Teste para o coronavírus desenvolvido pelo InsCer recebeu doação
Iniciativa pouco comum na realidade brasileira, aporte foi realizado pelo médico oncologista Nelson Kalil
Na foto, Daniel Marinowic, professor da Escola de Medicina da PUCRS e coordenador do projeto que envolve o teste, junto com uma das integrantes da equipe, Gabriele Zanirati. Crédito: Divulgação/InsCer
A comoção mundial frente à pandemia da Covid-19 registrou um recorde de R$ 5,2 bilhões no Brasil, segundo estimativa da Associação Brasileira de Captadores de Recursos, ABCR, divulgada no mês de maio. Estamos falando de doações de empresas e pessoas físicas, uma iniciativa pouco vista por aqui.
Em matéria apurada pela revista Época, segundo levantamento de 2019, apenas 22% dos brasileiros desembolsam recursos à filantropia mais de uma vez por ano. Nos Estados Unidos, o campeão mundial da filantropia, 61% doam com frequência.
Radicado nos Estados Unidos há mais de duas décadas, o oncologista Nelson Kalil destinou recursos ao Instituto do Cérebro da PUCRS, o InsCer, através da sua Fundação, a fim de contribuir para o desenvolvimento de tecnologia e de processos no combate ao Covid-19. De acordo com o médico brasileiro, infelizmente o que é rotina nos Estados Unidos, como, por exemplo, um trabalho voluntário que se aprende desde criança e computa, inclusive, como crédito para acesso às universidades, não é comum no Brasil. Os motivos para o País não adotar esse tipo de iniciativa vão desde falta de confiança à transparência nas informações e gestão pública. “Em resumo, uma palavra difícil de traduzir para português: accountability*. Se melhorarmos nesses aspectos, com certeza vamos ver um maior número de doações e contribuições de pessoas físicas, incluindo tempo, e de empresas, com aportes financeiros”, acredita Kalil.
Nelson Kalil destinou recursos ao Instituto do Cérebro da PUCRS. Crédito: Camila Cunha
Quanto ao motivo e à relevância da destinação do recurso ao teste, o oncologista destaca a importância dele no curto e longo prazo. “A curto prazo acelera a necessidade imediata da rápida detecção, tratamento, isolamento de pessoas infectadas, prevenindo a disseminação, salvando milhares de vidas. A longo prazo, permitirá um estudo epidemiológico adequado não só para esta pandemia, mas para as próximas que certamente ainda ocorrerão”.
O teste COVID-PCR-SyBr foi avaliado pelo laboratório Central de Saúde Pública do Rio Grande do Sul – LACEN. Com esse teste é possível analisar um maior número de amostras em um tempo mais curto e por um valor diferenciado.
Viver há anos no país em que a cultura da filantropia está enraizada sem dúvida amplia a visão acerca da relevância social de práticas rotineiras de voluntariado, solidariedade e doações de uma forma em geral. No caso de Nelson, o envolvimento diário com a academia, com pesquisas e o saber científico também contribuíram para essa e para outras iniciativas que o médico já apoiou anteriormente, além do forte vínculo com a PUCRS. Kalil foi aluno da graduação em medicina, e depois iniciou a residência de Medicina Interna e Oncologia no Hospital São Lucas, HSL, na década de 80.
A mudança para os EUA foi motivada pela necessidade, ainda durante a graduação, de ter acesso à tecnologia e à qualidade da medicina disponíveis em países de primeiro mundo, e com estímulos de professores, como o atual vice-reitor da PUCRS, Jaderson Costa da Costa, que havia retornado de Boston na época. O oncologista então muda para os Estados Unidos, onde faz a residência de Medicina Interna no Jackson Memorial Hospital, Universidade de Miami, e em Oncologia e Hematologia no National Cancer Institute e National Heart, Lung, Blood Institute, National Institute of Health em conjunto com o Johns Hopkins Hospital. Atualmente, trabalha na área de Washington, um rico ambiente cultural e acadêmico, onde está localizado o maior centro de pesquisa do mundo, com verbas de 42 bilhões de dólares por ano.
Diante de uma realidade tão diversa entre o Brasil e os Estados Unidos, Nelson destaca a diferença da mentalidade e da realidade política e econômica entre os dois países. “A falta de confiança, transparência nas informações e gestão pública e incentivo fiscal aos doadores necessitam imediatas melhoras, do contrário perderemos mais uma geração de jovens cientistas com enorme potencial de beneficiar o Brasil”.
*controle, fiscalização, prestação de contas, responsabilização, entre outros. A escolha por um equivalente em português não é, portanto, aleatória e revela o significado e os limites atribuídos ao conceito.