Klaus Hilbert, professor da Escola de Humanidades, realiza pesquisas arqueológicas na Amazônia
Na linha de raciocínio de antigos historiadores europeus e norte-americanos, povos indígenas da América e, particularmente, da América do Sul, não parecem ter contribuído para a química e tecnologia moderna. Porém, com sua trajetória de mais de 30 anos de pesquisas arqueológicas na Amazônia, o professor e pesquisador da Escola de Humanidades Klaus Hilbert apresenta a importância de reconhecermos a influência da sabedoria da população indígena nas práticas cotidianas atuais.
Alguns dos seus projetos mais notáveis, incluindo sua tese de pós-doutorado, foram realizados em colaboração com o professor Jens Soentgen, diretor do Centro de Pesquisas Ambientais (WZU) da Universidade de Augsburg, da Alemanha.
Um exemplo desses projetos realizados na Alemanha é a pesquisa Química Pré-Colonial: descobertas dos povos indígenas da América do Sul, que propõe uma abordagem interdisciplinar para entender melhor diversos aspectos sobre a Amazônia. Nesta iniciativa, os professores Hilbert e Soentgen uniram suas especialidades em arqueologia, filosofia, química e geografia para realizar um projeto sobre a Terra Preta (TP) das populações pré-coloniais da Amazônia.
“Nesta pesquisa, pretendemos mostrar que, no que concerne ao conhecimento relativo às práticas químicas, a criatividade e a inteligência técnica dos povos indígenas da América do Sul eram – e ainda são – competências consideráveis, inclusive, como práticas que levaram a invenções das quais milhões de pessoas se beneficiam até hoje”, destaca Hilbert.
As Terras Pretas são locais de antigos assentamentos humanos e a sua coloração escura se deve, em parte, à presença de carvão, como resíduo de fogueiras domésticas e de queimadas. O pesquisador Hilbert explica que, em muitas regiões, sociedades indígenas formaram extensos depósitos de rejeitos que influenciaram as propriedades do solo. Assim, esses depósitos ficaram conhecidos como Terra Preta, principalmente por sua cor e por conter vestígios, como fragmentos de cerâmica e artefatos feitos em pedra.
Com esta pesquisa, Hilbert e Soentgen se propuseram a analisar esses solos altamente modificados por sociedades humanas, localizados ao longo das margens do rio Amazonas e seus principais afluentes, para entender a importância da presença dos povos pré-históricos na formação da floresta amazônica atual.
Por meio de suas atividades, os povos pré-históricos amazônicos introduziram direta ou indiretamente espécies vegetais cultiváveis nas áreas que habitavam ou nas suas proximidades. Assim, a noção dos padrões clássicos da floresta amazônica atribuída a uma região intocada pelo homem apresenta, no entanto, vestígios de culturas humanas que perduram até os dias atuais.
Então, os pesquisadores atuaram a partir da hipótese de que a origem das Terras Pretas está localizada no contexto geral das manipulações regradas de materiais, objetos, substâncias e elementos que formam o cotidiano social e ambiental indígena da Amazônia. E com isso, descobriram com a pesquisa que o solo fértil e enriquecido da floresta tropical amazônica faz parte de um conjunto de ações amplas e de longa data relacionada ao modo de vida das populações agrícolas indígenas.
“As terras amazônicas são um produto cultural que anuncia a sabedoria inédita da população amazonense pré-colonial e dos seus conhecimentos práticos que envolvem os processos complexos da criação intencional da Terra Preta como uma estratégia de melhoria do solo”, comenta Hilbert.
O professor Hilbert pontua que, com o passar do tempo, esse conhecimento de produzir Terras Pretas foi perdido depois dos primeiros contatos com as populações europeias a partir do século 16. Por isso, torna-se de extrema relevância difundir as práticas das sociedades amazônicas que nos influenciam até os dias atuais.
“Compreender e conseguir reproduzir, na prática, o conhecimento e sabedoria dos povos indígenas pré-coloniais trará, provavelmente, um avanço nas produções agrícolas das regiões tropicais, ao passo que essas terão uma maior eficiência por hectare”, finaliza Hilbert.