Prêmio Nobel faz apelo por paz e justiça no Congo

No Fronteiras do Pensamento, médico Denis Mukwege pede atenção mundial ao drama das vítimas de violência sexual

20/08/2019 - 15h09
Fronteiras do Pensamento

Denis Mukwege respondeu às várias perguntas da plateia, com a mediação de Daniel Scola/Fotos: Luiz Munhoz

O médico Denis Mukwege – Prêmio Nobel da Paz em 2018 – aproveitou o palco do Fronteiras do Pensamento, na segunda-feira à noite (dia 19 de agosto), para fazer um apelo por justiça e paz na República Democrática do Congo e pela criação de um fundo global para os sobreviventes. O Hospital Panzi, que criou há 20 anos, no seu país, já tratou 55 mil mulheres vítimas de violência sexual. “Até hoje os corpos delas têm sido um campo de batalha. Essa é uma estratégia de guerra que destrói gerações. Comunidades inteiras são forçadas a saírem de seu território em benefício de mineradoras”, denunciou o conferencista, aplaudido várias vezes pela plateia, que lotou o Salão de Atos da UFRGS. O projeto conta com o apoio cultural da PUCRS.

O seu relato contundente da realidade do Congo, governado por uma coalisão de grupos rebeldes que acabaram no Exército e na Polícia, provocou no final a pergunta de um espectador: “Como podemos ajudar?”. O que fazer diante dos 6 milhões de mortos e desaparecidos da região leste do país pelos conflitos envolvendo o coltan, uma mistura de dois minerais usados em eletrônicos, como os smartphones? Um dos caminhos apontados pelo médico e ativista é cobrar que as Nações Unidas tirem da gaveta um relatório do Alto Comissariado dos Direitos Humanos que detalha 617 casos. Recentemente, o Tribunal Penal Internacional fez a primeira condenação por crime sexual no Congo, o que é visto por Mukwege como uma vitória, mas ainda tímida.

Sentido da vida

Denis Mukwege, Fronteiras do Pensamento

A conferência começou com o relato do médico sobre a origem de sua missão, lembrando que o tema do Fronteiras deste ano é Sentidos da vida. Com problemas no parto, quando nasceu, teve uma grave infecção generalizada, e a família contou com o apoio de uma professora primária sueca que travava a luta contra a mortalidade infantil na África. O pai, pastor protestante, também foi uma fonte de inspiração. Aos 8 anos, acompanhou-o numa visita a uma criança doente e se deu conta de que queria fazer Medicina para salvar vidas. “Como fui ajudado, eu queria me dedicar aos outros, pouco importa o preço a pagar.”

Depois de formado pela Universidade de Burundi, Mukwege se concentrou nas crianças, mas logo se deu conta do também alto índice de mortalidade materna. Concluiu seus estudos em Ginecologia e Obstetrícia na Universidade de Angers, na França. Também possui PhD pela Universidade de Bruxelas, na Bélgica. Mas decidiu voltar ao Congo, em meio à guerra, e dedicar sua atuação a devolver a dignidade a mulheres.

Uma das maiores atrocidades a que assistiu foi o atentado ao hospital no povoado de Lemera. “A fossa comum em que estão enterradas as vítimas lembra a banalidade do mal”, reforça. Esse crime nunca foi reconhecido. Mukwege volta a falar “na amnésia e no silêncio do mundo”. “A epopeia desses mártires nunca foi contada por nenhum Homero”, sublinha. Porém, garante que não vai se resignar a um horror que não poupa nem bebês ou idosas. Para ele, outro fato doloroso é tratar filhas das vítimas.

Atentados

Respondendo a uma pergunta da plateia sobre a sua segurança pessoal, o médico contou que já sofreu seis atentados em 20 anos. Em 2011, o ministro da Saúde da República Democrática do Congo disse para ele não falar na Assembleia Geral da ONU, ameaçando-o. Cancelou de véspera a sua participação em Nova York, mas não deixou de ir no ano seguinte para pedir pela condenação dos grupos rebeldes. Resultado: foi recebido na volta em sua casa por homens armados, que fizeram seus filhos de reféns e balearam fatalmente seu segurança. Hoje ele recebe proteção de soldados das forças de paz da ONU e resolveu morar no Hospital de Panzi com a mulher. Após minutos de silêncio, emocionado, o médico relatou que o restante da família deixou o Congo.

Outra questão feita a ele, na conversa mediada pelo jornalista Daniel Scola, foi a responsabilidade das grandes empresas que se beneficiam da extração do coltan. “Elas sabem o destino desses minérios de sangue, a martirização das mulheres que têm o seu aparelho genital destruído. Tudo isso está documentado em publicações científicas.”

Os próximos convidados do Fronteiras do Pensamento são Janna Levin, Werner Herzog, Contardo Calligaris e Luc Ferry.

Mais sobre a trajetória de Mukwege

O médico é considerado o maior especialista do mundo em reparação interna de genitais femininos. Também coordena programas de HIV/Aids em seu país. Em 2008, recebeu o Prêmio Olof Palme e o Prêmio Direitos Humanos das Nações Unidas por seu trabalho de proteção aos direitos e à dignidade de milhares de mulheres congolesas. Em 2014, o médico recebeu um dos mais importantes prêmios do mundo, o Sakharov.

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