Utilização de hormônios e discriminação são os principais problemas
Por: Redação Ascom
Uma pesquisa realizada na PUCRS com 626 pessoas trans alerta para uma situação grave: 66,3% das mulheres não consultam um médico para utilizar hormônios. Das 291 que responderam sobre esse tema, 39,2% compram hormônios pela internet e 27,1% conseguem com amigos ou conhecidos. “Utilizar hormônios sem monitoramento pode ocasionar problemas de saúde graves do ponto de vista cardíaco, ósseo e até oncológico”, alerta o coordenador da pesquisa e professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Escola de Humanidades da PUCRS Ângelo Brandelli Costa.
O estudo, intitulado Healthcare Needs of and Access Barriers for Brazilian Transgender and Gender Diverse People, foi realizado em parceria com os Hospitais de Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foram consultadas 626 pessoas trans de 18 a 64 anos do Rio Grande do Sul e de São Paulo, que responderam a questionário pela internet e nos hospitais citados. Entre os pontos abordados nas perguntas estavam questões relacionadas ao acesso livre a hormônios, monitoramento médico, procedimentos cirúrgicos e discriminação durante o tratamento.
Os motivos para a negativa na procura por especialistas também foram abordados no estudo: 43,2% disseram evitar os serviços de saúde quando precisaram por serem trans. A maioria das pessoas, 58,7%, que afirmaram ser vítimas de discriminação durante um atendimento médico de saúde, se privaram de procura-lo quando necessário. O número cai para 17,8% quando os entrevistados não sofreram discriminação. Entre as opções do questionário estavam: profissional de saúde alegou não ter conhecimento suficiente para prestar atendimento; não utilizou o nome social da pessoa; a ridicularizou durante o atendimento. Para Brandelli, o dado é grave, porque esse público já tem problemas para acessar os serviços por motivos financeiros e por causa do desenho do Sistema Único de Saúde (SUS). “Quando as pessoas trans conseguem superar essas barreiras institucionais, existem as barreiras dos profissionais que as tratam com diferença e isso faz com que elas evitem buscar serviços de saúde, mesmo quando precisam”, ressaltou o professor. De acordo com ele, é preciso deixar as políticas públicas mais inclusivas e incorporar discussões sobre o tema nas formações dos profissionais de saúde.
Brandelli esclarece que o objetivo da pesquisa é expor a necessidade de abordar o preconceito no tratamento não só de pessoas trans, mas também em relação à raça e classe social, por exemplo. “Muitos profissionais podem dizer ‘eu nunca vi uma pessoa trans’, mas é possível que essa população não acesse esses serviços com receio da forma de tratamento. Então é preciso desenvolver campanhas contra essas atitudes”, propõe. Agora, o coordenador conta que está escrevendo um novo artigo sobre essa coleta de dados. O foco será o acesso aos procedimentos de HIV, como medicamentos e testes. “Esse é um dos agravos mais prevalentes nas mulheres trans, principalmente no Rio Grande do Sul, que é um dos estados com maior índice dessa epidemia”.
O projeto também revela que de 83 homens trans, 46 nunca encontraram um médico para prescrever hormônios, ou seja, 55,4%. Por outro lado, de 56 mulheres trans, 22 contam que nunca conseguiram um médico para receitar o medicamento, o que representa 39,3%. Em relação a procedimentos médicos, como modificações do corpo, cirurgias de afirmação de gênero, implante de silicone, entre outros, 64,2% alegam não ter dinheiro para pagar, ou seja, 278 de 433 pessoas trans. O professor Angelo diz que essas questões mostram uma discrepância. “O SUS cobriria esses procedimentos. Então por que as pessoas não estão conseguindo fazer?”, questiona ele. Entre as 102 mulheres trans que já fizeram procedimentos médicos, 76,8% optaram por clínicas privadas e apenas 18,6% por clínicas públicas. Para o professor, os números falam por si. “São questões graves que mostram a falha do sistema de saúde, que dificulta o acesso à saúde das pessoas trans”, analisa.
Brandelli explica que, para definir o perfil dos participantes, foram feitas duas perguntas: “qual o sexo que foi designado ao nascer?” e “como se identifica agora?”. Qualquer discordância entre os dois questionamentos inclui a pessoa no estudo. A maioria dos integrantes são homens e mulheres trans, mas também responderam ao questionário pessoas com outra identidade de gênero, por exemplo aquelas que se identificam como não binárias, agêneras, queer, entre outros. Só no Facebook do Brasil estão disponíveis 17 opções de gênero.
O professor conta que esteve no Canadá há aproximadamente dois anos e conheceu a professora da University of Western Ontario, Gretha Bauer, coordenadora de um projeto chamado TransPulse. A iniciativa é um levantamento sobre a vida das pessoas trans composto por perguntas envolvendo problemáticas enfrentadas por esse grupo. “Achamos a iniciativa importante, porque não temos muito diagnóstico da vida das pessoas trans aqui no Brasil em vários aspectos, principalmente na saúde, então adaptamos esse questionário para cá”.