-
08/09/2023 - 15h55
-
08/09/2023 - 15h52
-
08/09/2023 - 15h51
Por Betty Leask (La Trobe University)
A criação de sociedades locais e globais produtivas, socialmente responsáveis e orientadas para a cidadania é cada vez mais um foco do ensino superior. Isso faz com que a internacionalização do currículo centrada no bem pessoal e comum assuma maior importância. As abordagens nesse tema evoluíram em resposta às mudanças na conceituação da internacionalização do ensino superior, concentradas em seu impacto em todos os alunos e na sociedade. A Educação 4.0, alinhada à quarta revolução industrial em curso, oferece novas oportunidades para a internacionalização do ensino e da aprendizagem, ao mesmo tempo em que cria desafios diferentes para cada região do planeta.
O catalisador da quarta revolução industrial é a fusão de tecnologias que resulta em um apagamento das linhas que separam as esferas física, digital e humana, que fica evidente, por exemplo, na robótica, na computação em nuvem e na Internet das Coisas. A quarta revolução baseia-se na terceira e, sem dúvida, criará oportunidades e desafios para educadores e sociedade. Considere as oportunidades que isso cria para aqueles que tenham acesso a tais tecnologias e os desafios crescentes que apresenta para uma sociedade equitativa e justa, visto que nem todos terão os recursos ou as habilidades para acessar e usar essas tecnologias.
A Educação 4.0, entendida neste artigo como abordagem de aprendizagem que se alinha com a quarta revolução industrial, oferece novas possibilidades para as instituições de ensino superior prepararem futuros graduados para a vida e o trabalho (Bonfield et al., 2020). Em sua forma mais simples, a internacionalização do ensino superior é um processo relacionado à pesquisa, educação, comunicação e comércio para além das fronteiras nacionais. Foi inicialmente conceituada como resposta institucional à globalização (Knight, 1997), com formatos nacionais variados porque não existe “modelo único que se adapte a todas as regiões, ou mesmo às nações e instituições dentro de uma região” (Egron-Polak & Marinoni, 2022, p.75). Infelizmente, isso levou à criação de um sistema global hierárquico, que tem incentivado e recompensado uma competição acirrada pelos melhores e mais brilhantes estudantes e pesquisadores e instituições privilegiadas no Norte Global.
As desigualdades foram exacerbadas e o potencial de instituições no Sul Global de gerar impacto positivo em suas comunidades foi afetado negativamente. O sistema é apoiado pelos governos nacionais e supranacionais mais poderosos (predominantemente, mas não apenas, no Norte Global) que buscam o melhor resultado para suas economias, muitas vezes com pouca atenção ou consideração ao contexto mais amplo.
Assim, benefícios potenciais da internacionalização do ensino superior para melhorar a qualidade, a relevância e a competitividade do ensino superior não foram partilhados igualmente entre os sistemas nacionais. No contexto latino-americano, esse ponto é ilustrado por Marmolejo & Gacel-Ávila (2016), que observam que, embora a internacionalização esteja mostrando tendências positivas, existem desafios significativos para as universidades da região.
Fortalecer a capacidade nacional de resposta sempre impulsionou a internacionalização e isso se reflete nas definições para o tema dos últimos 25 anos, que fazem referência à globalização de várias maneiras. Em 1997, a internacionalização do ensino superior foi descrita como uma política nacional destinada em grande parte a proteger a individualidade de uma nação (Knight, 1997). No entanto, em 2015, o foco mudou para como (processo), propósito (melhoria da qualidade da educação e da pesquisa) e resultados podem beneficiar todos os alunos, funcionários e sociedade (de Wit et al, 2015). A mudança de ênfase é compreensível no contexto entre os anos 2003 e 2015, que testemunharam preocupações com a crescente lacuna entre o impacto da internacionalização em instituições, estudantes e comunidades no Norte Global e no Sul Global (International Association of Universities, 2012).
Assim, a definição mais recente foi baseada em pesquisas que incorporaram perspectivas tanto do Sul Global quanto do Norte Global (de Wit & Merx, 2022). Ela mantém o foco no internacional, no intercultural e no global, mas, além disso, enfatiza a importância do propósito e da intencionalidade. A intencionalidade implica um planejamento coordenado para metas específicas relacionadas à melhoria da qualidade, envolvendo todos os alunos e funcionários e proporcionando benefícios que vão além da academia, para a comunidade em geral.
Embora a definição de de Wit et al (2015) não especifique qual(is) sociedade(s) (nacional, internacional ou global) serão os beneficiários da internacionalização, o impacto social das universidades em uma escala global tem sido uma característica fundamental na evolução do ensino superior. Escrigas, Sanchez, Hall e Tando (2014) argumentam que as universidades têm responsabilidade social global de contribuir para a criação de comunidades globais dinâmicas e sustentáveis. A Covid-19 enfatizou a complexa interconexão do mundo, de modo que as políticas de governos nacionais e conglomerados regionais (por exemplo, produção, fornecimento e distribuição de vacinas) têm impacto de curto e longo prazo nas vidas das pessoas em todo o mundo. Elas podem melhorar ou exacerbar as desigualdades sociais e econômicas existentes.
O foco específico na definição de de Wit et al. (2015) em todos os alunos e funcionários e na educação coloca a internacionalização do currículo, do ensino e da aprendizagem no cerne do processo de internacionalização das instituições.
Internacionalização do currículo
Os termos internacionalização e currículo muitas vezes significam coisas diferentes, em momentos e lugares diversos, para pessoas distintas (Whitsed & Green, 2014). Por exemplo, para alguns, o termo “currículo” refere-se a uma lista de leituras e atividades obrigatórias que os alunos realizarão (às vezes chamada de ementa), enquanto para outros significa conteúdo, pedagogia e avaliação. No que diz respeito aos teóricos da educação, existem diferenças importantes entre o currículo pretendido e o currículo recebido – e, portanto, é fundamental observar o que os alunos aprendem, mas também como aprendem.
É por meio do currículo que formamos alunos, transmitimos valores centrais das disciplinas e das profissões e os colocamos em prática (Barnett e Coate, 2017). Leask (2015) aplica teorias educacionais para distinguir o processo de internacionalização do currículo (IdC, na abreviatura) e seu produto, um currículo internacionalizado. Para Leask (2015), Internacionalização do currículo é a incorporação das dimensões internacional, intercultural e/ou global no conteúdo do currículo, bem como nos resultados de aprendizagem, tarefas de avaliação, métodos de ensino e serviços de apoio de um programa de estudo (p. 9).
Isso transforma a internacionalização do currículo passando do método de infusão, no qual experiências e atividades opcionais isoladas para uma minoria são incluídas na formação, para o design de programas e cursos com base no trabalho seminal de John Biggs (1996) de “alinhamento construtivo” e em outras pesquisas fundamentais na área (Marton, Hounsell & Entwhistle 1997; Prosser & Trigwell 1999).
Na internacionalização do currículo, isso significa que o processo de design começa com a concepção de resultados de aprendizagem internacionais, interculturais e/ou globais, e não com a seleção de conteúdos ou experiências e atividades de aprendizagem.
No início de 2000, enquanto a internacionalização do currículo estava sendo discutida na Austrália, no Canadá e no Reino Unido (Bourn, 2010; Clifford, 2009; Jones & Killick, 2013; Leask, 2009), a Internacionalização em Casa (IeC) emergiu na Europa, inicialmente como “qualquer coisa diferente de mobilidade” e depois como: a integração propositada de dimensões internacionais e interculturais no currículo formal e informal para todos os alunos em ambientes de aprendizagem domésticos (Beelen & Jones, 2015a, p. 69).
De fato, os conceitos de IeC e IdC são muito parecidos, sendo discutidos atualmente na América Latina, na África do Sul e em toda a Ásia. Ambas pretendem atingir 100% dos estudantes; estão inseridas no currículo formal e informal central, e não simplesmente nos elementos eletivos; são entregues por meio de avaliações e resultados de aprendizagem internacionalizados; não dependem da presença de alunos ou funcionários internacionais e não presumem que sua presença irá automaticamente “internacionalizar” a experiência dos estudantes; não dependem do ensino em inglês; e são específicas para programas de estudo individuais e para os acadêmicos que os ministram (Beelen e Jones, 2015b, p. 8).
A única diferença entre os dois conceitos é que a IeC exclui específica e deliberadamente as experiências de mobilidade, enquanto a IdC não. Isso é significativo porque apenas um percentual muito pequeno dos estudantes do mundo terá a oportunidade de participar de uma experiência de mobilidade (menos de 5% no mundo e ainda menos na América Latina); no entanto, todos os graduados viverão e trabalharão num mundo globalizado.