsável por uma mudança completa na subsistência e na exploração dos recursos naturais. Árvores da família das fabaceae eram derrubadas em grande escala para serem comercializadas com os europeus, em troca de tecidos, machados, tesouras e facas. Os europeus se beneficiaram dessa madeira para extrair pigmentos vermelhos como brasa. O tão desejado “Pau Brasil” deu o nome ao terreno de onde vieram essas árvores: “Brasil”.
Homens cortando o “Pau Brasil” a ser trocado com os comerciantes europeus por machados, tesouras e contas de vidro. (Bibliothèque Nationale de France, 1519).
Uso de pedras pelos homens
Depois que os indígenas do Brasil tiveram acesso a machados, facas ou tesouras de metal, trazidos ao Novo Mundo pelos europeus, principalmente o uso de machados de metal foi responsável por uma mudança completa na subsistência e na exploração dos recursos naturais. Árvores da família das fabaceae eram derrubadas em grande escala para serem comercializadas com os europeus, em troca de tecidos, machados, tesouras e facas. Os europeus se beneficiaram dessa madeira para extrair pigmentos vermelhos como brasa. O tão desejado “Pau Brasil” deu o nome ao terreno de onde vieram essas árvores: “Brasil”.
Homens cortando o “Pau Brasil” a ser trocado com os comerciantes europeus por machados, tesouras e contas de vidro. (Bibliothèque Nationale de France, 1519).
Uso de pedras pelas mulheres
Uso de pedras pelas mulheres
As relações das mulheres indígenas com a pedra as conectam diretamente com a produção de alimentos. Centenas de pequenas lascas de quartzo ou rocha em geral são cuidadosamente fixadas em uma placa retangular de madeira para criar uma superfície áspera. Esses “moedores” são usados para ralar as raízes da mandioca para produzir farinha, para fazer beiju ou bebida fermentada (cauim).
Ralador de mandioca com fragmentos de pedras e desenho de figura zoomorfas (Macuxí). (Acervo Arqueológico-Antropológico do MCT-PUCRS).
Uso de pedras pelas mulheres
As relações das mulheres indígenas com a pedra as conectam diretamente com a produção de alimentos. Centenas de pequenas lascas de quartzo ou rocha em geral são cuidadosamente fixadas em uma placa retangular de madeira para criar uma superfície áspera. Esses “moedores” são usados para ralar as raízes da mandioca para produzir farinha, para fazer beiju ou bebida fermentada (cauim).
Ralador de mandioca com fragmentos de pedras e desenho de figura zoomorfas (Macuxí). (Acervo Arqueológico-Antropológico do MCT-PUCRS).
Kodja - o machado de pedra australiano
Kodja - o machado de pedra australiano
O kodja, termo para um machado de pedra australiano, é feito de uma única rocha não polida que pode ser afiada de um lado por lascamento. Um lado é usado como instrumento de corte e o outro lado arredondado é usado como martelo. Este machado multifuncional do povo Noongar do sudoeste da Austrália Ocidental consiste em um cabo de madeira, com uma pedra amarrada a ele usando uma mistura adesiva feita de resina, chamada kadjo – uma mistura de carvão com esterco de canguru seco. Outras nomeações do termo kodja podem ser kadjo, kodj, kodjer ou codger. O lado arredondado do kodja era habitualmente usado como martelo para quebrar ossos de animais, para obter acesso à medula óssea rica em gordura. Ele também é usado para triturar fibras vegetais para fins alimentares e medicinais. A extremidade afiada do kodja era também utilizada para cortar degraus nas laterais das árvores quando as pessoas procuravam alimentos como ovos de pássaros, mel ou outros animais que vivem nas árvores.
Machado Kodja. (Western Australian Museum. museum.wa.gov.au).
Fontes:
Western Australian Museum. http://museum.wa.gov.au/research/collections/aboriginal-western-australians/aboriginal-cultures-collection/kodj-axe
Kodja - o machado de pedra australiano
O kodja, termo para um machado de pedra australiano, é feito de uma única rocha não polida que pode ser afiada de um lado por lascamento. Um lado é usado como instrumento de corte e o outro lado arredondado é usado como martelo. Este machado multifuncional do povo Noongar do sudoeste da Austrália Ocidental consiste em um cabo de madeira, com uma pedra amarrada a ele usando uma mistura adesiva feita de resina, chamada kadjo – uma mistura de carvão com esterco de canguru seco. Outras nomeações do termo kodja podem ser kadjo, kodj, kodjer ou codger. O lado arredondado do kodja era habitualmente usado como martelo para quebrar ossos de animais, para obter acesso à medula óssea rica em gordura. Ele também é usado para triturar fibras vegetais para fins alimentares e medicinais. A extremidade afiada do kodja era também utilizada para cortar degraus nas laterais das árvores quando as pessoas procuravam alimentos como ovos de pássaros, mel ou outros animais que vivem nas árvores.
Machado Kodja. (Western Australian Museum. museum.wa.gov.au).
Fontes:
Western Australian Museum. http://museum.wa.gov.au/research/collections/aboriginal-western-australians/aboriginal-cultures-collection/kodj-axe
Guerra e resistência:
Apresentação
Apresentação
Ao falar de práticas e padrões de guerra indígenas, deve-se ter cuidado para não traçar paralelos ou equivalências com a tradição europeia de confrontos politicamente controlados, de sequestro de territórios ou dos recursos dos inimigos. A interação violenta entre as Primeiras Nações e grupos indígenas do Brasil eram de um tipo muito diferente. Na verdade, por estar situado em uma cosmologia onde a conexão ancestral das pessoas com sua terra era eterna, a ideia de “tomar” o território de outra pessoa faz pouco sentido.
Na Austrália pré-colonial, os ataques entre grupos vizinhos estavam baseados nos motivos de vingança pelos erros cometidos, para resolver disputas de pequena escala ou na captura de mulheres. Tudo indica que os confrontos parecem ter tido motivações simbólicas, tanto quanto práticas, já que os grupos geralmente retornavam às suas terras ancestrais depois que tais rupturas haviam sido resolvidas, muitas vezes com baixas de ambos os lados.
O fato de que as sociedades indígenas no Brasil e na Austrália vivenciaram um mundo de violência interna, também é evidenciado pelas armas onipresentes, como porretes, lanças, bumerangue, bolas de boleadeiras, que impregnavam também fora das atividades de caça. As habilidades e tecnologias marciais desses grupos tornaram-se evidentes nas guerras de resistência em larga escala e, em última instância, trágicas contra os invasores guerreiros europeus armados com infantaria.
“Bandeirantes” lutando contra guerreiros Botocudo. (Aquarela de J-B. Debret, 1834-39).
Fontes:
DEBRET, J. B. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. São Paulo: Martins 1940 [1834-39]
Apresentação
Ao falar de práticas e padrões de guerra indígenas, deve-se ter cuidado para não traçar paralelos ou equivalências com a tradição europeia de confrontos politicamente controlados, de sequestro de territórios ou dos recursos dos inimigos. A interação violenta entre as Primeiras Nações e grupos indígenas do Brasil eram de um tipo muito diferente. Na verdade, por estar situado em uma cosmologia onde a conexão ancestral das pessoas com sua terra era eterna, a ideia de “tomar” o território de outra pessoa faz pouco sentido.
Na Austrália pré-colonial, os ataques entre grupos vizinhos estavam baseados nos motivos de vingança pelos erros cometidos, para resolver disputas de pequena escala ou na captura de mulheres. Tudo indica que os confrontos parecem ter tido motivações simbólicas, tanto quanto práticas, já que os grupos geralmente retornavam às suas terras ancestrais depois que tais rupturas haviam sido resolvidas, muitas vezes com baixas de ambos os lados.
O fato de que as sociedades indígenas no Brasil e na Austrália vivenciaram um mundo de violência interna, também é evidenciado pelas armas onipresentes, como porretes, lanças, bumerangue, bolas de boleadeiras, que impregnavam também fora das atividades de caça. As habilidades e tecnologias marciais desses grupos tornaram-se evidentes nas guerras de resistência em larga escala e, em última instância, trágicas contra os invasores guerreiros europeus armados com infantaria.
“Bandeirantes” lutando contra guerreiros Botocudo. (Aquarela de J-B. Debret, 1834-39).
Fontes:
DEBRET, J. B. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. São Paulo: Martins 1940 [1834-39]
Guerras de fronteira da Austrália
Guerras de fronteira da Austrália
Desde os primeiros assentamentos britânicos no continente australiano em 1788, confrontos violentos e devastadores com as sociedades dos Primeiros Povos duraram até o século XX. Nesse sentido, esse longo período de violência não é tanto um evento único de guerra, mas uma realidade de constante situação de defesa indígena e da expansão sistemática britânica.
Apesar das tropas britânicas estarem em um ambiente muito hostil e desconhecido, os esforços de colonização anteriores proporcionaram experiência e o desenvolvimento de novas táticas para devastar a população local. Isso incluiu o uso da formação de alianças estratégicas com grupos locais, mas também o massacre e até o envenenamento deliberado das populações locais que, apesar desses horrores, lutaram por sua soberania até nos tempos modernos.
A luta para se defender contra os britânicos foi total e devastadora para o povo das Primeiras Nações da Austrália. (Acampamento de Leichardt nas proximidades do Golfo de Carpentaria, 1845,Macfarlane) https://nla.gov.au/nla.obj-140395909/view.
Fontes:
CONNOR, K. Australian Frontier Wars: 1788-1838. Sydney: University of New South Wales Press, 2002.
Guerras de fronteira da Austrália
Desde os primeiros assentamentos britânicos no continente australiano em 1788, confrontos violentos e devastadores com as sociedades dos Primeiros Povos duraram até o século XX. Nesse sentido, esse longo período de violência não é tanto um evento único de guerra, mas uma realidade de constante situação de defesa indígena e da expansão sistemática britânica.
Apesar das tropas britânicas estarem em um ambiente muito hostil e desconhecido, os esforços de colonização anteriores proporcionaram experiência e o desenvolvimento de novas táticas para devastar a população local. Isso incluiu o uso da formação de alianças estratégicas com grupos locais, mas também o massacre e até o envenenamento deliberado das populações locais que, apesar desses horrores, lutaram por sua soberania até nos tempos modernos.
A luta para se defender contra os britânicos foi total e devastadora para o povo das Primeiras Nações da Austrália. (Acampamento de Leichardt nas proximidades do Golfo de Carpentaria, 1845,Macfarlane) https://nla.gov.au/nla.obj-140395909/view.
Fontes:
CONNOR, K. Australian Frontier Wars: 1788-1838. Sydney: University of New South Wales Press, 2002.
A Guerra Guaranítica
A Guerra Guaranítica
No que é hoje o Sul do Brasil, encontramos outra guerra de resistência entre as sociedades indígenas locais e os europeus recém-chegados, mas em circunstâncias bastante surpreendentes e únicas. No início do século XVII, Jesuítas recrutaram a população Guarani local e construíram enormes e complexos centros urbanos para fins religiosos e econômicos. Quando a Ordem Jesuítica foi forçada a deixar a área por ordem do rei espanhol, os portugueses começaram a entrar nesta área em busca de oportunidades econômicas, incluindo a captura de nativos, e um confronto violento se sucedeu.
Com a liderança do agora folclórico Sepé Tiaraju, os Guarani resistiram inicialmente a uma derrota, mas no final acabaram não conseguindo se defender dos soldados portugueses mais bem equipados, como demonstram as terrivelmente baixas por parte dos Guarani. No entanto, o que esse evento e a resistência dos primeiros povos australianos demonstram é que os grupos indígenas entenderam claramente que a terra ocupada pelos europeus estava sendo violentamente tomada de seus povos originários. Essa estratégia de colonização bruta pode ter sido bastante “normal” para os colonos, mas pode ter chocado uma população local que não estava familiarizada a se defender contra uma força estrangeira tão intransigente.
Mapa mostrando os centros urbanos Jesuíta-Guarani em sua maior extensão. https://www.reddit.com/r/MapPorn/comments/6qjgza/extension_of_the_guarani_jesuit_state_during_its/
Mapa mostrando os centros urbanos Jesuíta-Guarani em sua maior extensão. https://www.reddit.com/r/Map
Fontes:
GANSON, B. The Guarani under Spanish Rule in the Rio de la Plata. Stanford: Stanford University Press, 2003.
A Guerra Guaranítica
No que é hoje o Sul do Brasil, encontramos outra guerra de resistência entre as sociedades indígenas locais e os europeus recém-chegados, mas em circunstâncias bastante surpreendentes e únicas. No início do século XVII, Jesuítas recrutaram a população Guarani local e construíram enormes e complexos centros urbanos para fins religiosos e econômicos. Quando a Ordem Jesuítica foi forçada a deixar a área por ordem do rei espanhol, os portugueses começaram a entrar nesta área em busca de oportunidades econômicas, incluindo a captura de nativos, e um confronto violento se sucedeu.
Com a liderança do agora folclórico Sepé Tiaraju, os Guarani resistiram inicialmente a uma derrota, mas no final acabaram não conseguindo se defender dos soldados portugueses mais bem equipados, como demonstram as terrivelmente baixas por parte dos Guarani. No entanto, o que esse evento e a resistência dos primeiros povos australianos demonstram é que os grupos indígenas entenderam claramente que a terra ocupada pelos europeus estava sendo violentamente tomada de seus povos originários. Essa estratégia de colonização bruta pode ter sido bastante “normal” para os colonos, mas pode ter chocado uma população local que não estava familiarizada a se defender contra uma força estrangeira tão intransigente.
Mapa mostrando os centros urbanos Jesuíta-Guarani em sua maior extensão. https://www.reddit.com/r/MapPorn/comments/6qjgza/extension_of_the_guarani_jesuit_state_during_its/
Mapa mostrando os centros urbanos Jesuíta-Guarani em sua maior extensão. https://www.reddit.com/r/Map
Fontes:
GANSON, B. The Guarani under Spanish Rule in the Rio de la Plata. Stanford: Stanford University Press, 2003.
Jogos do Eugênio:
Alimentação: comer e beber
Alimentação: comer e beber
Alimentação: comer e beber
O uso do fogo pelos indígenas
O uso do fogo pelos indígenas
ncorporação:
O uso do fogo pelos indígenas
ncorporação:
Pedra como referência
Pedra como referência
Incorporação:
Pedra como referência
Incorporação:
Conversas do Eugênio:
Cultura Indígena Brasil e Austrália
Cultura Indígena Brasil e Austrália
Cultura Indígena Brasil e Austrália
Humanos e Cães
Humanos e Cães
Humanos e Cães
Música
Música
Música
Módulos de Comparação
(Clique no módulo comparativo de sua escolha para fazer a seleção):
- Linguagem
- Relações Humano-Animal
- Arquitetura
- O Uso do Fogo
- Alimentação: comer e beber
- Floresta e Árvores
- Infância
- Medicina
- Música
- Relações Humano-Caninas
- Pedra como referência e utensílio
- Guerra e resistência
- Jogos do Eugênio
- Conversas do Eugênio
Pesquisa e produção de conteúdo:
Prof. Dr. Klaus Hilbert
Doutor pelo Instituto de Pré e Proto-História da Philipps Universität Marburg. Professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Escola de Humanidades PUCRS, arqueólogo e curador da coleção de Arqueologia MCT-PUCRS
John Gabriel O’Donnell
Graduado em “Latin American Studies” pelo Evergreen State College”, Mestrado em História Ibero-Americana pelo Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS e doutorando do PPGH/PUCRS.
Assessoria Científica:
Dr Robert Mason
Acting Deputy Head of School (Research) | School of Humanities, Languages and Social Science | Griffith University Acting Deputy Director | Griffith Centre for Social and Cultural Research
President, Association of Iberian and Latin American Studies of Australasia | ailasa.org