Professor e pesquisador da Escola de Humanidades da PUCRS, Francisco Kern dedica-se a compreender o papel das redes de apoio para pessoas soropositivas
Os tabus são definidos por convenções sociais e culturais. São formas de discriminação impostas com o objetivo de limitar a prática de determinados atos ou evitar abordar certos assuntos, por exemplo. O professor e pesquisador da Escola de Humanidades Francisco Arseli Kern define as atitudes preconceituosas como “inimigo invisível do humano”.
De acordo com Kern, o preconceito atua de forma invisível nas relações, pautando uma construção social que promove processos de exclusão, criminalização e violação de direitos sociais fundamentais. As pessoas afetadas por estas discriminações, sofrem os impactos potencializando medos e inseguranças.
O docente dedica sua trajetória acadêmica a pesquisar sobre a importância das redes de apoio para pessoas acometidas pela síndrome de imunodeficiência adquirida, conhecida como AIDS. A doença é causada pelo HIV, que ataca o sistema imunológico e deixa o organismo vulnerável a doenças.
Kern destaca que a infecção já foi vista como sentença de morte, porém, com os avanços da medicina, tornou-se possível ter uma vida plena e longa mesmo com a doença estando presente. Porém, mesmo com essa evolução da ciência, o assunto ainda é tratado como tabu.
“Hoje, as pessoas continuam vivendo, sob as mais diversas formas de opressão social com medo da denúncia. O pânico já não é mais direcionado a doença, o pânico está voltado para os relacionamentos sociais: e se o outro souber? A angústia de viver com a doença sem ainda poder se revelar ao outro, é talvez maior do que encarar a própria doença no plano físico”, explica Kern.
No estudo Mulheres soropositivas em privação de liberdade, realizado em 2018 em um dos maiores presídios femininos do Rio Grande do Sul, foram coletados diversos depoimentos de mulheres soropositivas em situação de privação de liberdade. Destas entrevistas, Kern destaca que uma das participantes relatou sua convivência com a doença e como ela é vista socialmente: “A AIDS me condena mais do que tráfico de drogas”, contou ela.
A discriminação caracteriza-se como inimigo do humano quando proporciona esta condenação da pessoa, excluindo-a da sociedade. Em sua pesquisa, Kern ressalta que no surgimento da AIDS, além do sofrimento físico, as pessoas sofriam com estigmas subjetivos impostos pela doença. “Eram expulsas de suas famílias no momento de descoberta e até mesmo afastados de vínculos trabalhistas. As pessoas passaram por intenso sofrimento causado pelo isolamento, solidão, privação de afeto, falta de pertencimento e entre tantas outras dores”, complementa.
Com as pesquisas relacionadas a sua tese de doutorado sobre o sentido das teias e das redes de apoio para pessoas soropositivas e doentes de AIDS, temas relacionados à subjetividade e identidades, Francisco Kern publicou recentemente o livro Reconstruir-se: nada está escrito!, lançado pela ediPUCRS em 2020. Na publicação, o docente propôs que é importante que a sociedade reconstrua novas redes de apoio para que as pessoas criem um futuro de cuidados necessários com a vida.
“Tornou-se cada vez mais importante a compreensão da necessidade de transformar significados e sentidos antigos que são conferidos às pessoas, às relações e à vida, para então existir uma sociedade com menos preconceitos e inimigos invisíveis”, destaca.
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