Professora e pesquisadora da Famecos explica como a boneca manteve sua relevância ao longo dos anos
Inspirada na boneca alemã Bild Lilli, a Barbie foi criada por Ruth Handler e lançada pela empresa Mattel em 1959, nos Estados Unidos. Antes disso, as bonecas existentes no mercado eram bebês, produzidas com materiais como pano e papel. Com uma proposta inovadora, Barbie foi apresentada ao mercado como uma boneca adulta feita de plástico que utililizava roupas desenhadas por estilistas. Ela também se destacava por ter diferentes profissões, pois, já naquela época, sua criadora acreditava na importância de meninas entenderem que poderiam ser o que quisessem. Nestes 64 anos, já foram vendidas mais de 50 milhões de Barbies, o que a tornou a boneca mais famosa do mundo e o brinquedo mais lucrativo da história da Mattel.
Além de ser uma referência em moda, comportamento e estilo, a Barbie está há mais de seis décadas presente no imaginário popular e vem pautando discussões sobre feminismo, diversidade e empoderamento da mulher. A professora Paula Puhl, da Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da PUCRS, explica que embora a Barbie fosse originalmente loira, branca, magra e de olhos azuis, a boneca passou por diversas mudanças ao longo do tempo para acompanhar as transformações comportamentais da sociedade.
“Hoje há uma maior representatividade de corpos e diversidade nas bonecas Barbie, além de uma ampla gama de profissões que antes eram mais associadas ao público masculino. Acredito que a Barbie contribuiu para empoderar as mulheres, pois acompanhou e incorporou as discussões e diálogos da nossa sociedade. A boneca conseguiu manter sua essência (de brinquedo sintético feito para brincar), ao mesmo tempo que buscou manter seu posicionamento e engajamento. A Mattel soube como manter o diálogo com o público para evoluir de acordo com as demandas exigidas”, destaca.
Para além da boneca, a marca conseguiu expandir o que era originalmente apenas um brinquedo para um universo de objetos colecionáveis e produtos audiovisuais em diversos formatos. A representação mais recente da Barbie, lançada este ano nos cinemas, mostrou que a boneca continua, mais do que nunca, pautando discussões sobre comportamento e feminismo. O filme de 2023 apresenta dois mundos ao telespectador: a Barbielândia, um lugar de protagonismo majoritariamente feminino, onde as Barbies, Kens e outros personagens criados pela Mattel convivem em harmonia; e o mundo real, onde a desigualdade de gênero ainda é uma realidade e elas são apenas bonecas.
Considerado um sucesso de crítica e bilheteria, Paula Puhl explica que o frenesi em volta da Barbie não aconteceu de repente: é algo que foi sendo construído coletivamente. A docente relembra que na moda o estilo Barbiecore já vinha dominando as plataformas digitais e alguns estilistas já estavam apostando na cor rosa em seus últimos desfiles. Ao falar sobre consumo, Paula enfatiza que a nostalgia que existe em relação à Barbie e outros produtos culturais é um fator essencial e que não pode ser deixado de lado na análise de um sucesso.
“Acredito que em todas as matérias que lemos sobre o assunto a questão da nostalgia se faz presente, por isso é preciso entender esse fenômeno partindo dessa lógica. A meu ver, cada pessoa que vê o filme também ressignifica para sua época o valor daquela boneca. Quem conheceu a Barbie nos anos 2000 vai ter uma visão diferente de quem brincava com a boneca no final dos anos 1970, 1980, ou até antes. O novo filme da Barbie consegue se comunicar com diversos públicos. E quem vai assistir mostra essa conexão com a boneca ao utilizar alguma peça rosa”.
O sucesso sempre vem acompanhado de críticas, e no caso da Barbie, a Mattel tem colecionado polêmicas desde a criação da boneca. Feita para o público infantil e feminino, a Barbie foi acusada de transmitir uma imagem corporal feminina irreal, que reforça um padrão inatingível e que poderia contribuir para o desenvolvimento de distúrbios alimentares em crianças e adolescentes. Atualmente, a empresa conta com uma série de outras bonecas que representam mulheres com corpos diversos, mas a professora acredita que dificilmente será possível separar a imagem da Barbie de uma boneca loira e magra, visto que a construção de marca promovida pela Mattel durante todos esses anos foi muito forte.
“A Barbie estereotipada sempre vai ser o carro-chefe de consumo da marca, mas é muito importante que a Mattel mantenha esse diálogo trazendo a questão plural que ela tem feito nos últimos anos. É importante, principalmente, por uma questão social, que a marca proporcione um pouco mais de visibilidade às suas outras bonecas. Já existe um imaginário formado sobre a Barbie, mas a Mattel poderia agregar mais ainda à sua comunicação ao mostrar que ela tem, sim, Barbies que são mais parecidas com suas consumidoras”, defende.
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Nos últimos anos, franquias de super-heróis têm tomado conta da indústria cultural, com produções audiovisuais de grande sucesso. A pesquisadora explica que esses filmes, em geral, focam no lado mais humano dos heróis, e que são as questões mais profundas, como dilemas éticos e morais, que acabam aproximando o público dessas obras, criando um engajamento emocional. Para a docente, o filme da Barbie traz um pouco disso ao transportar a boneca para o mundo real. No futuro, a professora espera que os outros filmes da boneca tratem de mais questões relacionadas ao papel da mulher na sociedade.
“Esse filme abriu um universo de possibilidades. Eu gostaria de talvez acompanhar a Barbie dos anos 1959 entrando em contato com um mundo em transformação sem perder sua questão sintética de ser uma boneca. Mas eu acredito que podemos esperar para ver o que vai vir a seguir. Será que a Barbie e o Ken vão ter um relacionamento? Como será que ela se comporta em relações sociais diferentes? Como ela se relacionaria fora da Barbielândia? Seria interessante termos outros filmes da Barbie explorando essas questões sociais e relacionais”, reflete.
Devido ao volume expressivo de ações de marketing, patrocinadas ou não pela Mattel, a professora acredita que o filme já pode ser considerado um case de sucesso. Diversas marcas aproveitaram o alvoroço em relação ao longa-metragem para divulgar seus produtos atrelados à cor rosa. Para Paula, essa campanha é excepcional e pode ser comparada, guardadas as proporções, com a ação realizada pela empresa de leite Parmalat em 1996. Na época, a campanha fez tanto sucesso que acabou durando quatro anos. A docente acredita que será preciso se afastar um pouco desse fenômeno para entendê-lo em sua totalidade, mas que o case Barbie ainda poderá ser estudado nas universidades e empresas de comunicação.
“É bom nos distanciarmos para estudar a Barbie um pouquinho mais adiante, até para entender o quanto essa percepção que estamos tendo agora, de que o filme é um sucesso, vai ajudar a reposicionar a marca. Daqui a um tempo, conseguiremos ter um olhar mais crítico sobre as ações, sobre o faturamento, e conseguir entender se esse imaginário sobre a Barbie vai continuar, seja na moda, seja na compra dos produtos”.