08/09/2023 - 14h55

O caso da cooperação Unesp e Queensland University

Queensland University / Foto: Divulgação

Brasil e Austrália são dois países de dimensões continentais localizados em regiões do globo que compartilham várias características geográficas, estando ambos no hemisfério sul e sendo cortados pelo trópico de Capricórnio. Além de representar as duas principais economias localizadas nos trópicos, esses fatores fornecem uma plataforma sólida para o crescimento da cooperação bilateral. Apesar dos recentes desafios políticos, fiscais e pandêmicos, o Brasil ainda mantém peso econômico global, impulsionado por uma vasta base de recursos naturais e crescente classe média com exportações e receitas estimuladas por petróleo, gás e recursos minerais, manufatura avançada, agronegócio, serviços financeiros e turismo.

Os dois países têm zonas climáticas idênticas, incluindo as zonas equatorial, tropical, subtropical e temperada. Com essas sinergias, é lógico que as instituições de ensino superior e de pesquisa dos dois países compartilham um interesse em atividades de pesquisa que buscam identificar e enfrentar problemas sociais e ambientais comuns e colaborar na implementação de soluções para problemas globais com base em experiências compartilhadas.

Esse texto explora as estratégias de duas universidades, nos dois países, para ampliar a cooperação horizontal e seus resultados. Do lado brasileiro, a Universidade Estadual Paulista – Unesp, que aproveitou as oportunidades do programa “Ciência sem Fronteiras” e mais recentemente o programa PrInT para construir parcerias com diversas instituições australianas, sendo a relação com a University of Queensland, particularmente estratégica.

 

Evolução da cooperação Brasil-Austrália

Em 2001, de acordo com a base de dados Scopus, apenas 97 artigos científicos colaborativos haviam sido publicados por pesquisadores brasileiros e australianos. Em 2020, esse número chegou a 2.423, o que representa um aumento de cerca de 25 vezes.

Entre 2015 e 2020, um total de 10.839 artigos copublicados, com impacto de citação ponderado por campo (FWCI) de 4,63, foram produzidos, mostrando a alta qualidade dos trabalhos em conjunto. Além disso, de acordo com a mesma fonte, 16.634 autores do Brasil e 11.678 da Austrália interagiram nos artigos publicados. Em relação às áreas de colaboração medicina, física e astronomia, agricultura e ciências biológicas, bioquímica, genética e biologia molecular representam mais de 50% dessas publicações.

 

A Unesp

Listada entre as cinco mais destacadas e importantes universidades brasileiras, a Unesp figura como um exemplo de extremo sucesso entre as instituições multicampi do mundo. Como uma das três universidades públicas financiadas pelo governo do estado de São Paulo, a Unesp oferece educação gratuita de qualidade, desenvolve pesquisas estratégicas e interage com a comunidade por meio de centenas de projetos. No que diz respeito à sua missão, a Unesp tem o compromisso de ser uma universidade internacional voltada para a pesquisa, com programas de excelência e com uma comunidade acadêmica altamente engajada em um conjunto de ações que apoiam o desenvolvimento e a prosperidade econômica do estado e do país. Suas áreas de maior destaque em publicações são: Ciências Agrárias e Biológicas, Medicina, Bioquímica, Genética e Biologia Molecular, Imunologia e Microbiologia e Veterinária.

 

A University of Queensland (UQ)

Universidade de reputação global por criar mudanças positivas, fornecendo liderança em conhecimento para um mundo melhor. A UQ está entre as melhores do mundo, de acordo com vários dos principais rankings independentes. Possui ainda excelente histórico de comercialização de inovação, com grandes tecnologias utilizadas em todo o mundo e vendas brutas de produtos de mais de US $17 bilhões. Suas áreas de maior destaque em publicações são: Medicina, Bioquímica, Genética e Biologia Molecular, Ciências Agrárias e Biológicas, Ciências Sociais e Engenharia. Portanto, altamente aderente às principais áreas de expertise e produção da Unesp.

 

Como se estabeleceu a parceria Unesp-UQ

Em 2017, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES (agência federal de avaliação e fomento do sistema de pós-graduação brasileiro) lançou o edital PrInt para fomentar a internacionalização das IES brasileiras, e a Unesp apresentou proposta aprovada com orçamento de US$ 17 milhões.

A proposta dividiu-se em duas iniciativas. A primeira denominada “Redes Internacionais de Pesquisa”, introduziu uma abordagem de baixo para cima e foi caracterizado pelo fato do corpo docente ter que propor a criação de redes internacionais com parceiros estabelecidos para o desenvolvimento de pesquisas colaborativas. Para essa iniciativa, a Unesp destinou 60% do subsídio do PrInt.

O segundo projeto, denominado Global Research Alliances, apresentou uma abordagem de cima para baixo considerando os interesses e potencialidades institucionais. Os acadêmicos foram convidados a desenvolver vínculos com parceiros que ainda não faziam parte de sua rede. Esta iniciativa recebeu 40% do subsídio, e teve como principal objetivo alterar o enfoque da internacionalização de um processo individual (pesquisadores) para um processo institucional, centrado em parceiros identificados pela universidade.

O Plano Estratégico de Internacionalização (PEI) da Unesp, de 2018 foi essencial para isso ao indicar os caminhos e estratégias da universidade na expansão de seu processo de internacionalização, vindo de encontro às diretrizes do PrInt. O PEI baseou-se em três pilares:

 

  1. Talentos globais: desenvolver as competências globais dos estudantes redefinindo os resultados de aprendizagem para um mundo interconectado, apoiando acadêmicos e funcionários a se tornarem indivíduos com talentos para atuarem globalmente.

 

  1. Pesquisa: com foco nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), melhorar a internacionalização, a qualidade e o impacto da ciência produzida, com ideias inovadoras relacionadas aos desafios globais, aumentando a reputação da instituição.

 

  1. Parcerias: estabelecer parcerias no centro da estratégia de internacionalização, consolidando e não expandindo parcerias, para viabilizar uma cooperação mais aprofundada e significativa na busca da excelência, fomentando o aprimoramento institucional.

Os três pilares dependem de outros dois elementos. O primeiro relacionado a “Tópicos Transversais” inerentes a uma estratégia de internacionalização. Idiomas e acolhimento de estrangeiros são naturalmente considerados. No entanto, temas como formação de recursos humanos, desburocratização e interação com os agentes externos à universidade também são parte da proposta. Outra questão essencial são os indicadores de qualidade e internacionalização, bem como seu monitoramento e avaliação contínua.

 

Diagnóstico

A estratégia da Unesp cujas propostas foram contempladas no PrInt partiram de um diagnóstico inicial: mesmo sendo a 13ª nação entre as que mais publicam artigos científicos no mundo, a maioria das missões acadêmicas em visita ao Brasil não buscava parceiros acadêmicos. Tinham como prioridade o recrutamento de alunos, mesmo sem saber que as instituições públicas visitadas (responsáveis pela maior parte das publicações científicas mencionadas), por oferecerem ensino gratuito e manterem um programa de acesso massivo, via cotas, são alvos pouco adequados para ações de recrutamento.

Essa situação identificada muito antes da aprovação do PEI e do início do projeto financiado pelo PrInt, a Unesp começou a buscar alternativas que permitissem construir parcerias institucionais simétricas, olhando para outras partes do mundo. Esse movimento foi inicialmente facilitado pelo programa “Ciência sem Fronteiras” (CsF) que aumentou o número de “missões de recrutamento”, mostrando que havia instituições internacionais interessadas em parcerias concretas com boas universidades do país.  Durante o CsF, várias missões de “reconhecimento” foram organizadas para IES em diversos países, e a Unesp esteve sempre presente. A Austrália foi um dos países visitados.

Para explorar as possibilidades de colaboração no país, foram marcadas visitas a instituições membros de duas alianças existentes, o Group of Eight – Go8 e a Australian Technology Network of Universities – ATN. Nessas visitas, representantes de universidades brasileiras perceberam que as instituições visitadas estavam abertas à parcerias. Além de apresentar excelente desempenho acadêmico, queriam novas colaborações no Brasil.

Cabe observar que a escolha da Austrália para o desenvolvimento de parcerias estratégicas estava intimamente ligada ao interesse e entusiasmo das melhores instituições australianas em trabalhar com instituições brasileiras.

 

Resultados

Nos últimos cinco anos (2015-2020), o corpo docente da Unesp foi coautor de 719 publicações com pesquisadores da Austrália de 102 instituições colaboradoras. A instituição mantém atualmente oito acordos com 7 IES na Austrália, incluindo um acordo trilateral com a UQ e a Technical University of Munich para desenvolver uma Aliança Global de Bioeconomia. Há também um acordo com a rede ATN mencionada anteriormente.

Do lado australiano, a UQ identificou uma série de países prioritários para engajamento direcionado, e o Brasil se apresentou como ideal na colaboração acadêmica e em pesquisa. Nos últimos cinco anos, a UQ estabeleceu um forte relacionamento com o Brasil, impulsionado pelo envolvimento com academia e indústria, abrangendo setores nos quais a UQ e o Brasil têm prioridades mútuas e expertise complementar – agricultura e ciências veterinárias, ciências ambientais e da terra, biotecnologia, bioenergia, planejamento urbano e sistemas alimentares, doenças tropicais e infecciosas e psicologia.

A UQ mantém atualmente onze convênios com dez institutos de pesquisa e ensino superior no Brasil, incluindo a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), para promover a colaboração em pesquisa e a mobilidade entre as instituições de pesquisa da UQ e de São Paulo.

Um plano de parceria abrangente foi desenvolvido para impulsionar o engajamento e garantir uma compreensão clara dos indicadores-chave de desempenho. Foi realizada uma avaliação de interesses disciplinares convergentes e identificados os vínculos acadêmicos. A chave para o sucesso da parceria foi o suporte de alto nível fornecido pelos membros da equipe de executivos sênior das duas instituições. A organização de delegações de alto nível permitiu que os Reitores e Vice-Reitores vissem em primeira mão a energia por trás da parceria e estivessem em posição de falar com autoridade sobre o valor da colaboração.

A UQ tem colaborado com a Unesp para participar de três Alianças Globais de Pesquisa Capes-PrInt-Unesp nas áreas de Agricultura Tropical e Sistemas de Produção Florestal, Produção Animal e Bioeconomia. A UQ assinou um Acordo de Cooperação em Pesquisa em 2016, com o objetivo de implementar a cooperação científica e tecnológica entre pesquisadores da UQ e do Estado de São Paulo, por meio do financiamento de iniciativas conjuntas de pesquisa.

As atividades realizadas e apresentadas mostram que essa tendência pode ser modificada, uma vez que os escritórios de relações internacionais podem e devem estar envolvidos na construção de parcerias internacionais voltadas para o desenvolvimento de pesquisas conjuntas e amplos vínculos acadêmicos.

 

Lições aprendidas

Abordagens de cima para baixo e de baixo para cima: cultivar o engajamento de cima para baixo e de baixo para cima constitui-se como um mecanismo crucial para fomentar a colaboração e garantir a adesão da alta administração e do pessoal acadêmico. Da mesma forma, a cooperação internacional desenvolvida por pesquisadores a partir de contatos pessoais (mais difundida nas IES) deve receber apoio do escritório de relações internacionais por meio de programas específicos para fomentá-la. A proposta das Redes Internacionais de Pesquisa mencionada na estratégia da Unesp contribui para essa abordagem ao oferecer uma abordagem de baixo para cima. Nela, professores da instituição formam redes com parceiros internacionais já consagrados para o desenvolvimento de pesquisas colaborativas. Foi essencial identificar líderes acadêmicos em ambas as instituições que pudessem ver o valor da parceria, de uma variedade de perspectivas disciplinares.

Tomada de decisão baseada em dados e evidências: É fundamental que um planejamento meticuloso seja desenvolvido. Características, pontos fortes e áreas de interesse de pesquisa estratégica da instituição devem ser conhecidos e explorados. Da mesma forma, deve-se identificar as áreas em que a instituição ainda não desenvolveu massa crítica ou áreas nas quais precisa crescer. Para isso, é fundamental o uso de uma estratégia de gerenciamento orientada a dados. Ferramentas de coleta de dados de publicações, interação com a indústria e colaboração internacional são essenciais. Nossa experiência demonstra relação direta entre o sucesso do processo e o envolvimento de diferentes atores.

Perspectiva geográfica em expansão: Explorar “novas fronteiras” ao buscar a evolução de suas parcerias internacionais. No entanto, a abertura com que muitas instituições australianas viram propostas e novas ideias de parceria, bem como a vontade de explorar uma cooperação estratégica e simétrica com a Unesp, tornam esta região perfeita para ampliar a internacionalização da Unesp.

Investir em um mecanismo para reunir funcionários: A organização de workshops de pesquisa cofinanciados por instituições parceiras, representam oportunidade para alunos para uma experiência internacional em casa e engajam toda a comunidade no processo.

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