Escritor cubano Leonardo Padura participou do Fronteiras do Pensamento
O escritor Leonardo Padura mora no bairro de Mantilla, em Havana, capital de Cuba, na casa construída pelo pai há seis décadas. Como menino, andava livre pelas ruas e assistia às partidas de beisebol. “Era uma pequena vila. Tínhamos de tudo, menos funerária e cemitério. Sou uma mescla do lugar em que nasci, do território que meus avós e meus pais percorreram e do país em que viveram e de onde partiram tantos autores”, afirmou, na noite dessa segunda-feira, dia 21, na conferência do Fronteiras do Pensamento, no salão de atos da UFRGS. O sentimento de pertencimento dos cubanos é visto em poucos países do mundo, garante Padura, que tratou também de outras facetas da insularidade, “a maldita circunstância da água para todo lado”. “Venho de uma ilha, país de fronteiras líquidas, o que afeta, condiciona e determina nossa maneira de ser e existir.” O isolamento, o drama migratório e a essência cultural de Cuba foram os temas centrais da sua fala.
Andar pelo Malecón, a orla de Havana, no sentido histórico de seu desenvolvimento, de Havana Vieja ao bairro de Vedado, sentar-se no muro de 1 metro e contemplar a cidade, de um lado, e o mar, de outro, gera uma sensação contraditória devido a essa “fatalidade geográfica”. Uma forma de olhar para si mesmo e vislumbrar uma “promessa tentadora e inalcançável”, ilustra.
Ao citar a lei que vigorou por mais de 50 anos restringindo a liberdade dos cubanos de viajar, contestou o poder que decide destinos e desejos. Até 2013, só podiam deixar a ilha se tivessem uma permissão especial. Jornalistas, desportistas, artistas e soldados conseguiam licença para trabalhar no exterior. Mas a grande maioria precisava de uma carta branca para ir a outros países a convite de familiares e amigos ou devia optar por uma saída definitiva, quando perdia todos os bens e se tornava apátrida. Disse que, nessas cinco décadas, um quinto da população foi embora.
A nostalgia pela pátria perdida é uma constante de escritores cubanos de hoje ou do passado. Padura lembrou o poeta José María Heredia (1803-1839), o herói nacional e mártir da independência, José Martí (1853-1895), Guillermo Cabrera Infante (1922-2005) e Reinaldo Arenas (1943-1990). Com obras escritas a distância, não deixaram de ter o país e seus habitantes como foco.
O professor da UFRGS Sergius Gonzaga, que atuou como mediador do evento, perguntou ao convidado sobre o drama da insularidade e as barreiras entre os grupos que vivem fora de Cuba e os que ficam no país. Padura disse preferir tratar dessa questão como resistência e não lamentação. “É preciso se fazer forte na amizade, na fidelidade e na nostalgia, alimentadas por rum e música.”
A debatedora do evento, professora Janaína Baladão de Aguiar, da Escola de Humanidades da PUCRS, retomou essa problemática. Padura reforçou que cada um tem o direito de viver onde escolher. Comentou que às vezes acredita na harmonia e em outros momentos perde a fé. Garante que ele mesmo é acusado de agente de segurança do governo cubano por querer permanecer no país onde nasceu.
Janaína perguntou ainda de onde vem a preferência do escritor pelo romance noir, um tipo de romance policial criado na década de 1930, com detetives humanizados. Padura imortalizou Mario Conde, protagonista da tetralogia Estações Havana. Contou que sempre gostou de ler esse tipo de narrativa e, como jornalista, era muito duro com os escritores do país que lançavam livros deficientes nesse gênero. “Pensei: vou fazer romances muito cubanos que não se pareçam com os cubanos.” O crime em si se torna um pretexto para revelar o lado obscuro do ser humano e os seus motores internos.
Questionado pelo público sobre os limites entre realidade e ficção em O homem que amava os cachorros, resumiu: “Quando começo o romance, sei, quando termino, não”. O livro é narrado por um aspirante a escritor que, a partir de um encontro com um homem que passeava com seus cães, retoma os últimos anos de vida do revolucionário russo Leon Trotski e seu assassinato. Padura afirmou que procura respeitar a essência dos processos históricos. Adora assistir a Bastardos inglórios, de Tarantino, em que um grupo de judeus norte-americanos se une para combater os nazistas, mas seria incapaz de escrever algo assim, tão distante da realidade. Como romancista, lembra que há uma convenção com os leitores: “Sabem que vou contar uma mentira que parece ser verdade”.
Padura é romancista, ensaísta e jornalista. Considerado um dos melhores autores de Cuba, escreveu roteiros para o cinema e atuou por 15 anos na área do jornalismo investigativo. Agraciado pelo governo espanhol com a dupla nacionalidade, prefere continuar vivendo na ilha onde nasceu. Ganhou reconhecimento internacional com a série de romances policiais Estações Havana. A tetralogia, composta por Passado perfeito, Ventos de quaresma, Máscaras e Paisagem de outono, já foi traduzida para mais de 15 países e venceu prêmios internacionais, como o Dashiell Hammet, de melhor romance em língua espanhola, e o Café Gijón, além de ter sido adaptada para o cinema e a televisão. Pelo conjunto de sua obra, recebeu o Prêmio Princesa das Astúrias das Letras e o Prêmio Nacional de Literatura de Cuba.
A temporada 2017 do projeto Fronteiras do Pensamento tem como tema Civilização – a sociedade e seus valores. Com parceria cultural da PUCRS, o evento traz a Porto Alegre, até o mês de dezembro, conferencistas internacionalmente reconhecidos para abordar a busca por reconstrução, consciência e resgate de valores.