Pesquisadora da PUCRS busca compreender as diferenças e semelhanças culturais em debates sobre legislações
Nos últimos anos, houve uma série de transformações relacionadas às disciplinas e práticas familiares que preconizam uma educação sem punições físicas por parte de familiares e cuidadores de crianças. Alguns marcos legislativos fazem parte dessa trajetória. Um exemplo é a lei aprovada em 2014, aqui no Brasil, que incluiu no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) um artigo defendendo o direito a ser educado sem castigos físicos, tratamento cruel e degradante. Com base nesse artigo, a partir da então legislação, castigos corporais são definidos como “ação de natureza disciplinar e punitiva com o uso da força física sobre a criança e ao adolescente que resulte em: a) sofrimento físico; e b) lesão”.
Em países da Europa e América Latina, as construções e marcos legais sãos derivados de outras disputas sociais. A pesquisadora da PUCRS Fernanda Bittencourt Ribeiro, professora da Escola de Humanidades e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Ciência Política, desenvolve estudos sobre essas temáticas. Em seus trabalhos, busca entender as diferenças ou semelhanças entre as leis do Brasil, Uruguai e França. A professora possui três capítulos de livros publicados sobre o tema, como também dois artigos em periódicos.
Sobre os países latino-americanos analisados, Fernanda diz que o Uruguai foi o primeiro país da América Latina a, em 2007, promulgar uma lei contra castigos físicos.
“Uma diferença que observo em relação ao Brasil é que desde 2002 o Uruguai realiza uma campanha anual de sensibilização chamada ‘Uruguai, país dos bons tratos’. A discussão da lei também foi acompanhada da distribuição de cartilhas e da capacitação de profissionais que atuam na intervenção junto a famílias. No Brasil, onde a lei foi aprovada em 2014, entendo que houve pouco debate público sobre o tema e muita incompreensão sobre o objetivo da lei. Em ambos os países os proponentes da lei entendem a prática de castigos como uma questão de ordem cultural”, afirma.
Ampliando o escopo da análise sobre a França, a pesquisadora percebe que os argumentos a favor da lei não colocam em questão “a cultura” de modo geral, mas defendem a necessidade de mudar a maneira de educar.
“Entre os três países, a França foi o último a incorporar, em 2019, a proibição dos castigos em sua legislação. Posições contrárias consideravam excessiva a ingerência da ONU em assuntos referentes à vida privada”, comenta.
Além disso, a professora aponta que desde o início dos anos 2000, a ONU e organizações não-governamentais internacionais, propõem que os países signatários da Convenção dos Direitos da Criança proíbam formalmente os “castigos físicos, tratamento cruel e degradante” na educação de crianças e adolescentes.
Além do direito a uma educação sem o uso de castigo físico, estabelecido pela Lei da Palmada, que posteriormente foi rebatizada de Lei Menino Bernardo, o ECA também prevê que os casos de suspeita ou de confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescentes sejam obrigatoriamente comunicados ao conselho tutelar da respectiva localidade.
Desde 2020, está em análise o Projeto de Lei 4011/20, que proíbe a venda, a publicação e a divulgação de livros ou palestras que estimulem o castigo físico a crianças e adolescentes, inclusive por meio da internet, redes sociais ou qualquer outro meio de comunicação a distância.
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