Artigo de Carlos Eduardo Lobo e Silva, pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da PUCRS
*Confira a versão do artigo publicada no jornal Zero Hora.
Na Semana Nacional da Ciência e Tecnologia, que neste ano acontece entre os dias 2 e 8 de outubro, a pergunta que logo surge é o que temos para comemorar. Ou se há razões apenas para lamentos e protestos. Ninguém tem dúvida da importância de uma política clara por parte dos governos, especialmente o federal, com rumo, estratégias, regras e recursos que nos conduzam a um sistema de ciência e tecnologia mais robusto, aliada ao desenvolvimento do país.
Mas a proposta aqui é trazer uma perspectiva de mais longo prazo: quais são os desafios da ciência e tecnologia brasileiras, independente do apoio maior ou menor dos governos, da crise fiscal mais ou menos severa e do ritmo de superação da pandemia? É possível apontar pelo menos quatro:
Como formamos nossos mestres e doutores e para quem? Considerando o propósito de formar mestres qualificados e pesquisadores doutores para o mercado e o mundo acadêmico, precisamos incorporar aos nossos programas maior flexibilidade e agilidade na estrutura, nos requisitos e nas metodologias, que permitam e valorizem, inclusive, interação dos alunos e seus projetos com organizações e empresas.
Além da possibilidade para o estudante desenvolver projetos mais aplicados, o percurso acadêmico do vocacionado à pesquisa deve contar com maior integração, em trilhas de formação que os coloquem rapidamente em um ambiente de pesquisa. Finalmente, a universidade tem que oferecer ao aluno uma formação mais ampla, que o prepare para desafios enfrentados fora do laboratório, baseada em uma visão de mundo plural e solidária.
Quanto a quem contrata, evidentemente, a disposição de empregar mestres e doutores é proporcional à vocação e à disposição inovadora das nossas empresas, mas, certamente, todos estes avanços na formação do discente – tão necessários quanto complexos – ajudariam na absorção desta mão de obra extremamente qualificada pelo mercado, seja como contratados ou empreendedores.
Se tudo começa pela formação, a ponte entre a pesquisa e a inovação talvez seja o grande desafio brasileiro. Costumamos estar melhores nos rankings mundiais de impacto acadêmico do que nos rankings de inovação ou impacto social. A pesquisa brasileira avançou muito nas últimas décadas, em função dos processos de avaliação, mas se manteve excessivamente limitada ao mundo acadêmico. Ministérios, agências e universidades devem ampliar seu foco em projetos com propósitos de inovação. E aqui não há escolhas de áreas: matemática, química, física, biologia e ciências sociais são fundamentais nos projetos de propósito inovador.
A integração do Brasil com o mundo é condição para participarmos da “1ª divisão da ciência”. A avalanche do online durante a pandemia nos ensinou que, em muitas situações, a distância geográfica pode ser superada praticamente sem custo. Mesmo que a interação física ainda tenha seu valor no compartilhamento de ideias, o mundo se tornou, paradoxalmente, mais conectado. Neste novo cenário, abre-se uma larga avenida para a internacionalização. Embora o Hemisfério Norte deva ser prioritário em termos da excelência acadêmica, o Brasil tem um potencial de liderança ainda mal explorado com nossos vizinhos latino-americanos.
Adicionalmente, embora a internacionalização se apresente como uma oportunidade, estamos assistindo a uma “fuga de cérebros” e a ameaça de entregar às nações desenvolvidas parte considerável do investimento feito pelo Brasil na formação de seus pesquisadores. Há urgência para políticas de retenção e atração de talentos, e espaço para modelos novos de compartilhamento de pesquisadores com universidades estrangeiras.
A tarefa de comunicar bem o que fazemos pode parecer uma questão menor aos olhos da comunidade acadêmica. Mas a má comunicação ou a falta dela pode ter impacto desastroso à nossa ciência. A sociedade precisa conhecer o retorno já alcançado das nossas pesquisas científicas. Entretanto, os custos da pesquisa são explícitos, facilmente calculados, enquanto seus ganhos são implícitos e, muitas vezes, indiretos. Os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) são bons exemplos, entre vários: o Ministério da Economia não tem dificuldade em mostrar o quanto o Brasil gasta com os institutos, mas certamente o governo e a sociedade não conhecem e não sabem mensurar os ganhos trazidos pelos INCTs ao País.
É fundamental encontrar maneiras de trazer à sociedade o impacto econômico e social da nossa ciência. Vale mencionar o louvável esforço da Embrapa e da FAPESP em desenvolver metodologias que estimam o retorno de suas atividades. Não podemos defender a ciência e a tecnologia apenas no momento das definições orçamentárias.
Se há uma agenda desafiadora pela frente, é preciso reconhecer que já avançamos muito. Temos hoje uma ciência bastante forte – o que talvez seja o passo mais difícil –, considerando o nível de desenvolvimento brasileiro. Precisamos aproximá-la mais da sociedade na formação dos seus pesquisadores, na solução dos problemas reais e na comunicação do que fazemos, além de conectá-la ao mundo. Na PUCRS, estes desafios têm nos motivado e orientado nossas propostas e ações.