Estudo aponta piora em indicadores como rendimento médio do trabalho e distribuição de renda, e antevê piora no acesso das famílias mais pobres às oportunidades
O ano de 2020 consolidou o maior nível de desigualdade nas metrópoles brasileiras desde 2012, em relação à disparidade de rendimentos do trabalho. Este é o resultado apontado pela terceira edição do Boletim – Desigualdade nas Metrópoles, desenvolvido pela PUCRS, pelo Observatório das Metrópoles e pelo Observatório da Dívida Social na América Latina (RedODSAL). O levantamento utiliza dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo o estudo, para os 40% mais pobres das regiões metropolitanas brasileiras o rendimento médio do trabalho teve queda de 34,2% no comparativo entre o quarto trimestre de 2019 e de 2020. Em termos absolutos, a renda desse estrato diminuiu de R$ 237,18 para R$ 155,95. Para os 10% mais ricos, a queda de rendimentos foi de 6,9%. Como resultado, os mais ricos passaram a ganhar, em média, 39 vezes mais do que os mais pobres. Essa é a maior vantagem do topo em relação à base já verificada em toda a série histórica.
A região metropolitana de Porto Alegre teve o pior resultado entre as metrópoles do Sul do País, com os mais ricos passando a ganhar, em média, 38,4 vezes mais do que os mais pobres. No quarto trimestre de 2020 a média móvel do coeficiente de Gini, um importante indicador de desigualdade, na metrópole gaúcha atingiu o nível de 0,625 na escala que varia de zero a um, sendo a maior média registrada desde 2012, e num patamar bem acima das demais regiões metropolitanas da região Sul.
O coeficiente de Gini mede o grau de distribuição de rendimentos entre os indivíduos de uma população, sendo o valor zero representativo de uma situação de completa igualdade, em que todos teriam a mesma renda; e o valor um a situação de completa desigualdade, em que uma só pessoa deteria toda a renda. O estudo ainda destaca que a média móvel do indicador nas regiões metropolitanas do Brasil atingiu o nível de 0,631, sendo o pior índice da série histórica.
André Salata, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRS e um dos coordenadores do estudo, ressalta que a renda do trabalho da população mais pobre no final do ano passado permanecia muito abaixo do patamar encontrado antes da pandemia provocada pela Covid-19 e que a interrupção do auxílio emergencial pelo Governo Federal ampliou o quadro de pobreza.
“Durante o segundo semestre de 2020, o auxílio emergencial conseguiu compensar grande parte das perdas, evitando que 23 milhões de pessoas caíssem na pobreza nas metrópoles, como verificamos no segundo boletim. Porém, o corte dos pagamentos freou a recuperação de renda e ampliou um quadro trágico de aumento da pobreza e da extrema pobreza. Sem dúvida, a interrupção do auxílio foi equivocada e não levou em consideração dados como esse que trazemos aqui”.
De acordo com Marcelo Ribeiro, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisador do Observatório das Metrópoles e um dos coordenadores do estudo, o retrocesso no nível de remuneração média do trabalho no Brasil foi de praticamente oito anos. “No final de 2020 houve um patamar próximo ao verificado no primeiro trimestre de 2012, quando começou a série história da PNADc. Ou seja, estamos em níveis próximos daqueles apresentados há oito anos. Esse retrocesso é decorrente da crise econômica existente no País há alguns anos e que foi aprofundada durante a pandemia. As consequências, porém, recaem principalmente sobre a população mais pobre, que além de ter baixa remuneração, é também a que mais perde”, comenta.
O estudo também traz evidências de que as desigualdades têm impacto não apenas no nível de consumo e conforto das famílias no momento, como também nas oportunidades futuras de vida de crianças e jovens. Seus efeitos, portanto, são duradouros, e atingem as próximas gerações. Como indicador desses efeitos, os pesquisadores levantaram dados relativos à escolarização das crianças e jovens nos diferentes estratos de renda de nossas regiões metropolitanas.
Os dados mostram que entre os mais pobres no Brasil, 8,8% das crianças e jovens com idade correspondente ao Ensino Fundamental, e 26,9% dos jovens com idade correspondente ao Ensino Médio, tinham escolaridade abaixo da esperada, indicando atraso escolar. No estrato dos 10% mais ricos, esses valores eram de apenas 2,7% e 4,4%, respectivamente.
“Como a desigualdade de renda aumentou substancialmente ao longo da pandemia, com perdas muito grandes para os estratos mais baixos, haverá consequências para o sucesso escolar de crianças e jovens provenientes das famílias mais pobres num futuro muito próximo, em termos de atraso, evasão e ingresso nos níveis mais altos de ensino”, destaca Salata.
Com relação ao atraso escolar entre os mais pobres, novamente Porto Alegre detém o pior resultado entre as metrópoles do Sul. Os dados mostram que, nesse estrato, 15,5% das crianças e jovens no Ensino Fundamental e 38,69% dos jovens no Ensino Médio tinham escolaridade abaixo da esperada. Entre os mais ricos, porém, esses valores eram de apenas 1,23% e 1,44%, respectivamente.
De acordo com os dados da pesquisa, apenas 16,8% dos jovens entre 18 e 24 anos que fazem parte do estrato mais pobre do País haviam ingressado no Ensino Superior na média dos últimos quatro trimestres. Entre os mais ricos, esse valor era de 66,4%.
Para Ribeiro, podemos estar jogando fora os ganhos que estávamos acumulando como sociedade referente às oportunidades de crianças e jovens, principalmente daqueles inseridos em famílias mais pobres. O pesquisador salienta que desde 2012 estava sendo observada redução da taxa de atraso escolar, além do maior ingresso de jovens no Ensino Superior. “Com a redução da renda familiar per capita decorrente da crise econômica e do agravamento da pandemia, essas crianças e jovens podem ser levados a abondar a escola ou a universidade e terem que trabalhar para ajudar na composição da renda familiar. Isto é, as consequências do que estamos vivendo não se restringem apenas ao momento atual, mas se referem também ao futuro das crianças e jovens”.
Os resultados da terceira edição do Boletim – Desigualdade nas Metrópoles foram publicados pelos jornais Folha de S. Paulo e Zero Hora. A pesquisa também foi tema de uma reportagem veiculada no Jornal do Almoço, da RBS TV.
A pesquisa tem como objetivo produzir um conjunto de informações relevantes acerca das desigualdades de rendimentos no interior das regiões metropolitanas do País. A publicação tem o intuito de colaborar para um debate público mais bem informado a respeito da grave situação das metrópoles brasileiras no que concerne às desigualdades sociais.
O levantamento utiliza microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), do IBGE, em especial de sua divulgação trimestral. Ao todo são analisadas 20 regiões metropolitanas: Manaus, Belém, Macapá, Grande São Luís, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife, Maceió, Aracaju, Salvador, Belo Horizonte, Grande Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Vale do Rio Cuiabá e Goiânia; além do Distrito Federal e da Região Administrativa Integrada de Desenvolvimento da Grande Teresina.
Confira o relatório completo da terceira edição do Boletim- Desigualdade nas Metrópoles.